“Supermentes” humano-computador: como estão a redefinir o futuro do trabalho?

Quase todos os feitos humanos foram conseguidos por grupos de pessoas e não por indivíduos sozinhos. À medida que incorporamos cada vez mais tecnologias inteligentes em processos tradicionalmente humanos, começa a surgir uma forma ainda mais poderosa de colaboração.

 

Por Thomas W. Malone, publicado originalmente na MIT Sloan Management Review

O debate contínuo, e por vezes ruidoso, sobre quantos e que tipos de empregos as máquinas inteligentes deixarão para os humanos no futuro ignora uma questão importante: tal como a automatização do trabalho humano no passado permitiu que pessoas e máquinas fizessem muitas coisas que anteriormente não conseguiam, grupos de pessoas e computadores a trabalharem juntos farão muitas coisas no futuro que nenhum humano consegue agora fazer sozinho.

Para pensar como isto irá acontecer, é relevante contemplar um facto óbvio, mas nem sempre considerado. Quase todos os feitos humanos – do desenvolvimento da linguagem escrita à criação de sandes de peru – exigem o trabalho de grupos de pessoas e não de indivíduos sozinhos. Até as descobertas de génios como Albert Einstein não apareceram do nada; foram desenvolvidas a partir de muito trabalho feito anteriormente por outros.

Os grupos humanos que conseguem todas estas coisas podem ser descritos como “supermentes”. Defino uma supermente como um grupo de indivíduos que agem, em conjunto, de maneiras que parecem inteligentes.

As supermentes assumem muitas formas. Incluem hierarquias na maioria dos negócios e das suas organizações; mercados que ajudam a criar e trocar muitos tipos de bens e serviços; comunidades que usam normas e reputações para guiarem comportamentos em muitos grupos profissionais, sociais e geográficos; e democracias que são comuns nos governos e noutras organizações.

Todas as supermentes têm uma espécie de inteligência colectiva, a capacidade de fazer coisas que os indivíduos de um grupo não conseguiriam fazer sozinhos. O que é novo é que as máquinas conseguem cada vez mais participar nas actividades intelectuais, além das físicas, desses grupos. Isso significa que seremos capazes de combinar pessoas e máquinas para criarmos supermentes que são mais inteligentes do que quaisquer grupos ou indivíduos que o nosso planeta alguma vez conheceu.

Para tal, precisamos de compreender como pessoas e computadores podem trabalhar em conjunto mais eficazmente em tarefas que exigem inteligência. E para tal, precisamos de definir inteligência.

 

O que é inteligência?
O conceito de inteligência é notoriamente inconsistente, e pessoas diferentes definem-na de formas diferentes. Para os nossos objectivos, digamos que a inteligência envolve a capacidade de atingir objectivos. E como nem sempre sabemos que objectivos um indivíduo ou um grupo está a tentar atingir, digamos que o facto de uma entidade “parecer” inteligente depende dos objectivos que um observador lhe atribuir.

Com base nestes pressupostos, podemos definir dois tipos de inteligência. A primeira é a inteligência especializada, a capacidade de atingir eficazmente objectivos específicos num determinado ambiente. Isto significa que uma entidade inteligente fará o mais provável para atingir os seus objectivos, com base no que conhece. Simplificando ainda mais, a inteligência especializada é “eficácia” a atingir objectivos específicos. Nesse sentido, então, a inteligência colectiva especializada é “eficácia de grupo”, e uma supermente é um grupo eficaz.

O segundo tipo de inteligência é mais útil em termos gerais e muito mais interessante. É a inteligência geral, ou seja, a capacidade de atingir eficazmente uma vasta gama de objectivos diferentes em ambientes diferentes. Isto significa que um actor inteligente precisa de ser bom num tipo específico de tarefa e ser bom a aprender a fazer uma vasta gama de tarefas. Em suma, esta definição de inteligência significa mais ou menos o mesmo que “versatilidade” ou “adaptabilidade”. Neste sentido, então, a inteligência colectiva geral significa “versatilidade de grupo” e uma supermente é um grupo versátil ou adaptável.

 

Que tipo de inteligência têm os computadores?
A distinção entre inteligência especializada e inteligência geral ajuda a clarificar a diferença entre as capacidades dos computadores e as capacidades humanas. Alguns computadores artificialmente inteligentes são muito mais inteligentes do que as pessoas em termos de certos tipos de inteligência especializada. Mas uma das coisas mais importantes que a maioria das pessoas não compreende sobre a Inteligência Artificial (IA) de hoje é que é toda muito especializada.

