Tomás Almeida, QuiteaMind: «A tecnologia pode ser uma poderosa ferramenta de mudança de comportamentos»
A transformação digital é incontornável e condição de sobrevivência para as empresas. A prova de que já passámos da teoria à prática na área dos Recursos Humanos é a existência da QuiteaMind, revela Tomás Almeida. Conversámos com o CEO da empresa tecnológica que aposta nas potencialidades da gamificação.
Por Tânia Reis
Nascida da Makeadream, uma agência de marketing tecnológico fundada em 2009, para dar resposta às oportunidades que, em 2020, surgiam no mercado nomeadamente na procura de soluções digitais para a área de recursos humanos, a QuiteaMind foca a sua área de negócio na tecnologia aplicada aos recursos humanos. No início deste ano, substituiu a Makeadream como empresa.
O que motivou esta aposta dos recursos na tecnologia aplicada aos recursos humanos? Quais as necessidades que sentiram no mercado, que acreditam poder colmatar?
Dois dos principais desafios das empresas na área de Recursos Humanos, se não os principais, são a mudança de comportamentos dos colaboradores e o alinhamento dos seus incentivos com os da organização. O sucesso das organizações depende principalmente das acções dos seus colaboradores. Nem sempre é fácil alinhar estas acções com os objectivos da empresa, muitas vezes é necessário criarem-se incentivos que mudem comportamentos e promovam uma melhor performance alinhada com os valores e objectivos da empresa.
Com base na nossa experiência passada e com base em importantes inputs dos nossos parceiros da área de Recursos Humanos, constatámos que a tecnologia aplicada a processos de formação, avaliação, feedback, entre outros, poderia ser uma poderosa ferramenta de mudança de comportamentos, alinhamento de incentivos e aumento de engagement. Como tal, desenvolvemos ferramentas inovadoras que visam ajudar as empresas a ultrapassar estes desafios.
Em que é que a vossa proposta de valor é diferenciadora?
Embora sejamos uma empresa tecnológica, acreditamos que para extrair o máximo valor da tecnologia é necessário um equilíbrio entre a parte tecnológica e humana. O nosso objectivo não é substituir a parte humana, mas sim potenciá-la através de ferramentas tecnológicas. Com base na nossa experiência, desenvolvemos produtos inovadores capazes de mudar comportamentos. O que nos distingue no mercado é o desenvolvimento de soluções simples do ponto de vista da user experience (fáceis de parametrizar e utilizar) que tem um grande impacto junto de quem as utiliza, alinhando os seus incentivos com os da organização. Adicionalmente, procuramos dotar as empresas de hr analytics que lhes permitam compreender, mapear e resolver necessidades organizacionais.
Os nossos produtos podem ser utilizados em diversas situações tais como: processos de avaliação, assessment, formação (soft skills, skills de liderança, upskilling, competências técnicas, etc.) e feedback.
Quais têm sido os principais desafios?
O desafio mais comum associado à tecnologia é a sua implementação. Por melhor que o produto tecnológico ou software seja, se a implementação não for bem feita é difícil alcançar os objectivos pretendidos. Isto ocorre, principalmente, em softwares que sejam utilizados por muitas pessoas em simultâneo, como é o caso dos nossos.
De modo a ultrapassar este desafio, temos trabalhado de perto com os nossos parceiros e clientes para garantir que as implementações dos nossos produtos são correctamente efectuadas. Tanto a nível de formação de produto, manuais de utilização, helpdesk, temos feito um trabalho intensivo nesta área, de modo que os nossos clientes consigam extrair o máximo valor possível da nossa tecnologia.
E para as empresas, no geral, quais são os principais desafios, nomeadamente no vosso âmbito de actuação?
Como referi anteriormente, actualmente os principais desafios das empresas na área dos recursos humanos são a mudança de comportamentos e o alinhamento dos incentivos dos colaboradores com os seus valores. Numa era em que há uma maior distância física entre as pessoas, devido às novas formas de trabalho remoto e híbrido, e que há uma grande rotatividade nas equipas, estes desafios assumem uma maior preponderância. É crucial para as organizações conseguirem lidar com estes temas de modo a serem bem-sucedidas. O nosso objectivo é, recorrendo ao digital, ajudar as empresas nesta área dos recursos humanos, cada vez mais chave para o bom desempenho das organizações.
Que oportunidades apresenta a transformação digital para o negócio?
A transformação digital permite às empresas aumentar o valor para o cliente dos seus produtos e serviços. Seja na forma de qualidade superior ou preços mais acessíveis (através de novos processos), é algo essencial para que as empresas sobrevivam no mercado, que é algo que está em constante evolução. Só recorrendo à transformação digital as empresas conseguem crescer e desenvolver-se tanto em termos de produtos e serviços como ao nível da sua gestão.
Que impacto tem a transformação digital na área da Gestão de Pessoas? Como pode ser uma mais-valia?
A transformação digital pode ter um impacto fulcral na gestão de pessoas nomeadamente em duas áreas: simplificação de processos e organização da informação.
Através da simplificação dos processos do dia-a-dia, os gestores passam a uma maior disponibilidade para temas em que o lado humano tem um maior impacto. A organização da informação, que actualmente surge em cada vez mais quantidade, permite aos gestores tomar decisões de forma mais informada e organizada.
Combinando os dois impactos acima, pode dizer-se, de forma resumida e objectiva, que a principal mais-valia da transformação digital na área da Gestão de Pessoas é o aumento da produtividade e da qualidade das decisões de gestão. Num mercado cada vez mais competitivo, nunca esta mais-valia foi tão crucial para o sucesso das organizações.
E também será uma mais-valia para os colaboradores… Em que âmbito mais se faz sentir?
