Afonso Carvalho, presidente da APESPE-RH: «Acredito que mais e melhor poderia ter sido feito para evitar este confinamento»
A APESPE-RH – Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego e de Recursos Humanos, representa mais de 80% do mercado nacional e, principalmente no actual contexto, tem procurado ser uma voz activa junto dos decsiores na defesa dos interesses destas empresas e dos seus trabalhadores. «É cansativo ver que problemas tão simples, e que constantemente apontamos como graves e que não credibilizam os sectores que representamos, não são resolvidos», afirma Afonso Carvalho, presidente da associação. «Todos perdem, mas no caso dos sectores que representamos, perdem sobretudo os trabalhadores.»
Por Sandra M. Pinto
A APESPE-RH pretende continuar a ser a voz do sector privado de emprego em Portugal e tem «sensibilizado insistentemente os parceiros sociais» para as dificuldades das empresas, mas a verdade é que «existe pouca coordenação, pouca capacidade inspectiva e porventura pouca vontade de mudar o rumo de alguns problemas que contaminam seriamente o mercado, algo que não ajuda na caminhada que temos percorrido para credibilizar as actividades dos nossos associados», alerta em entrevista Afonso Carvalho.
Para enquadramos a nosso conversa, explique-nos quando surgiu a APESPE-RH e a que necessidades veio dar resposta?
É preciso recuar mais de 25 anos para assistirmos ao aparecimento da APETT – Associação Portuguesa das Empresas de Trabalho Temporário cuja base fundadora se limitou à defesa dos interesses de um sector que começava a dar os primeiros passos em Portugal. Mais tarde evoluiu para APESPE, Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego, uma vez que à semelhança das suas congéneres europeias o objectivo era ampliar o leque de serviços abrangidos pela Associação não se limitando assim ao trabalho temporário e enveredando, por exemplo, pelo recrutamento e seleção, formação, entre outros.
No mandato anterior, a APESPE e a ANERH (Associação Nacional Empresas Recursos Humanos) decidiram juntar esforços e criar a uma única associação empresarial que defendesse e promovesse os interesses das empresas que prestam serviços nas mais variadas dimensões dos recursos humanos, nomeadamente nas actividades de agência privada de colocação, agência privada de emprego, empresa de trabalho temporário, outsourcing, coaching, recrutamento e seleção, orientação de carreiras, formação profissional e consultoria.
Qual é o objectivo da APESPE-RH? A pandemia provocada pela COVID-19 obrigou-vos a redefinir prioridades ?
O objectivo da APESPE-RH mantém-se inalterado e nem mesmo o contexto pandémico desviou a actual direção do programa eleitoral que pauta o actual mandato, no entanto, e como foi público no início da pandemia quando os trabalhadores temporários estiveram debaixo dos holofotes por motivos infundados, a APESPE-RH teve de reagir, trabalhar com o Governo, apresentar factos e sobretudo desmistificar alguns dos preconceitos que infelizmente continuam a assolar as mentes menos informadas ou aqueles cujas ideologias políticas não lhes permitem ver mais além.
A APESPE-RH pretende continuar a ser a voz do sector privado de emprego em Portugal, um sector cada vez mais transparente, credível e aglutinador de todos os prestadores de serviços ligados ou dependentes do setor dos Recursos Humanos.
Qual tem sido o trabalho da associação, tanto junto dos seus associados como do Governo?
Para além do trabalho reactivo e proactivo que desenvolvemos do ponto de vista operacional e diário que serve os interesses básicos dos nossos associados, temos procurado ser cada vez mais interventivos, informativos e factuais, ou seja, actuamos, sobretudo, junto do Estado português, dos organismos oficiais e para-oficiais, de outras associações de empregadores e empresariais, das organizações sindicais e do público em geral de modo a conseguirmos ser a voz dos sectores que representamos, sobretudo em matérias de emprego, flexibilidade laboral, formação e empregabilidade. Prova disso é o Barómetro do Trabalho Temporário, produzido em colaboração com o INDEG/ISTCE, e que permite, mensalmente, medir alguns dos principais indicadores desta actividade.