O motor de busca da Google é excelente a ir buscar notícias sobre jogos de futebol, por exemplo, mas não consegue escrever um artigo sobre um jogo da liga do vosso filho. O Watson da IBM ganha aos humanos no Jeopardy, mas o programa que joga Jeopardy não consegue jogar um jogo do galo, muito menos xadrez. Os carros da Tesla conseguem (mais ou menos) andar sozinhos, mas não conseguem ir buscar uma caixa a um armazém.

Claro que existem vários sistemas de computador que conseguem fazer essas coisas. Mas a questão é que são todos programas diferentes e especializados, e não uma IA única e geral que consegue saber o que fazer em cada situação específica. Os humanos, com a sua inteligência geral, devem escrever programas que contenham regras para resolver problemas específicos diferentes, e devem decidir quais os programas a usar em determinada situação.

De facto, nenhum dos computadores actuais está perto sequer de ter o nível de inteligência geral de um humano de cinco anos de idade. Nenhum computador consegue actualmente conversar razoavelmente sobre vários tópicos como uma criança de cinco anos, já para não falar do facto de a criança ser capaz de caminhar, pegar em objectos de formato invulgar e reconhecer quando as pessoas estão felizes, tristes ou zangadas.

Quando é que isto irá mudar – se é que alguma vez irá mudar? Os avanços na área da inteligência artificial têm sido notoriamente difíceis de prever desde os seus primeiros dias, nos anos 50. Quando os investigadores Stuart Armstrong e Kaj Sotala analisaram 95 previsões feitas entre 1050 e 2012 sobre quando a IA geral seria atingida, encontraram uma forte tendência para peritos e leigos preverem que seria atingido entre 15 a 25 anos no futuro – independentemente de quando as previsões foram feitas. Por outras palavras, a IA geral tem estado a 20 anos de distância nos últimos 60 anos.

Os inquéritos e entrevistas mais recentes tendem a ser consistentes com este padrão a longo prazo: as pessoas continuam a prever que a IA geral chegará daqui a 15 a 25 anos. Por isso, embora não saibamos com certeza, há mais do que razões para estar céptico em relação a previsões confiantes de que a IA geral irá aparecer nas próximas décadas. Na minha opinião, excepto se houver grandes desastres sociais, é muito provável que a IA geral surja um dia, mas provavelmente ainda faltarão umas décadas para tal.

Todas as utilizações dos computadores precisarão de envolver humanos até lá. Em muitos casos, actualmente, as pessoas fazem partes de uma tarefa que as máquinas não conseguem fazer. Mas mesmo quando um computador fizer uma tarefa completa sozinho, haverá sempre pessoas envolvidas no desenvolvimento do software e da sua modificação ao longo do tempo. Também decidem quando usar diferentes programas em diferentes situações e o que fazer quando as coisas correm mal.

 

Como podem pessoas e computadores trabalhar em conjunto?
Uma das possibilidades mais intrigantes para a maneira como pessoas e computadores podem trabalhar em conjunto nasce de uma analogia sobre a forma como o cérebro humano está estruturado. Existem muitas partes diferentes do cérebro que se especializam em tipos diferentes de processamento, e essas partes de certa forma trabalham em conjunto para produzirem o comportamento geral a que chamamos de inteligência. Por exemplo, uma parte do cérebro está altamente envolvida na produção da linguagem, outra na compreensão da linguagem e outra no processamento de informação visual. Marvin Minsky, um dos pais da IA, chama a esta arquitectura uma “sociedade da mente”.

Minsky estava mais interessado na maneira como os cérebros humanos funcionam e como podem ser desenvolvidos os programas de inteligência artificial, mas a sua analogia sugere também uma ideia surpreendentemente importante para a forma como poderiam trabalhar as supermentes que consistem de pessoas e computadores: muito antes de termos uma IA geral, podemos criar sistemas colectivamente inteligentes ao desenvolvermos sociedades de mentes que incluem humanos e máquinas, cada um deles fazendo uma parte da tarefa geral.

Por outras palavras, em vez de termos computadores a tentarem resolver um problema completo sozinhos, podemos criar sistemas ciberhumanos onde várias pessoas e máquinas trabalham em conjunto no mesmo problema. Em alguns casos, as pessoas podem nem saber – ou estar interessadas – se estão a interagir com outro humano ou com uma máquina. As pessoas podem fornecer a inteligência geral ou outras competências que as máquinas não têm. As máquinas podem fornecer os conhecimentos e outras capacidades que as pessoas não têm. E, juntos, estes sistemas podem agir com mais inteligência do que qualquer pessoa, grupo ou computador até hoje.

