Voltar ou não voltar ao escritório? Eis a questão

Entre início de Junho e meados de Julho, a Egon Zehnder organizou seis webinars com um total de 52 Corporate Heads de Recursos Humanos em Portugal. O objectivo foi compreender o estado de espírito nas empresas, à medida que se começa a regressar aos escritórios. E também o que se segue.

 

Por Ana Leonor Martins

 

Antes de os participantes nos webinares organizados pela Egon Zehnder serem contactados por telefone, foi-lhes pedido que respondessem a um pequeno inquérito. Manuel de Miranda e Paulo Simões, partners do escritório de Lisboa da Egon Zehnder, analisaram os resultados e destacaram que, independentemente do tamanho, localização ou sector da empresa, os directores de Recursos Humanos partilharam muitas experiências comuns durante o confinamento. E, como o inquérito indica, existe ainda muita incerteza sobre o futuro: 70% dos inquiridos não tencionavam voltar totalmente ao escritório até Setembro. Já os três factores vistos como sendo essenciais para este “novo normal” foram o “Enfoque nas comunicações internas”, o “Investimento em desenvolvimento de liderança” e a “Aceleração das ferramentas de HRIS Digital”.

Os dois responsáveis identificaram algumas das ideias principais que resultaram das conversas com os mais de 50 responsáveis de Recursos Humanos.

Quando inquiridos sobre o que mais os surpreendeu nos últimos quatro meses, quase todos os responsáveis indicaram a facilidade e a rapidez com que conseguiram fazer com que centenas, por vezes milhares, de colaboradores passassem a trabalhar em casa. Os desafios eram significativos: a grande maioria destas empresas nem tinha estrutura tecnológica para fazer uma alteração desta magnitude.

A experiência levou também a uma concordância geral de que os investimentos em tecnologia serão acelerados em toda a administração. Estes líderes demonstraram ainda, claramente, que as equipas de Tecnologias de Informação (TI) foram os “heróis anónimos” nas primeiras semanas de confinamento. Confirmaram igualmente que os colaboradores responderam com “graciosidade, velocidade e eficiência”.

Por fim, os Chief Human Resources Officers (CHRO) revelaram que trabalharam com os sindicatos para tornar a passagem para o trabalho à distância o mais simples possível.

Muitos CHRO falaram da montanha-russa emocional que experimentaram, juntamente com o facto de alguns dos desafios empresariais serem dos mais difíceis que alguma vez enfrentaram. Empresas com exposição aos mercados públicos, ou consideradas “negócios essenciais”, sentiram um nível mais alto de escrutínio e pressão. Colocaram os colaboradores na linha da frente e mantiveram-nos lá sem saberem quando poderiam parar. «Estar fechado não era opção. Tivemos de descobrir uma forma de avançar», afirmou-se.

Por outro lado, a adrenalina e a escala dos desafios deixaram memórias inesquecíveis para as quais olham com algum apreço, sabendo que foi um momento verdadeiramente único nas suas vidas.

Tornou-se claro que esta crise teve um efeito de nivelamento. Incapazes de visitar as operações ou de viajar para vários locais, os CEO e os líderes das empresas tiveram de depender dos colaboradores locais para implementarem iniciativas. Tal como aconteceu às restantes equipas, tiveram de aprender a usar novas ferramentas de comunicação e protocolos. Isto criou flexibilidade e intimidade. Como resultado, o valor da cooperação aumentou, tal como a importância de destruir barreiras. A capacidade de liderar com humildade e de falar com coragem também aumentou consideravelmente. Um símbolo dos últimos meses foi o nível inédito de comunidade, união e ausência de fronteiras.

Foram ainda partilhadas diversas histórias sobre pessoas que acabaram por se revelar líderes inesperados. Em alguns casos, pessoas da linha da frente. Noutras, um gestor que nunca chamou a atenção dos executivos. Contudo, houve também casos em que as pessoas em cargos de autoridade acabaram por desiludir. «A verdade é que vimos uma vasta gama de reacções: alguns estiveram à altura do desafio, outros bloquearam», reconheceu-se. Surgiu um vasto debate sobre a maior importância da “agilidade”, da “liderança de equipas dispersas” e do “envolvimento” na avaliação das competências de liderança. Como resultado, vários destes líderes de Recursos Humanos tencionam rever as suas definições de liderança e repensar os seus critérios de promoção.

No geral, os CHRO acreditam que a função de Recursos Humanos saiu triunfante durante o confinamento. Inicialmente, deveu-se à primazia dada à segurança dos colaboradores. Mas quando as semanas se transformaram em meses, a maioria dos CEO recorreu aos CHRO para os ajudar a desenvolver processos e ferramentas que ajudassem a força de trabalho a adaptar-se a cenários de confinamento mais prolongados.

Os líderes de Recursos Humanos concordam que os CEO compreenderam que «o trabalho que fizeram nos valores e na cultura» foi a âncora dos planos de continuidade da organização. Tanto colectivamente como individualmente, a maioria dos líderes de Recursos Humanos inquiridos deixaram claro que, mais do que nunca, se sentiram necessários, como líderes e parceiros da linha da frente. Para os partners da Egon Zehnder ainda é cedo para saber se isto levará a uma mudança mais duradoura na função de Recursos Humanos.

E concluem: «Olhando para o futuro, o que ocupa as mentes dos CHRO é a capacidade de comunicar, de continuar a investir no desenvolvimento de líderes, e a importância da tecnologia no futuro. É claro que ninguém espera que as coisas voltem ao que eram há uns meses. Embora a incerteza seja vista como inevitável, foi reiterado que “é importante escolhermos as pessoas certas como líderes”.»