Conseguem ter uma “voz forte e relevante” junto de decisores?
Actualmente a APESPE-RH é a única associação empresarial portuguesa que representa os interesses de todos os sectores mencionados anteriormente e, a juntar a isto, representamos mais de 80% do mercado nacional o que permite, por exemplo, ao Estado português ter um único interlocutor para discutir todas as matérias que são da nossa competência. Por outro lado, temos a garantia de que os nossos associados cumprem um escrupuloso Código de Ética e de Conduta, o que certamente os diferencia das demais empresas que atuam em Portugal.
Acreditamos que estes pressupostos nos tornam uma referência ainda para mais porque temos uma visibilidade única sobre todos os sectores de actividade, temos visibilidade nacional, temos acesso privilegiado à realidade empresarial antes, durante e após alterações económicas, produtivas e de contexto, somos solução de gestão, de empregabilidade flexível, de contratação direta e os nossos associados possuem ferramentas únicas para auxiliar as empresas nacionais e multinacionais a gerirem os seus recursos humanos de forma profissional e competitiva.
Se tudo isto não forem argumentos para termos uma voz e uma representatividade relevante então não sei o que será.
Qual é a situação actual dos trabalhadores temporários em Portugal?
Os trabalhadores temporários não são diferentes dos demais trabalhadores que estão no activo, isto porque todos sem excepção vivem dias de incerteza, de insegurança e de instabilidade algo que constituiu um cenário exigente e demasiado desafiante do ponto de vista laboral, psicológico e emocional. Obviamente que no caso dos trabalhadores temporários esta situação é agravada pela menor duração dos contratos que tipicamente servem de base a esta realidade mas não será ainda mais crítica a dos trabalhadores independentes como os que estão associados a atividades culturais, por exemplo?
De que forma a pandemia veio afectar o Trabalho Temporário?
Historicamente, sempre que estamos perante uma crise, seja ela qual for, os trabalhadores que têm vínculos mais flexíveis são sempre mais afectados, mas essa também é a razão de ser desta actividade. Ou seja, os trabalhadores temporários representam pouco mais de 2% da totalidade da força de trabalho e são quem permite às empresas ter a flexibilidade necessária quando estão perante cenários de incerteza, de crescimento abrupto ou de decréscimo, pelo que não me parece uma taxa excessiva comparativamente ao total da força de trabalho activa portuguesa, e muito menos quando comparamos com países mais desenvolvidos que Portugal. Aliás, temos das taxas mais baixas da Europa.
Assim, tal como muitos milhares de trabalhadores, independentemente do vínculo contratual que tinham com as respectivas empresas onde trabalhavam, também os trabalhadores temporários sofreram, e infelizmente continuarão mais algum tempo a sofrer com a pandemia.Tal como antecipámos, mais de 100 mil postos de trabalho foram destruídos, algo que desde Junho tem vindo a ser recuperado.
Como se caracteriza o sector privado de Emprego e de Recursos Humanos em Portugal?
O sector é constituído por centenas de empresas, isto se considerarmos todas as empresas nacionais e multinacionais que atuam em actividades de recrutamento e selecção, formação, consultoria, trabalho temporário e outsourcing.
É um mercado maioritariamente dominado pelas empresas multinacionais, ultracompetitivo em termos de rentabilidades e pouco dado à inovação, à criação de valor e à tecnologia, algo que certamente aportaria mais e melhor a todos os stakeholders deste ecossistema.
Quais as suas principais fragilidades?
