COVID-19. O risco da economia versus o risco das pessoas. Quem “ganha”? (com vídeo)

RE(TALK)

Afinal, o risco de uma pandemia com contornos semelhantes aos que hoje vivemos, estavam previstos deste 2006. Assim, porque não estávamos preparados? E para que riscos devemos agora estar alerta?Rodrigo Simões de Almeida (Marsh) e Vítor Peliteiro (Randstad) responderam ma sétima re(talk).

 

Para debater “Os cenários de risco da pandemia”, a sétima re(talk) – promovida em parceria com a Human Resources – contou com a participação de Rodrigo Simões de Almeida, CEO da Marsh Portugal, consultora de gestão de risco e corretora de seguros, e Vítor Peliteiro, director de staffing da Randstad Portugal, numa conversa transmitida em directo e moderada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources.

Poder-se-á dizer que todos os líderes, empresariais e políticos, foram apanhados de surpresa com a pandemia COVID-19, mas há 15 anos que, no estudo anual “The Global Risks Report”, do qual o Grupo Marsh & McLennan é um dos parceiros na sua elaboração, se vinha alertando para a eminência de uma pandemia e para o elevado grau de impreparação de países e organizações para fazer face a um contexto desta natureza. Assim, porque não estavam, nem empresas nem Estados, preparados?

Rodrigo Simões de Almeida partilha: «De facto, em 2006 apresentámos este risco pandémico como um risco real que iria afectar o mundo todo, impedindo as viagens e o regular funcionamento das cadeias de distribuição. Ao mesmo tempo que alertámos para um grande risco de impreparação tanto por parte dos Estados como das empresas». O que era apenas um alerta, ao fim de 15 tornou-se numa realidade através de uma pandemia com um impacto muito mais forte do que as anteriores, pois esse impacto global acontece simultaneamente em todo o mundo. «O que verificamos é que não houve uma preparação suficiente para enfrentar esta situação, nomeadamente por parte dos sistemas de saúde dos países», refere.«O risco estava identificado e os alertas estavam feitos, pelo que a Europa, Portugal incluído, já tinha avisos suficientes para ter tido a capacidade de ter reagido a tempo».

Pela primeira vez passamos por uma pandemia que impacta de forma simultânea a oferta e a procura, «tanto a capacidade de produzir como a capacidade de consumir e de investir estão paralisadas, algo que já prevíamos no estudo de 2006, mas que não foi tido em linha de conta, pois não foi feito o suficiente para nos prepararmos», reitera.

 

Como reagiram as empresas portuguesas

Enquanto líder da área de Staffing da Randstad, através da qual interage com inúmeras empresas, Vítor Peliteiro acha que as empresas nacionais geriram e estão a gerir a situação da melhor forma possível. «Têm sido responsáveis e céleres, num contexto altamente difícil e inesperado.» No caso concreto da Randstad, o objectivo foi «tentar responder de uma forma firme e corajosa, tendo como primeira preocupação a saúde e a segurança das pessoas».

Enquanto multinacional com operação na China, desde cedo que especialista em Recursos Humanos esteve atenta a toda a situação e implementando as medidas de acordo com o que ia observando noutros países, mas a verdade é que nunca se pensou que a situação atingisse a Europa e Portugal desta forma. «Neste momento, mais do que olhar para trás, estamos a olhar para a frente, para o futuro», afirma Vítor Peliteiro. «O contexto será necessariamente diferente, teremos um novo normal, mas o que é certo é que já estamos a trabalhar com os nossos clientes nesse sentido, sempre com o foco na segurança das pessoas e seguindo todas as recomendações da Direcção-Geral de Saúde.»

Esta preocupação levou a que a Randstad convidasse outras duas empresas de Recursos Humanos, concorrentes, com vista à identificação das melhores práticas, que pudessem ser partilhadas, «exercendo ao mesmo tempo a pressão necessária junto dos organismos públicos de maneira a que estejamos todos muito mais confiantes e preparados para o futuro».

 

Também na opinião de Rodrigo Simões de Almeida, e comparando com o que se passou no resto da Europa, as empresas portuguesas reagiram bastante bem. «Enquanto multinacional, podemos concluir que Portugal teve um comportamento muito bom, comparado com a média europeia e global». Não significa isto que os portugueses estivessem melhor preparados do que outros. «O que aconteceu é que houve uma boa reacção e uma boa capacidade de organização e um comportamento exemplar da população.»

Relativamente ao impacto que vai acontecer pela entretanto criada crise económica, surge um novo desafio, «que é perceber qual é a resiliência das empresas portuguesas face a uma crise deste tipo, e aí, infelizmente, a capacidade financeira das empresas portuguesas é inferior face a outros países».