Em que é que isto é diferente da forma actual de pensar na IA? Muitas pessoas assumem actualmente que os computadores acabarão por fazer a maior parte das coisas sozinhas e que deveríamos colocar humanos nas situações em que estes são necessários. Mas provavelmente será mais útil compreender que a maioria das coisas é agora feita por grupos de pessoas, e que devemos colocar os computadores nesses grupos em situações onde isso é benéfico. Por outras palavras, devemos afastar-nos da ideia de colocar humanos para colocarmos computadores no grupo.

 

Quais os papéis dos computadores em relação aos humanos?
Se queremos usar os computadores como parte de grupos humanos num negócio ou organização, quais os papéis que os computadores devem ter nesses grupos? Pensando nos papéis que pessoas e máquinas desempenham actualmente, existem quatro possibilidades óbvias. As pessoas têm mais controlo quando as máquinas funcionam apenas como ferramentas; e as máquinas têm mais controlo à medida que os seus papéis se expandem para assistentes, pares e, por fim, gestores.

Ferramentas: Uma ferramenta física, como um martelo ou um corta-relva, oferece alguma capacidade que um humano, sozinho, não possui – mas o utilizador humano controla-a directamente, guiando as suas acções e controlando o seu progresso. As ferramentas de informação são semelhantes. Quando usamos uma folha de cálculo, o programa faz o que lhe mandamos fazer, o que muitas vezes aumenta a inteligência especializada para uma tarefa como análise financeira.

Contudo, muitas das utilizações mais importantes das ferramentas automatizadas no futuro não servirão para aumentar a inteligência especializada dos utilizadores individuais, mas sim para aumentar a inteligência colectiva de um grupo ao ajudar as pessoas a comunicarem mais eficazmente umas com as outras. Ainda hoje, os computadores são usados como ferramentas para melhorar a comunicação humana. Com email, aplicações móveis, a web em geral e sites como Facebook, Google, Wikipedia, Netflix, YouTube e Twitter, criámos os grupos mais interligados que o mundo alguma vez viu. Em todos estes casos, os computadores não estão a fazer um grande processamento “inteligente”; estão basicamente a transferir informações criadas por humanos para outros humanos.

Embora sobrestimemos frequentemente o potencial da IA, creio que subestimamos frequentemente o possível poder deste tipo de hiperligação entre os cerca de sete mil milhões de processadores de informação incrivelmente fantásticos chamados cérebros humanos que já existem no nosso planeta.

Assistentes: Um assistente humano pode trabalhar sem supervisão directa e muitas vezes toma a iniciativa de tentar atingir os objectivos gerais definidos por outrem. Os assistentes automatizados são semelhantes, mas a fronteira entre ferramentas e assistentes nem sempre está bem definida. As plataformas de mensagens de texto, por exemplo, são na sua maioria ferramentas, mas por vezes tomam a iniciativa e corrigem automaticamente a ortografia.

Outro exemplo de um assistente automatizado é o software usado pela retalhista online de vestuário Stitch Fix Inc., com sede em São Francisco, Califórnia, para ajudar estilistas humanos a recomendarem itens a clientes. Os clientes da Stitch Fix preenchem questionários pormenorizados sobre o seu estilo, tamanho e preferências de preço, factores analisados por algoritmos da aprendizagem das máquinas que seleccionam peças de vestuário promissoras.

O assistente algorítmico desta parceria consegue ter em conta mais informações do que os estilistas humanos. Por exemplo, as calças de ganga são notoriamente difíceis de ficar à medida, mas os algoritmos conseguem seleccionar para cada cliente vários pares que outros clientes com medidas semelhantes decidiram comprar.

E são os estilistas quem faz a selecção final das cinco peças a mandar ao cliente em cada carregamento. Os estilistas humanos conseguem ter em conta informações com que o assistente da Stitch Fix ainda não aprender a lidarcomo, por exemplo, se o cliente quer o vestuário para uma festa ou para uma reunião profissional. E, claro, podem criar uma ligação mais pessoal com o cliente do que o assistente. Juntos, pessoas e computadores oferecem um serviço mais adequado do que ofereceriam em separado.