A APESPE-RH tem sensibilizado insistentemente os parceiros sociais e todas as entidades que podem ter voz e sobretudo influência directa, quase imediata e sobretudo inspectiva junto das empresas e dos utilizadores dos serviços que representamos, mas a verdade é que existe pouca coordenação, pouca capacidade inspectiva e porventura pouca vontade de mudar o rumo de alguns problemas que contaminam seriamente o mercado, algo que não ajuda na caminhada que temos percorrido para credibilizar as actividades dos nossos associados.
Muito recentemente, a APESPE-RH entregou aquilo que considera ser o documento mais robusto alguma vez entregue pela nossa associação junto de quem tem poder de decisão com sete medidas que consideramos críticas para esclarecer, credibilizar e reforçar a importância dos serviços que os nossos associados propiciam a candidatos que procuram emprego, a trabalhadores no activo, a empresas que precisam dos mais diversos serviços que representamos e, não menos importante, à economia e ao Estado português através das contribuições fiscais e sociais.
Qual a vossa opinião relativamente às medidas até agora implementadas pelo Governo?
Tal como referi anteriormente, fica sempre a dúvida se a vontade é pouca ou se efectivamente a coordenação de todos os meios e entidades que são necessárias para resolver os problemas que nos apontam e que nós apontamos de volta são assim tão impossíveis de concretizar.
Confesso que, ao fim de tantos anos, é cansativo ver que problemas tão simples, e que constantemente apontamos como graves e que não credibilizam os sectores que representamos, não são resolvidos. Todos perdem, mas no caso dos sectores que representamos, perdem sobretudo os trabalhadores, que são, na maior parte das situações, o elo mais fraco, e perde o Estado português, porque tem perdido oportunidade atrás de oportunidade para encerrar temas tão críticos.
Tendo em conta o novo confinamento, que medidas de apoio às empresas deviam ser apresentadas pelo Governo?
No ponto a que chegámos, penso que o problema não está tanto do lado das medidas que podem ser tomadas adicionalmente às que estão previstas, mas acredito que mais e melhor poderia ter sido feito para evitar este confinamento, tal como, por exemplo, e por mais que fosse uma medida pouco popular, o Governo deveria ter tido mão de ferro relativamente ao período do Natal. A consequência política, caso existisse, valeria certamente um número de infetados ou de mortes substancialmente mais baixo.
Na vossa perspectiva, quais serão os maiores desafios que se avizinham para o ano 2021?
A grande maioria dos sectores que representamos tem estado numa trajectória decrescente desde o último trimestre de 2018, mas a essência de alguns dos serviços que os nossos associados oferecem é assim mesmo, depende da economia, depende do contexto e, sobretudo, depende da dinâmica empresarial dos seus clientes.
Acreditamos que 2021 será uma ano de lenta recuperação, pelo que os desafios passarão certamente pela capacidade de lidar com os cenários de incerteza, tanto do ponto de vista operacional como financeiro, garantindo que, no momento certo, os nossos associados estarão preparados para satisfazer, com rapidez e qualidade, as necessidades que terão pela frente.
Estamos cautelosamente optimistas e esperançados que 2021 marque o regresso à tão desejada normalidade.
Quais as mais valias para as empresas de integrarem a APESPE-RH?
Ao integrarem a APESPE-RH ,as empresas, sejam de que sector forem, podem usufruir de uma série de benefícios operacionais, financeiros, jurídicos e sectoriais que certamente constituirão uma mais-valia. Adicionalmente, estar associado a um conjunto de empresas que se rege por um código de ética e de conduta irrepreensível distinguirá certamente aqueles que estão dos que não estão na APESPE-RH, sobretudo aos olhos das entidades governamentais e das empresas utilizadoras.
Somos a voz nacional, reconhecida e representativa dos diversos setores da prestação de serviços em recursos humanos e, por último mas não menos importante, somos membros da World Employment Federation, cuja missão passa por agregar os interesses mundiais de todas as associações congéneres o que permite aceder a dados comparativos, informações críticas e de certa forma preditivas do melhor que se faz por esse mundo fora.