 

Retomar a normalidade

Urge então perguntar o que é de facto fundamental para preparar a retoma. Na opinião de Rodrigo Simões de Almeida, «quando falamos em crise económica, temos de pensar no melhor, mas prepararmo-nos para o pior». Para o responsável, o importante é que durante este período os líderes garantam que as empresas se mantêm fortes, com equipas coesas, equilibradas e preparadas para o que o futuro lhes reserva. «Quando podermos efectivamente retomar a normalidade, todos os sectores de forma transversal vão sentir um impacto que de alguma forma terá de ser compensado, pelo que as empresas vão precisar de todos os colaboradores para poderem reagir de forma a voltar a encontrar um caminho de crescimento».

 

Na visão de Vítor Peliteiro, as pessoas estão ansiosas por voltar à normalidade, mesmo que seja uma nova normalidade. «É uma nova realidade que vamos ter todos que encarar, mas é uma realidade que terá sempre por base a segurança e a saúde das pessoas.» Para o especialista, quando se analisa os riscos das pessoas e da economia, «temos de sublinhar claramente o risco das pessoas, isto porque se colocarmos o risco da economia à frente do risco das pessoas pode ser que o risco das pessoas faça “explodir” o risco da economia». Assim, a Randstad tem procurado perceber junto dos seus clientes de que forma podem participar com eles na retoma. «Para isso, é preciso perceber três dimensões: a quantidade de pessoas e a respectiva data marcada para a retoma; quais são os perfis que os clientes vão querer no imediato; e de que forma vamos conseguir de facto assegurar essas necessidades».

Para que tudo corra bem, «e embora não saibamos muito bem o que é que aí vem, de acordo com os critérios e com as variáveis que neste momento temos como fixas, devemos planear cuidadosamente o futuro», aconselha.

 

Os riscos no pós COVID-19

Serão muitos os riscos a ter em conta no pós pandemia Covid-19, mas para Rodrigo Simões de Almeida muitos dos riscos ao quais devemos estar atentos já existiam. «O risco cibernético foi um risco que aumentou significativamente pelo maior número de pessoas que estão hoje em trabalho remoto; os riscos de crédito e de liquidez também já dispararam outra vez para níveis semelhantes ao da crise anterior; o risco politico para as empresas que têm exposição internacional, seja via presença, seja via exportação, e claro o risco das pessoas, em que claramente a solidez psicológica pode não ser a mesma que era no passado, pelo que é preciso as empresas estarem muito preparadas para apoiar as pessoas neste caminho», assinala o CEO da Marsh Portugal.

A ligação entre o risco das pessoas e o risco da economia é forte. «Inevitavelmente vamos ter um aumento do desemprego», constata Rodrigo Simões de Almeida. «E, em Portugal, a economia é muito dependente do consumo, pelo que se as pessoas perdem o seu emprego, não vão ter a capacidade financeira para consumir. Teremos então um circulo não virtuoso que se retroalimenta. Vai haver um impacto muito grande nas pessoas que por sua vez vai acelerar o impacto na economia

Perante este cenário, será fundamental «termos a capacidade de nos reinventarmos, de nos adaptarmos a esta realidade e de fazermos todo o que for possível para que a recuperação possa ter o formato que tanto desejamos. Assim, depende de cada um nós fazer o possível para que a recuperação seja rápida», sublinha.

 

É também claro para Vítor Peliteiro que tudo isto se reflecte ao nivel da empregabilidade, área em que a Randstad já tem alguns programas em andamento: «Desde logo o nosso kit digital, que foi colocado à disposição tanto dos nossos clientes como dos nossos colaboradores.» Esta passa por uma oferta para recrutamento e selecção totalmente digital, de modo a fazer com que a oferta de serviços da consultora possa ser disponibilizada de igual forma. A solução disponibilizada para Outplacement é também agora toda ela digital, estando também a Randstad a trabalhar numa solução em que as pessoas que estão a fazer atendimento comercial o possam fazer em e-comerce, sector que está em franco crescimento.

 

O que podia ter sido feito, mas não foi…

 …foi a pergunta que chegou do público numa clara alusão ao resultado do estudo de 2006. Na opinião de Rodrigo Simões de Almeida, existem duas vertentes a considerar: o ponto de vista da saúde e o ponto vista económico. Relativamente ao primeiro, o que estava identificado em 2006 era a falta de preparação dos sistemas de saúde pública de todos os países, pelo que devia ter sido feito um maior investimento nestas áreas. No que diz respeito à economia, devia existir uma maior capacidade em gestão de crise por parte das empresas, mapeando os riscos e delineando possíveis cenários.

Sobre se daqui retiraremos lições e ensinamentos para conseguir estar melhor preparados no futuro, só o tempo o dirá.

(re)Veja aqui a talk na íntegra.

Texto: Sandra M. Pinto

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