Entrevista

Seis perguntas a…

Manuel de Miranda, partner do escritório de Lisboa da Egon Zehnder

O que destacaria dos resultados do inquérito realizado pela Egon Zehnder?
Entre os 52 CHRO que participaram nas sessões que levámos a cabo, foi a velocidade a que as suas organizações se mobilizaram em resposta ao trabalho remoto que mais os surpreendeu. Foi um feito realmente complexo de atingir em apenas uns dias. Foi um desafio a muitos níveis, criar redes de TI e lidar com todo um novo conjunto de protocolos de comunicação. Contudo, as organizações conseguiram-no rapidamente e sem grandes obstáculos. Os CHRO foram universalmente surpreendidos, mas conseguiram fazer algo que umas semanas antes seria impensável.

Houve muitas lições aprendidas sobre a capacidade de as organizações serem ágeis quando não há outra escolha e de os líderes individuais serem flexíveis. A principal lição é que a verdadeira liderança faz diferença – sendo que nem todos os líderes formais estiveram à altura do desafio – e que a liderança a qualquer nível faz ainda mais diferença.

 

Como está a ser encarado o regresso ao escritório e para quando?
A melhor forma de o descrever é “optimismo cauteloso”. Especificamente, perguntámos ao grupo – em Junho/Julho – que percentagem destas 52 empresas poderia voltar ao escritório fisicamente. Apenas 30% tencionavam ter 70% ou mais dos seus colaboradores no escritório. Desde Julho que continuamos a monitorizar informalmente a situação, e parece que o número de pessoas a regressar está alinhado com estas percentagens. Todos se estão a preparar para o pior, mas a esperar o melhor.

A outra questão que surgiu dos nossos debates foi a diferença clara entre empresas de “serviços” e empresas “industriais”, onde a maioria dos colaboradores praticamente não sentiu que tivesse havido confinamento.

 

Tem-se falado em alguma resistência no regresso. Também sentiram isso? E será mais por parte dos colaboradores ou os próprios gestores estão com receio que possa haver um retrocesso? Ou simplesmente não se justifica trazer “já” as pessoas?
Parece existir uma mistura de razões, mas uma que continua a sobressair é o enfoque em manter a segurança dos colaboradores. Depois, há vários exemplos em que colaboradores e empregadores podem querer regressar, mas que, por razões fora do seu controlo – como a necessidade de cuidar dos filhos – isso simplesmente não é uma opção a ter em conta.

Em geral, parece que há muitos factores em jogo, e que a maioria das decisões a serem contempladas implica simplesmente evitar aplicar a abordagem de uma única. As empresas estão cada vez mais a usar uma mistura de respostas para acomodar cenários empresariais específicos – manter algum grau de flexibilidade parece ser fundamental para a maioria dos líderes de Recursos Humanos.

 

O que é considerado essencial/prioritário a esse regresso?
Manter a segurança de colaboradores, e clientes, adoptando, ao mesmo tempo, uma resposta que também satisfaça o rendimento financeiro da empresa. A evolução do início de Março faz compreender como é possível adaptar a empresa para que esta continue a servir mercados e clientes ao considerar novas formas de execução. O valor do comércio electrónico ou o investimento em ferramentas digitais estão a avançar de formas nunca vistas anteriormente. O que é interessante é como a COVID-19 criou oportunidades de negócio que antes eram desconhecidas, ou conhecidas mas desaproveitadas. Tal como acontece em qualquer crise, há um elemento positivo na desintermediação que ocorreu com a COVID-19. As empresas estão também a reflectir a necessidade de conhecer os seus “verdadeiros líderes” de uma forma mais profunda, e talvez até fazendo algumas alterações.

 

Pelos testemunhos que recolheram, o que acredita que vai mudar na gestão – liderança, por exemplo – e nos modelos de trabalho?
Torna-se muito claro, a partir do inquérito e dos debates nos nossos webinars, que o modo como as empresas avaliam e promovem pessoas para cargos de liderança está a ser activamente revisto. E não é só relativamente à extensão dos processos internos de planeamento de sucessão. Estamos a ver uma redistribuição da importância dada às competências de liderança, com itens como a agilidade, a capacidade de envolver e de mobilizar os outros ou competências de liderança flexível a ganharem importância em comparação com as competências de liderança clássica.

Contudo, e embora não acredite que iremos voltar ao passado, ainda é cedo para prever como as coisas irão mudar. Por fim, já referi o papel da tecnologia como base para muitas das soluções experimentadas em todos estes negócios, quer seja nos bens de consumo ou numa empresa industrial. Não há forma de inverter esta tendência, e os dados no nosso inquérito confirmam-no.

 

Quais são agora os principais desafios dos CHROs?
Entre os “vencedores”, se é que podemos usar esse termo, está o papel dos directores de Recursos Humanos na pandemia, sem dúvida. Os dados que temos mostram que, quer uma pessoa seja director de Recursos Humanos na China, Itália ou Estados Unidos da América, a crise actual foi um momento que demonstrou a importância que o director de RH teve a manter a organização coesa e a gerir transições difíceis numa altura de crise. Muitos desafios permanecem iguais, e a maioria deles relembra-nos de que isto ainda não acabou. Ajustar as forças de trabalho aos choques económicos será provavelmente o desafio preponderante depois de Outubro.

 

Este artigo foi publicado na edição de Setembro (nº. 117) da Human Resources, nas bancas.

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