Fidelidade: A transformação digital é o combustível
Dois anos de grandes mudanças reforçaram a capacidade de adaptação da Fidelidade.
Numa empresa com mais de 200 anos de história, a gestão da mudança assume uma importância vital. As disrupções dos anos mais recentes causaram profundas transformações na maneira de trabalhar, no papel dos líderes e na capacidade de adaptação das pessoas, mas a cultura da Fidelidade, enraizada há décadas na seguradora, manteve-se como linha orientadora para ultrapassar as dificuldades, mesmo nos períodos mais difíceis. João Bento Casimiro, responsável pela direcção de Operações e Procurement da Fidelidade, revela à Human Resources Portugal como tem sido gerir a mudança numa altura em que esta é uma constante.
Em pleno período de grandes transformações no mercado de trabalho, como tem sido fazer a gestão de todas as mudanças?
Não tem sido, por um lado, um processo fácil, dado que as mudanças que têm acontecido são bastante radicais e disruptivas face aquilo que era o passado e têm acontecido de uma forma muito rápida, mais rápida do que aquilo que estávamos habituados. Quando temos de garantir que este processo de mudança acontece em equipas grandes, como é o nosso caso, não é fácil.
Mas, por outro lado, acabou por ser mais fácil do que aquilo que pensaríamos. Se antes da pandemia nos falassem em fazer todas as mudanças que têm acontecido em tão curto espaço de tempo, teríamos dito ser impossível. No entanto, aconteceram com a capacidade de adaptação das pessoas e das empresas. Foi possível. Não simples, mas exequível.
Até que ponto os colaboradores estão a ser os motores destas mudanças?
Os colaboradores sempre foram, e continuam a ser, os motores das empresas e, por isso, qualquer mudança só acontece quando a mesma é incorporada e impulsionada pelos colaboradores. Os temas de motivação, comunicação e liderança continuam a ser dos principais focos dos artigos e livros de gestão, porque são essenciais para o funcionamento da empresa, porque são a forma de garantir que todos os colaboradores da empresa estão alinhados e motivados para seguir o rumo que está definido. Por isso, estas mudanças estão a acontecer e têm vindo a acontecer a um ritmo grande devido à capacidade de adaptação dos colaboradores das empresas, que têm permitido esta transição.
De que forma a transformação digital se está a relacionar com as mudanças que estão a ocorrer no mercado de trabalho?
Se os colaboradores são os motores destas mudanças, a transformação digital é o combustível. Conseguimos esta relativa facilidade e rapidez em mudarmos a forma de trabalhar quase de um dia para o outro graças à transformação digital que já vinha a ocorrer nas empresas e que acelerámos (com algum custo, é verdade) quando houve necessidade disso. É esta transformação digital que nos está a permitir trabalhar remotamente, fazer reuniões online, etc. Nem todas as empresas conseguem ter um impacto tão grande na forma de trabalhar, como é o caso de empresas industriais que necessitam de pessoas nas linhas de produção. Mas, genericamente, tem permitido um salto muito grande no mercado de trabalho.
Além disso, criou uma nova forma de olhar para o mercado de trabalho, que passou de ser maioritariamente local e geográfico, para ser global, com pessoas a trabalharem remotamente em qualquer parte do mundo.
Os novos modelos híbridos de trabalho constituem uma mudança efectiva ou ainda nos encontramos num processo de transição para outro modelo?
Isso não é fácil de prever e, com a mudança rápida que tivemos e que estamos a falar, até é arriscado estar a fazer previsões. Mas, naquilo que é a minha visão, acho que vieram para ficar. Ao longo do tempo poderão variar os modelos de trabalho híbrido (mais dias, menos dias, por semanas, o que for), mas o conceito está aceite. Claro que também variará de acordo com as equipas e tipos de trabalho que têm e não será aplicado transversalmente a todas as funções na empresa. Há funções que continuam a ser 100% presenciais e assim continuarão.
Um modelo de trabalho híbrido permite alguma flexibilidade na forma de trabalho, gerir melhor os tempos de deslocação, criar condições para maior concentração e foco quando assim é preciso e, ao mesmo tempo, não perder a ligação à equipa, aos colegas, à cultura da empresa. Na minha opinião é o modelo mais equilibrado para garantir todos estes pontos. E, por outro lado, continua a garantir uma grande flexibilidade para podermos ir para modelos 100% presenciais ou 100% remoto em caso de necessidades pontuais da empresa, sem grande disrupção.
Qual a reacção dos colaboradores a mudanças tão radicais como aquelas que a pandemia provocou depois destes dois anos?
A forma como, enquanto empresa e enquanto sociedade, conseguimos superar o período difícil de pandemia e confinamentos deve-se, acima de tudo, à forma como todos os colaboradores conseguiram adaptar-se a uma nova realidade e forma de trabalhar que até aí não tinha sido experimentada de forma tão rápida e drástica. E a reacção foi muito positiva. Perante a incerteza e algum medo com o que se estava a passar, conseguimos reagir e adaptar por completo as nossas vidas. Passar a um trabalho remoto sem nunca o termos feito, aprender a gerir e trabalhar remotamente com a casa cheia, desenrascar-nos com o que havia e tornava possível continuarmos a trabalhar.
Foi esta capacidade de reagirmos e de nos adaptarmos que permitiu manter a Fidelidade a funcionar e a dar resposta aos nossos clientes. Foi uma reacção de abertura e ajuda no que fosse preciso. Nos primeiros tempos tivemos de pedir a algumas pessoas para usarem os seus próprios computadores para poderem trabalhar, porque o stock que tínhamos e a incapacidade de resposta dos fabricantes não permitiam ter equipamentos para todos em pouco tempo. Tivemos de criar dois turnos de trabalho com horários diferenciados para não sobrecarregarmos a rede. Só para dar alguns exemplos. E a reacção dos colaboradores, de um modo geral, foi sempre positiva e de apoio às grandes alterações que estávamos a fazer para enfrentar a mudança, porque todos percebemos que só com um esforço conjunto conseguiríamos continuar a trabalhar.
