«A idade ainda é um factor bloqueador em determinados processos de recrutamento» (vídeo)
De um lado, um bom exemplo – a Nestlé – que tem quatro gerações a conviver na empresa, não só porque tem uma antiguidade elevada, mas porque quando vai ao mercado contratar é para as competências que olha, e não para a idade, como prova a recente contratação de um profissional com 62 anos para o seu shared service center. Do outro lado, do dos recrutadores, admite-se que em muitas empresas ainda existe uma barreira psicológica relacionada com a idade. Maria do Rosário Vilhena, directora de Recursos Humanos da Nestlé Portugal, e Nuno Troni, director da Randstad Professionals, partilham as suas visões sobre a diversidade geracional nas empresas, em mais uma RE(talk).
Por Sandra M. Pinto
O choque de gerações foi o tema em concreto proposto para debate, numa conversa moderada por Ana Leonor Martins, directora de Redacção da Human Resources, revista parceira da Randstad neste iniciativa que junta dois profissionais para falar sobre temas prementes na Gestão de Pessoas.
Em Janeiro, o tema “maior” das RE(talks) é o da Diversidade e Inclusão. E ainda que, neste âmbito, não seja a diversidade geracional que surge no ‘top of mind’, é importante que não seja negligenciado, pois persistem algumas ideias pre-concebidas.
Apesar de a Nestlé ser uma empesa bastante diversa e inclusive, nomeadamente em termos geracionais, Maria do Rosário Vilhena concorda que este é de facto “um tema”. «A tendência imediata é associarmos a diversidade e inclusão mais a temas como género, religião ou raça, mas a idade também deve ser considerada. Na Nestlé, tratamos os temas da diversidade como a valorização do individuo, pois cada pessoa possui distintas características, tal como diversidade de pensamento, pelo que para mim diversidade passa por reconhecer a diferença dos outros, respeitar e valorizar a especificidade de cada um.» Em termos de idade, concretiza, «na Nestlé existe uma população que passa quase por quatro gerações, havendo assim uma diversidade enorme e bastante rica. Gostamos que ela exista e trabalhamos activamente para a promover».
Já na Randstad, a média etária é mais baixa, 38 anos, partilha Nuno Troni. E, apesar de muita vez se associar a palavra talento a jovens profissionais, o responsável salienta que «a escassez de talento que existe em Portugal não é exclusiva ou relacionada com uma determinada faixa etária. Parece-me que é muito mais funcional do que etária», defende. «Acontece que hoje em dia há dificuldade em atrair talento para as mais diversas funções, e não apenas nas áreas tecnológicas, mas quando olhamos para uma determinada área verificamos que a diversidade não é tanta quanto seria desejável.»
O director da Randstad Professinals reconhece que «há empresas pouco abertas a ter verdadeira diversidade nas suas fileiras. Enquanto recrutadores, tentamos fazer esta pedagogia juntos dos clientes, pois em alguns casos a idade ainda é um factor bloqueador em determinados processos de recrutamento. A Nestlé é um excelente exemplo relativamente à diversidade geracional, mas a maior parte das empresas não funciona assim», constata. E a justificação não está, ao contrário do que se possa pensar, no salário. Habitualmente associamos senioridade a salários mais elevados, mas determinada função tem associada determinada remuneração, «e o candidato ou aceira ou não aceita. Basear as ofertas no passado da pessoa é algo que não me pareça que faça sentido», afirma Nuno Troni, admitindo «que nas empresas ainda existe de facto uma barreira psicológica relacionada com a idade».
Promover a diversidade e gerir o choque geracional
Com um boa reputação no que diz respeito a este tema, a Nestlé consegue uma diversidade geracional não só porque tem uma turnover baixo e pessoas com muitos anos de casa – «até 50» – ,as também porque quando estão a recrutar a preocupação é «ir ao mercado “comprar competências”. Vou procurar a pessoa com a competência e o perfil certo e, sobretudo, uma pessoa que esteja alinhada com aquilo que são o propósito e os valores da minha empresa», garante Maria do Rosário Vilhena, para quem isso é «muito mais importante do que ter alguém jovem que depois não se integra ma cultura da empresa». E revela que a pessoas com mais idade que contrataram na Nestlé foi para o NBS [Nestlé Business Services], que são shared service centers, onde tipicamente há maior turnover e talentos mais jovens e foi para aí que recentemente contrataram um profissional com 62 anos, «porque era a pessoa que precisávamos para liderar determinada equipa».