Pares: Algumas das utilizações mais fascinantes dos computadores envolve papéis nos quais trabalham mais como pares humanos do que como assistentes ou ferramentas, mesmo em casos onde não há muita inteligência artificial a ser usada. Por exemplo, os corretores podem fazer transacções com um sistema automatizado sem saberem.

E se o vosso trabalho envolve lidar com processos da Lemonade Insurance Agency LLC, de Nova Iorque, já têm um par automatizado chamado Al Jim. O Al Jim é um chatbot, e os clientes da Lemonade apresentam pedidos ao trocarem mensagens de texto com ele. Se o pedido cumprir determinados parâmetros, o Al Jim paga automaticamente e quase instantaneamente. Se não, o Al Jim passa o pedido a um dos pares humanos, que completa a tarefa.

Gestores: Os gestores humanos delegam tarefas, dão direcções, avaliam o trabalho e coordenam os esforços dos outros. As máquinas também conseguem fazer tudo isto e quando fazem desempenham o papel de gestores automatizados. Mesmo que algumas pessoas considerem ameaçadora a ideia de ter uma máquina como gestora, já vivemos com gestores mecânicos no nosso dia-a-dia: um semáforo direcciona os condutores; uma central de chamadas entrega trabalho aos colaboradores do call center. A maioria das pessoas não considera estas situações ameaçadoras ou problemáticas.

É provável que existam muitos mais exemplos de máquinas a fazerem de gestores no futuro. Por exemplo, o sistema CrowdForge agrega tarefas complexas como a redacção de documentos. Numa experiência, o sistema utilizou colaboradores online (recrutados através do mercado online Amazon Mechanical Turk) para escrever artigos para uma enciclopédia. Para cada artigo, o sistema pediu primeiro a um colaborador online que criasse um esboço. Depois pediu a outros colaboradores que escrevessem parágrafos coerentes usando esses factos. Por fim, reuniu os parágrafos num artigo completo. Curiosamente, leitores independentes consideraram os artigos escritos desta forma melhores do que os artigos escritos por uma única pessoa.

 

Como podem os computadores ajudar as supermentes a serem mais inteligentes?
Se querem criar uma supermente (como uma empresa ou uma equipa) que consiga agir de forma inteligente, precisam de ter alguns ou todos os cinco processos cognitivos das entidades inteligentes – quer sejam individuais ou grupos. A vossa supermente terá de criar possibilidades para acções, decidir quais as acções a levar a cabo, analisar o mundo externo, lembrar o passado e aprender com a experiência.

Os computadores podem ajudar a fazer todas estas coisas de formas novas que frequentemente – mas, claro, nem sempre – tornam as supermentes mais inteligentes. Para saberem como, vejam como uma empresa grande como a Procter & Gamble poderia desenvolver um novo plano estratégico. As possibilidades que discutiremos são precisamente isso: possibilidades. Não tenho qualquer razão para acreditar que a P&G está a fazer isto neste momento. Mas acredito que a P&G, e muitas outras empresas irão provavelmente fazer coisas destas no futuro.

Actualmente, o planeamento estratégico empresarial nas grandes empresas envolve um grupo relativamente pequeno de pessoas, na sua maioria executivos seniores, colaboradores e talvez alguns consultores seniores. Mas e se pudéssemos usar a tecnologia para envolver muito mais pessoas e deixar as máquinas pensar um pouco?

Criar: Como vimos anteriormente, um dos papéis mais importantes para um computador é como ferramenta de comunicação, que permite que grandes grupos de pessoas pensem em conjunto de forma produtiva. Uma abordagem promissora para tal dentro do processo de planeamento estratégico é usar uma família de concursos online relacionados, chamada rede de concursos. Poderia haver concursos online separados para estratégias de diferentes níveis da organização. Por exemplo, se a P&G usasse esta abordagem teria concursos diferentes para cada marca, como o champô Pantene, Head & Shoulders e o detergente Tide. Poderia ter também concursos individuais para a melhor maneira de combinar as estratégias das marcas em cada unidade de negócio, como cabelo e roupa. E poderia ainda ter outro concurso para a combinação das estratégias das unidades de negócio numa estratégia geral da empresa.

Cada concurso seria aberto a muitos colaboradores da empresa, talvez todos. Quaisquer pessoas poderiam propor uma opção estratégica, e outros poderiam comentar ou ajudar a desenvolver a ideia. Eventualmente surgiria uma estratégia vencedora escolhida em cada desafio, mas durante o processo de planeamento seria importante ter em conta um número de opções diferentes.

