Tim Vieira: «Já não chega pensar “fora da caixa”. Temos de deitar fora a caixa. E os RH vão estar na linha da frente»

O empreendedor Tim Vieira foi quem deu início à XXVI Conferência Human Resources, que se realizou ontem, no Museu do Oriente, em Lisboa. Chamou à sua intervenção “DNA Human” e acabou como começou, com um repto aos gestores de Pessoas: “Vocês estão na linha da frente. Vai ser duro, mas têm de estar motivados, vão ter um papel fundamental.»

Por Ana Leonor Martins | Foto NC Produções

 

«Os RH estão na linha da frente do que está a acontecer no mundo do trabalho, e vai ser preciso coragem, pois está tudo a mudar muito rapidamente e o desafio é grande.» Foi assim que Tim Vieira deu início à sua intervenção, ressalvando que «os humanos não são perfeitos – a inteligência artificial (IA) é que é», por isso também «não podemos esperar contratar pessoas perfeitas. Mas sem dúvida que a diferença vão ser os humanos», afirmou.

O tema da tecnologia e dos seus potenciais riscos e oportunidades já não é novo. Prova disso mesmo são as palavras que o economista britânico Jonh Maynard Keynes escreveu em 1930, prevendo que os seus netos iam trabalhar apenas 15 horas por semana. «Não sabia que vinha aí a IA, mas já falava na tecnologia começar a substituir os humanos em tarefas repetitivas. Estava errado, porque ainda estamos a trabalhar 36,4 horas por semana, mas já antevia que caminhávamos para aí», salientou o fundador da Brave Generation Academy (BGA).

Não esconde que «o medo existe», lembrando que a Goldman Sachs estimou que 300 milhões de pessoas vão perder os empregos e que um terço das pessoas nos Estados Unidos correm esse risco. Mas está convicto de que os RH não serão um deles. Aliás, «vão ser mais precisos do que nunca, porque cada vez mais vai ser preciso skilling, reskilling, avaliação, promoção de bem-estar… Algo de que há uns anos não se falava.»

Mas Tim Vieira não esconde que não vão ter a vida facilitada, «vão ter de sair da zona de conforto, mas é quando as coisas boas começam a acontecer. Estamos a ficar mais humanos», continua. Saímos da revolução industrial, e as pessoas à procura de emprego já não procuram só um salário, «querem propósito, algo que lhes desperte paixão; querem mudar o mundo.»

Para mostrar que como é «cada vez mais difícil para as empresas, porque se não proporcionarem isto, os profissionais vão sair», partilha mais alguns dados: «em média, cada jovem vai ter 17 empregos diferentes, 50% dos quais ainda nem existem, o que também dificulta ter escolas que treinem as competências necessárias para esses empregos».

Neste contexto, o empreendedor defende que deixa até de fazer sentido perguntar às crianças o que querem ser quando forem grandes, porque «as profissões estão a mudar. Está tudo a mudar, e as perguntam também têm de ser outras. «Devemos começar a perguntar como é que vais ser, como pessoa. O que vamos ter de lhes pedir são competências humanas», afirmou. «Vão ser precisas mais competências. É bom ter o papel, a licenciatura, mas vai ser preciso muito mais do que isso. Sem competências humanas valerá pouco, porque as empresas vão precisar delas.»

 

Recrutamento constante

Tim Vieira acredita que a solução para dar resposta a estas mudanças tem de estar em todos os stakeholders. «Vamos precisar das escolas, das empresas, dos pais, do Governo… Todos têm de perceber que o mundo mudou. E não é fácil», reconheceu, avançando o exemplo das escolas: «Ainda estamos a fazer tudo como se fôssemos empregar pessoas para a era da Revolução Industrial: ouvimos a professora, não se questiona, não há colaboração… O mundo mudou e as escolas também têm de mudar. E estão a aparecer novos modelos – como o Montessori – já não é só sobre resultados, é sobre como pensas», salientou.

Partilhou mais dados, de um estudo feito a crianças de cinco anos. Nessa idade, 98% foram consideradas génios. Quando chegaram aos 10 anos, a percentagem reduziu para 60%, aos 12 já era só 30% e aos 21 desistiram», brincou. «Vamos tirando as coisas de que vamos precisar para o futuro, como a curiosidade, o espírito colaboração – as crianças percebem o que é peer to peer –, começamos a limitar a imaginação. E a tirar “o génio” das crianças.»

O vosso trabalho – disse à plateia –, vai ser trazer a genialidade de volta. «Deixar as pessoas terem imaginação, serem criativos, trabalhar em equipa, partilhar informação… Todas as coisas que fazíamos naturalmente em criança e nos foram tirando. Aqueles que ficam só com a capacidade de memorizar para os exames são considerados os melhores. E são esses que chegam às empresas.»

A ideia-chave que reiterou é que precisamos mudar os hábitos. Deu outro exemplo: há 100 anos, as crianças tinham três meses de férias porque os pais precisavam que fossem trabalhar nas quintas. «Isso já não existe, mas o modelo mantém-se. Temos de perceber que não é preciso continuar a fazer as coisas como fazíamos há 100/ 200 anos. Funcionaram, tiveram o seu propósito, tivemos o maior crescimento de sempre, mas o futuro é mesmo muito diferente.»

