A Crise, as Empresas e Saramago
Opinião de Nuno Moreira da Cruz
Administrador da Galp Energia e conselheiro da revista HR Portugal
Um mundo com a riqueza profundamente mal distribuída, com milhões a viver acima do que podem e devem, com valores de vida obscenamente subvertidos, onde ascensão social e profissional não rima com mérito, com ódios religiosos extremados e guerras que ceifam milhares de vidas, digam-me lá se num cenário destes vos perguntassem que resposta eficaz precisaria um mundo destes, se a única resposta possível, honesta, séria, esperançadora, não seria – “uma crise, e das violentas é o que precisamos!”, pois ela aí está, e pelos vistos para ficar mais algum tempo, abençoada crise, e permita a dita voltar a um contexto de verdade e aos equilíbrios fundamentais para o funcionamento dos mercados e para a vida das pessoas, porque as crises, e quanto mais profundas melhor, quando entendidas e pensadas como oportunidades e não problemas, são uma imensa força aglutinadora de vontades para partir para novos desafios, novos processos, novos paradigmas, novas lideranças, e diria mais, na vida das empresas, está criado o “sense of urgency”, absolutamente fundamental para “unir tropas” e a sua condução e galvanização torna-se, curioso!, mais fácil!
“Ponhamos mais ênfase na Inovação”, “há que aumentar o rigor nos investimentos”, “compromisso com a entrega de resultados é a cultura que se pretende”, “cada euro conta”, “reorganizar para responder a estratégias”, “fazer mais do mesmo só conduz ao mesmo”, “só uma atitude de trabalho em equipa funciona”, “o limite da ascensão profissional é apenas o limite do talento de cada um”, “criação de valor”, tudo frases mil vezes repetidas mas que à luz de uma “abençoada crise” ganham necessariamente contornos de urgência e, atrevo-me a dizer, sobrevivência, que permitem passar a mensagem e executar o que se pretende com muito maior eficácia, e, no fundo, a mensagem subjacente a tudo isto é que duas coisas vão ter de mudar muito, tanto que até dói, a relação que todos (países, empresas, cidadãos) temos com o dinheiro, como o ganhamos, como o gastamos, como o distribuímos, de quanto precisamos mesmo, e os processos cada vez mais transparentes que permitam a ascensão do talento, e só mesmo do talento…e já agora que me perdoe o José, onde quer que me esteja a ler, pelo roubo do estilo para, saramagando, falar de crises…