A falácia do “equilíbrio trabalho – família”

Por Carla Caracol, Directora de Recursos Humanos do Grupo Renascença Multimédia, Professora Universitária, membro da Direcção Nacional da APG e da DCH Portugal

Tenho que ser sincera! Não gosto rigorosamente nada da expressão “equilíbrio trabalho – família” ou, no estrangeirismo habitual, “work-life balance”!

Não gosto porque todos nós não nos cingimos apenas à vida profissional e à vivência em família. Somos muito mais e muito para além dessas duas categorias simplistas e, mesmo estas 2, não estão certamente em perfeito equilíbrio!

E isto é simples de provar, não carecendo de qualquer investigação científica.

Recordam-se de uma qualquer ocasião em que, estando a trabalhar, recebem uma notícia inesperada de uma doença súbita de um familiar próximo? Desejo que não, mas acredito que a maioria de vós já passou por isso… e o que fizeram? Esperaram pelo final do horário de trabalho para sair ou nem se lembraram, no imediato, do que tinham entre mãos e saíram a correr, ansiosos e preocupados? Aposto que a resposta recai na segunda opção.

E porque vos trago este assunto? Porque, sobretudo desde o início da pandemia, que este construto académico tem vindo a ser utilizado de forma incorrecta ou, pelo menos desadequada, sem enquadramento pragmático e honesto, que, incorrectamente transposto para as práticas de Recursos Humanos, pode originar uma gestão abusiva dos ditos recursos pouco humanizada.

Quando assumimos, em termos corporativos, que queremos que os nossos colaboradores tenham as condições necessárias para conseguir equilibrar o seu trabalho e a vida familiar, estamos a assumir que, numa balança, estes têm o mesmo peso e que, para além do seu horário de trabalho, estes têm (apenas) a sua família. Ora, uma qualquer pessoa que não viva debaixo de uma pedra, que tenha uma experiência social (dita) normal, mesmo que em tempos conturbados de confinamento, tem amigos, hobbies… tem toda uma vida paralela, com maior ou menor importância, mas real, que deve ser promovida e estimulada.

Tenho receio que este “cultivo” da cultura equilibrista tenha um fim, mesmo que inconsciente, de mecanização/automatização do trabalho ou pior, da essência humana. Todos nós temos que ser muito mais do que esta dupla dimensão, sob pena de termos uma vivência semi-eremita.

Não raras vezes me perguntam porque, em situação de entrevista de selecção, os profissionais de Recursos Humanos questionam os candidatos sobre actividades de tempos livres ou simplesmente os desafiam a falarem um pouco, de forma não orientada, sobre si. Percebem agora a importância desta informação?

As empresas não precisam de pessoas que vivem apenas do e para o trabalho, compatibilizando-o com a família. As empresas precisam que as suas pessoas sejam verdadeiramente humanas, com experiências sociais ricas e diversas, em termos de qualidade, quantidade e, sobretudo, de satisfação e realização. As empresas precisam que as suas pessoas se reenergizem fora do espaço e tempo do trabalho! Numa altura em que todos falamos sobre saúde mental, será que acreditamos mesmo que apenas a nossa vida familiar e profissional nos traz satisfação e prazer?

E é, por este motivo, e vários outros, cujo espaço exíguo para esta crónica não permite desenvolver, que prefiro, incomparavelmente, falar em conciliação vida profissional com vida pessoal.

Todos nós precisamos assumir as várias dimensões da nossa vivência que geram bem-estar, porque só assim seremos seres humanos plenos e, consequentemente, profissionais motivados e performantes. E quando o tempo ou a energia disponível para essas várias facetas da nossa condição humana escasseia, a solidão ganha espaço e a tristeza, depressão ou burnout aparecem com mais facilidade.

Por isso, é importante, diria mesmo essencial, conseguirmos conciliar tudo o que nos faz feliz, para além do que temos mesmo que fazer por inerência da vida adulta! E sim, é essencial em termos pessoais, para nos sentirmos úteis e verdadeiramente vivos, mas também enquanto profissionais, pois estaremos mais disponíveis, mais focados, mais cooperantes e isto traz retorno para a empresa! Nunca se esqueçam de que nem sempre o aluno mais estudioso se tornou o profissional mais bem sucedido e com melhor desempenho!

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