A uma escala diferente, as mais-valias sentidas pelos gestores acabam, naturalmente, por ser sentidas pelos colaboradores. Processos mais simples e intuitivos e informação mais organizada levam a um aumento da produtividade e contribuem para o atingimento de melhores resultados.
Adicionalmente, temos o factor da flexibilidade. A transformação digital permite aos colaboradores adoptar novas formas de trabalho através de sistemas de colaboração digitais (Teams, Slack, etc.). Tais formas de trabalho adaptadas às necessidades de cada um contribuem, naturalmente, para a satisfação e bem-estar dos colaboradores.
Não obstante, pode implicar necessidade de reskilling / upskilling dos colaboradores. O que é fundamental assegurar?
É fundamental assegurar uma boa implementação de novos sistemas tecnológicos. O ser humano, por natureza, opta por situações conhecidas face a situações desconhecidas, mesmo que estas possam proporcionar um maior bem-estar. Se as mais-valias de escolher o desconhecido não forem óbvias e credíveis inicialmente, torna-se difícil que uma pessoa saia da sua zona de conforto. Como tal, é muito importante assegurar uma boa formação na aplicação de novas tecnologias. Esta formação deve ser adequada às necessidades das equipas e deve ser contínua, deve acompanhar os colaboradores ao longo do tempo para que esteja sempre presente e não fique esquecida. Adicionalmente, o efeito de rede (termo económico original: network effect) também é fulcral assegurar: quanto mais utilizadores utilizarem certa tecnologia, maior o valor que podem retirar dela.
A gamificação está a ganhar relevância na área da capacitação. De que forma pode ser diferenciadora?
Para enquadrar o leitor, a gamificação é a utilização de mecânicas de jogo digitais para estimular os colaboradores a atingirem os seus objectivos e a adquirirem novos conhecimentos. Numa altura em que a distância física aumenta e há um maior turnover de pessoas, as principais preocupações das empresas são garantir o engagement e o alinhamento entre os valores e incentivos dos colaboradores e das empresas. Mais do que o aumento da performance, a gamificação permite às empresas melhorar a relação com os seus trabalhadores, aumentando a satisfação e os níveis de retenção.
A capacitação é um tema que está a ganhar cada vez mais preponderância. Muitas das novas tecnologias que estão a surgir exigem uma aprendizagem por parte de quem as utiliza. Uma das principais dificuldades da capacitação é fazê-la de forma contínua e eficaz. Para conseguir que os colaboradores tirem o máximo proveito de processos de capacitação é necessário, em primeiro lugar, que os seus incentivos estejam alinhados com os da empresa. Ou seja, é necessário que vejam o valor na capacitação de modo a apreenderem todos os conteúdos formativos necessários. A gamificação vem ajudar nesta área. Através de uma mecânica de desafios competitivos, os colaboradores têm um maior incentivo para estar em contacto com os conteúdos formativos e esforçarem-se para os adquirir. Do ponto de vista da empresa, a gamificação permite, para além de incentivar os colaboradores, divulgar conteúdos de formação de forma rápida, eficaz e a um custo reduzido comparativamente com uma situação em sala.
Já não é novo mas, por outro lado, é um todo um mundo por explorar ainda… Quais as suas potencialidades?
Embora seja um tema cada vez mais falado no mercado de recursos humanos, não é um conceito propriamente novo. Surge no início da década de 2010 com o intuito de incentivar a competição entre as equipas de modo a potenciar os seus resultados. Com o surgimento de novas tecnologias, tem vindo a ser aprimorado e aplicado de forma mais transversal nas organizações.
A sua principal potencialidade é o alinhamento dos incentivos dos colaboradores com os das organizações de forma eficaz e com um custo acessível. Através da rápida divulgação de conteúdos, reforço constante de conhecimentos, incentivo ao engagement, a gamificação tem o potencial de ajudar as organizações a melhorarem os seus resultados através do alinhamento das suas pessoas. Como é sabido, fora os comportamentos reflexos, qualquer comportamento é antecedido por um pensamento. A gamificação, através da sua potencialidade de divulgação e reforço constante de conhecimentos, permite colocar no quadro mental dos colaboradores os pensamentos que levam aos comportamentos desejados pela organização.
Repete-se até à exaustão que a transformação digital é incontornável e condição de sobrevivência para as empresas, mas já passámos da teoria à prática? Em que estágio estão as empresas em Portugal nessa área?
De acordo com o princípio da oferta e da procura, as empresas que sobrevivem no mercado são as mais capazes de entregar valor aos seus clientes. De forma simplificada, este valor é função da qualidade e do preço dos produtos e serviços. Sendo a transformação digital a implementação de novas tecnologias a produtos e serviços existentes de modo a aumentar o seu valor (aumento de qualidade e diminuição do preço, seguindo a lógica acima descrita), é efectivamente uma condição de sobrevivência para as empresas. Se estas não evoluírem, rapidamente vão ser ultrapassadas por outras que, utilizando a transformação digital, consigam fornecer mais valor ao cliente.
Acredito que existência da QuiteaMind é a prova de que já se passou da teoria à prática, pelo menos falando na área dos recursos humanos. Por exemplo, o nosso software de avaliação de desempenho tem a capacidade de substituir processos manuais feitos à base de excel que ainda são, muitas vezes, utilizados por empresas em Portugal. A nossa ferramenta de gamification permite passar conteúdos formativos de forma digital. Dito isto, acredito que ainda há muito por fazer. Considerando a nossa experiência e conhecimento do mercado, ainda há um número considerável de empresas em Portugal num estágio pouco avançado, principalmente fora das grandes cidades e longe de centros empresariais.