«Já não é pensar fora da caixa. Não vamos poder ter uma caixa, temos de deitar fora a caixa», afirmou Tim Vieira. «Temos de encontrar pessoas e vê-las pelo que conseguem dar à empresa. E deixá-las fazer o seu próprio trajecto pela empresa. Antes eram os RH a definir os planos de carreira, a “escada corporativa”: fazes isto agora, daqui a cinco ano aquilo, és promovido e, se tudo correr bem, aos 30 anos damos-te um  relógio. Fazer planos a cinco anos para os jovens que entram nas empresas não faz sentido, porque não vão ficar tanto tempo», preveniu, mas ressalvando que o problema não é o que a empresa consegue dar que está a fazê-la perder pessoas.

«A verdade é que os jovens vão estar menos tempo nas empresas.» Mas isso «não tem de ser visto de maneira negativa, há que tirar o máximo partido desse tempo, nem que seja só um ano; aproveitar a “vitamina” que trazem e que vai ajudar a empresa. Vai ser vitamina atrás de vitamina. Os RH vão ter de estar constantemente a recrutar. Os jovens não vão ficar. E não é por estarem descontentes, mas acreditam que vão mudar o mundo. Hoje já não saem só se tiveram um plano, não precisam.»

Perante esta evidência, o conselho do empreendedor é «que digam boa sorte». Porque esses jovens vão recomendar a empresa e, assim, ajudar a recrutar outros. «Não é só como entram que é importante, é também como saem. E por vezes voltam.» Ele próprio já teve casos destes da BGA. «O Rodrigo quis sair, ir viajar, encontrar-se… na Austrália.» Era um excelente profissional, «top C-level», mas ainda assim Tim incentivou-o e desejou-lhe boa sorte. «E passados seis meses, o Rodrigo disse que tinha saudades e queria voltar. A minha resposta foi: “Claro, boa, volta”. São os boomerang. Vai acontecer. Às vezes, é a pessoa certa, mas o timing errado. Temos de deixá-los ir, ter outras experiências e, idealmente, voltarem.»

 

Contratar boas pessoas, mais do que boas tecnicamente

Para Tim Vieira, o mais importante será «empregar boas pessoas, não só boas nas competências que têm “no papel”, mas pessoas com capacidade de colaboração, que tragam um bom ADN para a empresa. Para as atrair, as empresas têm de ter uma visão verdadeira, porque as pessoas vão perceber se fizerem greenwashing ou happywashing ou outro washing. E vão sair», alertou, destacando ainda que, se antes só se via o que o CEO fazia, hoje todos contam. E é cada vez mais importante que os líderes percebam de competências humanas. Muitas pessoas têm competências, mas as competências humanas é que fazem a diferença. Como trabalham em equipa, como motivam… E todos temos de ser líderes.»

Constatando que há cada vez menos pessoas para trabalhar, o empreendedor acredita que a inteligência artificial vai tirar um bocado essa pressão às empresas, porque vai poder fazer as tarefas repetitivas. Vai mais longe: «Podemos também começar a olhar para a semana de quatro dias de trabalho – o que “enerva” alguns gestores. Querem cinco dias, todos no escritório. Boa sorte! Está aí a semana de quatro dias, e depois vão ser de três dias e meio. E as pessoas não vão querer ir para o escritório, vão querer ir para cafés… O escritório vai ser importante, mas para networking ou para fazer brainstorming. Vão ter de ser redesenhados, repensados. Podem por exemplo usar o espaço para fazer uma creche – e isso pode ajudar as pessoas a vir ao escritório. São precisas novas ideias. E os RH vão estar na linha da frente», repete.

Por outro lado, «vai ser preciso mudar a pirâmide», fez notar. «Quando pensamos em recrutar, pensamos em jovens, porque vão estar na empresa mais tempo, vão ter mais futuro, mas isso já não acontece. Vão estar um ano, ou, alguns, um bocadinho, com sorte. Mas vai ser preciso começar a dar valor a pessoas mais velhas, as empresas e o Governo. Quem nasce agora, vai ter uma esperança média de vida já perto dos 100 anos. Vamos precisar de empregar pessoas com mais de 66 anos. Não é preciso mudar a idade da reforma, mas dar possibilidade, a quem o quiser, de continuar a trabalhar. É bom para a saúde mental. Temos de ter incentivos, como por exemplo não ser preciso pagar Segurança Social, porque essa pessoa não a está a usar. E as empresas também ganham com isso. Essas pessoas normalmente têm muitas competências humanas. E diminui o stress de estar a perder o talento jovem.»

Tim Vieira acredita que vamos ter pessoas para trabalhar. «É preciso dar oportunidade aos mais velhos. Não são todos, mas há muitos que querem continuar a trabalhar. Nem que seja só 1%, já é 1% a ajudar e a partilhar as suas competências, que são muitas.» Já em relação aos mais novos, e apesar de alguns incentivos que estão a ser dados pelo Governo, ao nível dos impostos, reconhece que é muito difícil as empresas em Portugal terem salários competitivos. «E, mesmo com incentivos, não vamos parar esta onda de saída.» Conta que fez mentoria de 10 pessoas na NOVA, e que já só estão três em Portugal. «Uma disse-me “tenho muita ambição para Portugal”. É triste, mas é verdade.»

Em jeito de conclusão, Tim Vieira apresenta um slide sobre o novo empregador, usando os telefones como analogia – um telefone analógico, como o passado dos Recursos Humanos; e um telemóvel, como o presente dos Recursos Humanos. «O telefone antigo é um bom telefone, funciona, mas as potencialidades do telemóvel são infinitamente menores, mais personalizado, mais flexível. É o futuro.»

 

 

E concluiu como começou: «A Gestão de Pessoas é um trabalho duro, vão haver dias maus, os tempos são difíceis, mas têm de estar motivados, porque vão ter um papel fundamental. Sejam honestos, digam que não, despeçam, se for necessário, porque há muitos empregos. E pessoas.»

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