Um dos conselhos que a profissional deixa aos seus líderes é para não contratarem “mini me”. «É muito fácil contratar alguém com quem eu me identifico mas isto é enriquecedor. Devemos procurar pessoas que nos desafiem, que nos façam pensar e questionar o que fazemos e como fazemos. Quando a Nestlé contrata pode até ter em atenção o background do candidato, percebendo se é ou não uma pessoa experiente, mas não é isso que de maneira nenhuma condiciona a nossa maneira de contratar», assegura.
Prova disso mesmo é que na Nestlé as equipas tendem a ser bastante mistas em termos de idades. «Temos um principio de liderança muito lato, pois temos de ser inclusivos mas temos também de ser transparentes, e, sobretudo temos de comunicar bem com as equipas. Se não conhecermos as equipas e as pessoas que as integram, não temos conhecimento e noção daquilo que elas precisam e daquilo que elas querem. E para uma equipa funcionar bem, tem de existir empatia. Não temos de ser todos amigos uns dos outros, mas temos de ter empatia para conseguimos trabalhar juntos. E conseguir ter empatia, preciso perceber o que é o outro quer e como é que o outro é para o respeitar.» Transparência, comunicação e estilo de liderança muito inclusivo, é essencial para Maria do Rosário Vilhena.
Também a Randstad tem diversos projectos multidisciplinares, que tantopodem ser liderados por profissionais que já estão na empresa há muitos anos ou por pessoas mais jovens. Isso depende sobretudo do perfil da pessoa e não da idade. «Acredito que ambos tem muito a ensinar e aprender, tanto os mais jovens como os mais experientes», sublinha Nuno Troni.
O responsável faz no entanto notar que o tecido empresarial português é muito especifico, composto maioritariamente por pequenas e médias empresas, sendo ainda poucas as grandes empresas e por isso este tema não é prioridade, «nem sequer é tema nestas empresas, muitas focadas na sobrevivência. O que estamos aqui a falar não traduz a realidade do tecido empresarial do país».
Maria do Rosário concorda e reconhece ser «muito afortunada por trabalhar na Nestlé onde isto é um tema. Fazemos produtos para toda a família, pelo que se produzo para uma faixa tão vasta de consumidores, também tenho que ter esses consumidores dentro da empresa. A empresa tem de ser o espelho da sociedade», defende.
Um tema de negócio
A directora de Recursos Humanos não tem dúvidas de que este «é um tema critico para o negócio. Há vários estudos que demonstram que a diversidade tem um impacto positivo na rentabilidade e no crescimento do negócio. Se nos abstrairmos das questões de princípios e de valores, a verdade é que há um business case por detrás desta questão, o qual demonstra que se quero continuar a crescer e ser rentável tenho que ter equipas diversas. A Nestlé é uma empresa com mais de 100 anos e só tem sucesso porque tem sempre acompanhado a sociedade», acredita. «A sociedade é diversa e é rica, cheia de contradições e áreas cinzentas, logo a minha organização vai ter de ser um reflexo disso, porque se assim não for, não consegue compreender o consumidor, logo fica sem saber o que ele procura, produzindo produtos que não vão ter sucesso.»
Não obstante ter reconhecido que persiste algum preconceito, Nuno Troni acredita que a mentalidade relativamente à idade já está a mudar. «É cada vez mais comum receber CV em que já não consta a data de nascimento. Isto tem mesmo de deixar de ser um tema, a idade não interessa. Se fizermos uma avaliação baseada exclusivamente em competências e esquecermos o factor idade vamos chegar a conclusões interessantes, como o facto de termos candidatos cada vez mais séniores. O caminho será este e os decisores têm de compreender que também eles estão a envelhecer, pelo que acredito que vamos caminhar nesse sentido», conclui.
Por outro lado, e «olhando agora para forma de trabalho muito mais flexíveis baseadas em conhecimento para projectos específicos, e tendo em conta o aumento da esperança de vida e, sobretudo a qualidade de vida, é natural que os profissionais queiram manter-se activos até mais tarde, mas noutros moldes, sem ser a tempo inteiro, sem vinculo, por exemplo», acrescenta Maria do Rosário Vilhena. «Também tendo em atenção a escassez de competências no mercado, as empresas vão necessariamente ser puxadas para estas formas mais flexíveis de trabalhar», ainda que «o enquadramento legislativo não esteja a acompanhar esta mudança radical a que estamos a assistir», alerta.
(re)Veja aqui, na íntegra.
As re(talks) são uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources, promovida desde Março, e estão todas reunidas aqui.