Abrir este processo a muitas pessoas poderia fazer nascer opções novas e surpreendentes. Por exemplo, um grupo de colaboradores jovens e tecnológicos, que nunca seriam incluídos num processo tradicional de planeamento estratégico, poderia propor um novo conceito de cosméticos que envolvem maquilhagem para a pele e olhos criada especialmente para clientes individuais que colocam selfies no website.

Decidir: Um benefício de envolver mais pessoas na criação de possibilidades estratégicas é que se obtêm muitas mais possibilidades. Mas decidir quais as possibilidades mais promissores exige avaliá-las todas, e as novas tecnologias facilitam o envolvimento de mais pessoas e mais tipos de competências na avaliação. Por exemplo, a P&G podia querer que os seus engenheiros de produção avaliassem se é tecnicamente possível criar um produto, que os seus gestores de operações calculassem os custos de produção e talvez que os investigadores de mercado externos previssem a procura de um produto a diferentes preços.

Em certos casos, pode valer a pena combinar as opiniões de muitas pessoas sobre algumas destas questões. Por exemplo, a P&G podia usar mercados de previsão online para avaliar a procura dos produtos. Esses mercados já foram usados para prever com sucesso receitas de bilheteira, assim como, vencedores de eleições presidenciais e muitas outras coisas. Um pouco como os mercados de perspectivas, os mercados de previsões deixam as pessoas comprarem e venderem “acções” de previsões sobre eventos futuros. Por exemplo, se acreditam que as vendas globais do champô Pantene estarão entre os 1,6 e os 1,7 mil milhões de euros por ano, podem comprar uma acção desta previsão. Se a previsão estiver correcta podem receber, por exemplo, um euro por acção dessa previsão. Mas se as previsões estiverem erradas, não recebem nada. Isso significa que o preço obtido no mercado de previsões é essencialmente um cálculo da probabilidade de que as vendas estarão nesta margem.

Sentido: Uma das principais necessidades de desenvolver bons planos estratégicos é a capacidade de sentir eficazmente o que se passa no mundo externo: o que querem os clientes agora? O que está a fazer a concorrência? Quais as novas tecnologias que podem mudar o sector? De longe, os meios mais visíveis para melhorar os sentidos hoje são o big data e a análise de dados.

Por exemplo, a P&G podia analisar os comentários positivos e negativos sobre os seus produtos nas redes sociais para avaliar como os sentimentos dos clientes em relação ao produto estão a mudar. Podia conseguir obter avisos iniciais sobre mudanças nas vendas ao instalarem vídeos e pavimentos sensíveis ao toque nas lojas para analisarem quanto tempo os clientes gastam à procura de produtos da P&G em comparação com os produtos da concorrência.

A P&G até pode ser capaz de fazer algo que a Amazon Inc. já fez: usar vastas quantidades de dados para desenvolver modelos pormenorizados de muitas partes do seu negócio, como as respostas dos clientes a preços, publicidade e recomendações, e perceber como os custos da cadeia de abastecimento variam com políticas de inventário, métodos de entrega e localizações de armazéns. Com ferramentas destas, os computadores podem assumir muito do trabalho quantitativo do planeamento estratégico ao analisarem os números, e as pessoas podem usar a sua inteligência geral para fazerem mais análises qualitativas.

Lembrar: Outra forma de a tecnologia ajudar as supermentes a criarem planos estratégicos mais adequados é ajudando-as a lembrar boas ideias que outros tiveram em situações semelhantes. Por exemplo, os assistentes de software incutidos em aplicações para criarem propostas estratégicas podiam sugerir automaticamente estratégias gerais, como as seguintes:

. Integrar para a frente ao assumir algumas tarefas feitas pelos clientes, ou integrar para trás ao assumir algumas das tarefas dos fornecedores;

. Subcontratar freelancers ou consultores especializados para algum do trabalho interno;

. Passar para segmentos de mercado relacionados, regiões geográficas circundantes ou outros mercados frequentados pelos clientes.

Ao lembrarem-se de boas estratégias noutros contextos, os assistentes de software podem ajudar a criar novas estratégias para o vosso contexto. Por exemplo, se a estratégia de usar selfies para personalizar cosméticos for bem-sucedida, um assistente de software pode sugerir estratégias semelhantes e deixar os clientes usarem smartphones para personalizarem outros produtos da P&G: champôs, pastas dos dentes, detergentes da roupa, batatas fritas, etc. Claro que muitas destas combinações seriam insensatas ou pouco práticas e por isso seriam rapidamente descartadas, mas algumas poderiam ser surpre-endentemente úteis. E até mesmo as opções insensatas dão por vezes origem a boas ideias.

