Costuma ter vontade de dizer palavrões no trabalho? Especialistas defendem que há situações em que o calão é aceitável
Os “palavrões” são parte integrante de todas as línguas. Contudo, há que saber quando e onde usá-los, principalmente em contexto profissional. Mas como traçar a linha entre o que é humoristicamente aceitável e o que, definitivamente, ultrapassa os limites do razoável? O The Independent conversou com especialistas.
Que atire a primeira pedra quem nunca se deparou no trabalho numa situação frustrante, injusta ou desesperante, em que ferveu por dentro e proferiu mentalmente uma série de impropérios. No pior dos cenários, se deixou escapar um rol de palavrões bem desagradáveis já seria razão suficiente para que ser chamado pelo departamento de Recursos Humanos.
Aparentemente, agora situações semelhantes podem apenas provocar alguns olhares de espanto e uma troca de mensagens entre os colegas perplexos. Isto porque os tempos mudaram e usar calão no escritório pode já não ser assim tão grave.
No ano passado, 30% dos participantes de um inquérito no LinkedIn admitiram dizer palavrões “constantemente” no trabalho. Outro estudo descobriu que o profissional médio do Reino Unido ouve 11 palavrões por dia. Em Portugal, por exemplo, há determinadas zonas em que esse tipo de linguagem não é considerado ofensivo.
No entanto, o calão é um tema subjectivo. Uma pessoa pode usar uma determinada palavra em sinal de afecto, mas outra pessoa pode ver este comportamento como algo que vai além dos limites. Assim, qual a fronteira que define o aceitável e a falta de educação na interacção com colegas?
Ao lidar com estas questões, o contexto é importante. «Penso que o calão, ou mesmo as ideias sobre boas maneiras e decoro, são artefactos culturais que reflectem as normas das pessoas, os seus valores e as suas atitudes num determinado momento e lugar», afirma Alex Gapud, antropólogo cultural da consultora de employee engagement Scarlettabbott.
Alguns sectores parecem ter cultivado uma abordagem “quanto mais palavrões, melhor” ao longo dos anos, como trabalhar na cozinha de um restaurante – veja-se o exemplo de Gordon Ramsay – , numa oficina automóvel ou num escritório. «Quanto mais tolerar, mais [palavrões] vai receber. É muito fácil as coisas descontrolarem-se», diz Gillian McAteer, directora de direito laboral da sociedade de advogados Citation.
O facto curioso é que todas as profissões têm um lado representativo – é como se os envolvidos sentissem que têm de viver de acordo com uma determinada imagem para poderem verdadeiramente viver o papel.
«Tendemos a desempenhar papéis como acreditamos que devem ser desempenhados», acrescenta Gapud. «Pode ter um líder que sente que precisa de praguejar porque tem uma ideia ou norma do que é o comportamento ‘alfa’.» Querer integrar-se pode ser «uma força muito poderosa» no trabalho, «especialmente porque ser alguém de dentro ou ser visto como o tipo certo de pessoa é geralmente recompensado. Tem tendência a ser promovido se se comportar da forma “certa” – e, por vezes, a forma “certa” envolve fazer algo que de outra forma seria considerado “errado», explica.
O que consideramos ofensivo ou profano varia com o tempo, sublinha Gapud. Dizer palavrões nas conversas do dia-a-dia é certamente muito menos tabu do que já foi. Num relatório de 2021 do British Board of Film Classification (BBFC), que actualiza as directrizes sobre palavrões no cinema e na TV consultando o público, seis em cada 10 pessoas disseram que o calão faz parte da sua vida quotidiana. Além disso, um terço dos participantes admite dizer mais palavrões do que há cinco anos. É inevitável, portanto, que estas atitudes mais flexíveis em relação à língua se tenham infiltrado nos escritórios, ajudadas por uma mudança para uma cultura de trabalho mais informal.
O inquérito do BBFC também destacou uma divisão geracional significativa: 46% da Geração Z admitiu dizer palavrões diariamente, em comparação com apenas 12% das pessoas entre os 55 e os 64 anos. À medida que a força de trabalho se torna mais jovem, é provável que os hábitos do escritório se tornem mais parecidos com os seus próprios hábitos. Também a indefinição das fronteiras entre a vida profissional e pessoal, consequência da pandemia, poderá ter tido um efeito indirecto: houve uma «infiltração» entre a forma como nos comportamos em casa e no trabalho, sublinha Gapud, porque tanto podemos estar a trabalhar remotamente como a «trabalhar fora de horas».
Tara Reich, docente de comportamento organizacional e Gestão de Recursos Humanos na King’s Business School, concorda. «As normas do local de trabalho estão provavelmente mais em constante mudança do que antes [da pandemia]».
O calão também é usado para brincar, dar ênfase a uma história ou criar laços com outras pessoas. «Do lado positivo, “chamar nomes” a colegas de confiança pode construir ligações, mostrar autenticidade e criar um ambiente confortável onde as pessoas se sintam livres para se expressarem», diz Alex Alvarez, lead People Scientist da plataforma de employee experience Culture Amp.
Contudo, «os palavrões excessivos ou agressivos podem ser prejudiciais e, em situações de tensão, podem agravá-lo ou criar um ambiente hostil», salienta Alvarez. Aquilo que um trabalhador considera um “insulto casual” pode ser visto como totalmente inaceitável pelo colega do lado. Dizer a essa pessoa que está a exagerar ou a não compreender a questão pode potencialmente levá-la a sentir-se isolada. «Construir uma cultura inclusiva significa reconhecer que pessoas diferentes têm reacções diferentes à linguagem, e uma resposta “Não foi por mal” não vai ajudar se alguém se sentir desrespeitado», acrescenta Alvarez.
Se as palavras de alguém estão a deixar as pessoas que o rodeiam desconfortáveis ou incapazes de falar, isso é um problema evidente. «Se o comportamento pouco correcto de alguém faz com que outra pessoa não se sinta respeitada ou que o ambiente é hostil, então temos um problema, especialmente se houver características protegidas envolvidas [como etnia, género, idade ou deficiência]», diz Reich, acrescentando que «algumas pesquisas sugerem que as mulheres e as minorias étnicas são mais propensas a relatar este tipo de experiências».
Então, qual é a melhor forma de navegar neste cenário complicado? Alvarez tem uma boa regra: «Em última análise, dizer palavrões no local de trabalho deve ser usado com cautela, limitado a grupos pequenos e de confiança, onde não afastará ou ofenderá outras pessoas». Em caso de dúvida, guarde os palavrões para quando estiver com os seus amigos ou fora do escritório.