Por exemplo, no início da década de 2000, a P&G desenvolveu um processo para imprimir imagens e palavras nas batatas fritas Pringles. Uma abordagem destas poderia levar a outra ideia promissora: usar a tecnologia para que os clientes comprassem Pringles com imagens especificadas por eles.

Aprender: Se um sistema é usado ao longo do tempo, pode ajudar uma supermente a aprender com a sua própria experiência para se tornar mais e mais eficaz. Por exemplo, poderia ajudar a reconhecer ideias estratégicas que a maioria das pessoas não reconheceria nas fases iniciais. Nos anos 70, quando Steve Jobs e Bill Gates brincavam com aquilo a que agora chamamos de computadores pessoais, a maior parte das pessoas não fazia ideia de que estes aparelhos estranhos acabariam por ser dos produtos mais inovadores e influentes nas décadas seguintes.

Não é fácil filtrar rapidamente ideias sem perder estes diamantes em bruto. Mas talvez seja possível identificar as pessoas invulgares que têm esta capacidade ao analisarmos sistematicamente ao longo do tempo a precisão, e o sentido de oportunidade, com que as pessoas prevêem avanços tecnológicos e outros tipos de inovação. Depois podemos pedir a estas pessoas que analisem de novo algumas das ideias “loucas” que poderíamos rejeitar. Outra possibilidade intrigante é usar “escalas de aprendizagem” que começam com especialistas humanos a avaliar manualmente estratégias e depois a automatizar gradualmente o trabalho à medida que as máquinas ficam melhor a prever o que os especialistas humanos fariam.

Numa empresa como a P&G, que normalmente tenta competir pela qualidade e não pelo preço, os especialistas que avaliam as estratégias de produto normalmente rejeitam as que dão ênfase à concorrência pelo preço baixo. Porém, em vez dos programadores escreverem programas que retiram explicitamente estratégias de preços baixos, um programa de aprendizagem das máquinas pode reconhecer que os especialistas muitas vezes rejeitam este tipo de estratégia e começam a sugerir esta acção. Se os especialistas concordarem com a sugestão vezes suficientes, então o programa pode parar de perguntar e começar a fazer a filtragem automaticamente.

 

Uma máquina de estratégias ciberhumana
Podiam chamar ao tipo de processamento de planeamento estratégico que acabei de descrever uma máquina de estratégias ciberhumana. Tendo em conta a complexidade de um sistema desses e a generalidade do trabalho, parece pouco provável que as empresas desenvolvam sistemas protegidos com este objectivo. Em vez disso, as empresas de consultoria, ou as suas futuras concorrentes, podem oferecer muitas destas funcionalidades como serviço. Uma empresa de máquinas de estratégias pode, por exemplo, ter disponível um conjunto de pessoas com vários níveis de competência que rapidamente criam e avaliam várias possibilidades estratégicas, juntamente com software para automatizar algumas partes do processo e ajudar a gerir as restantes.

A longo prazo, essa máquina de estratégias pode usar uma supermente de pessoas e computadores para criar e avaliar milhões de estratégias possíveis para uma única empresa. Os computadores fariam mais trabalho ao longo do tempo, mas as pessoas continuariam a estar envolvidas em partes do processo. O resultado seria uma mão cheia de opções estratégicas mais promissoras de entre as quais os gestores humanos da empresa poderiam escolher.

Os exemplos que discutimos concentram-se nas decisões estratégicas, mas o que realmente vemos é uma estrutura para supermentes com objectivos gerais e problemas por resolver: os computadores usam a sua inteligência especializada para resolver partes do problema, as pessoas usam a inteligência geral para fazerem o resto, e os computadores ajudam a envolver e a coordenar grupos muito maiores de pessoas do que alguma vez foi possível.

À medida que as novas tecnologias tornam tudo isto mais fácil, veremos provavelmente muitos mais exemplos de supermentes humano-computador a serem utilizadas para resolver todo o tipo de problemas empresariais e sociais – não apenas nos planos estratégicos, mas também na concepção de novas casas, smartphones, fábricas, cidades, sistemas educacionais, abordagens antiterrorismo e planos de tratamentos médicos. As possibilidades são praticamente ilimitadas.

Este artigo foi publicado na edição de Julho/ Agosto 2019 da Human Resources

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