Considera que os colaboradores estão actualmente mais preparados para grandes mudanças?
Sem dúvida que sim! Depois do “tratamento de choque” que tivemos, estamos mais preparados para as mudanças que possamos vir a ter. E, como já referi antes, este novo modelo de trabalho híbrido deixou-nos as ferramentas para podermos adaptar-nos e flexibilizarmo-nos mais rapidamente para aquilo que forem as exigências e mudanças que vierem a ocorrer. Já sabemos e temos a experiência de trabalhar em locais diferentes. Já temos a capacidade e a certeza de continuarmos a ser produtivos. Já temos as técnicas e ferramentas para mantermos o foco e a concentração, para socializarmos à distância e para mantermos o espírito de equipa.
Qual o papel da liderança no processo de mudança que temos vindo a atravessar?
A liderança da empresa e das equipas tem tido um papel de acompanhamento próximo, garantindo que as pessoas conseguem ter todos os meios de que precisam para serem eficientes e produtivas.
Confesso que, durante os confinamentos, não foi um papel fácil. Estando habituados a um estilo de gestão de pessoas 100% presencial, o passar para o remoto foi algo que alterou por completo a forma de gerir e liderar. Exigiu mais dos líderes: terem mais tempo e disponibilidade para estarem com as equipas, criarem momentos de ligação individual ou de grupo, perceber as necessidades das pessoas através de um ecrã… foi uma grande mudança e necessidade de adaptação.
Na Fidelidade, durante este período, sempre tivemos uma grande preocupação com o bem-estar físico e psicológico das nossas pessoas num ambiente adverso, e foi pedido aos líderes para procurarem perceber situações que necessitassem de ajuda. Mas fazê-lo através de um ecrã foi algo muito complicado e exigente.
Mas, acima de tudo, as lideranças têm tido um importante papel de fomento da mudança, das novas formas de trabalhar, de adaptação dos modelos de trabalho às novas realidades. Além da vontade e disponibilidade de todos os colaboradores, há a necessidade de adaptação da forma de trabalhar em equipa que é feito pelos líderes e que exige experimentação, tentativa e erro, procura da melhor solução para as diferentes pessoas e equipas.
Quais os factores a ter em consideração para que a mudança seja um motor e não um travão nos processos da empresa?
Comunicação, motivação e liderança. É uma tendência natural mantermo-nos no status quo que conhecemos e que dominamos e, por isso, afastarmo-nos da mudança. Mas é o facto de sairmos da nossa zona de conforto que nos faz crescer, descobrir coisas novas, novas formas de trabalhar, enfrentar e superar desafios diferentes. Ou seja, a mudança é uma realidade e, bem aceite, algo positivo.
Mas, para isso, é essencial uma correcta comunicação na empresa, garantir que a mensagem é passada a todos e compreendida, para que a mudança não seja um obstáculo ou bloqueio. Motivação, para que as equipas sintam que têm a capacidade de enfrentar e dar resposta às exigências que a mudança nos coloca, que temos as capacidades, individuais e como equipa, de sermos bem-sucedidos. E, finalmente, uma liderança que promova correctamente a comunicação e motivação, que demonstre capacidade de enfrentar desafios e que veja e incuta nas pessoas a mudança como algo positivo ou, no mínimo, algo natural que acontecerá na nossa vida profissional quer queiramos, quer não.
Como se motiva os colaboradores para uma mudança que inicialmente não é bem recebida?
Comunicando abertamente aquilo que se está a fazer ou que teremos de fazer. Quando usamos o termo “colaboradores”, acabamos por “esconder” que são pessoas, seres humanos. E, como pessoas que todos somos, queremos ser tratados com respeito, que nos informem do que tem e pode ser informado e que nos falem verdade. Acima de tudo, acho que este ponto é muito importante: falar a verdade. Dizer abertamente o porquê de a mudança estar a acontecer, o porquê de termos de fazer essa mudança, onde pretendemos chegar. E, também, quais são os riscos que essa mudança traz e, acima de tudo, quais os riscos que não mudarmos nos trará no futuro, enquanto empresa. Se formos claros e transparentes com os nossos colaboradores, se explicarmos a razão do que estamos e temos de fazer, essa motivação aparecerá de forma mais fácil, na maioria dos casos, porque ficará claro as razões e motivos para tal.
E o que fazer quando existe resistência à mudança?
Aceitar e gerir, é a primeira coisa a fazer. Aceitar que nem todos têm a mesma capacidade de resposta e de aceitação de mudança e, por isso, teremos de fazer um esforço adicional com essas pessoas. Gerir o que for possível, de modo que essa resistência possa ser incorporada no modo de funcionamento da equipa.
Pegando no exemplo do modelo de trabalho híbrido, temos pessoas em algumas equipas que pediram para continuarem a estar 100% presencial por não se adaptarem a trabalhar em casa. Desde que essa resistência ou dificuldade não ponha em causa o desempenho da equipa, não me parece haver problema.
Diferentes serão os casos em que essa resistência à mudança puser em causa o desempenho da equipa, dado ser necessário essa aceitação da mudança. Nessas situações, há que fazer um trabalho com essas pessoas para as ajudar a incorporar e aceitar essa mudança e, nas situações em que isso for claramente impossível, perceber de que forma essas pessoas poderão dar outro contributo na empresa.
As grandes mudanças que têm vindo a ocorrer tiveram influência na cultura e nos valores da Fidelidade?
Mais do que ter influência nos valores e cultura da empresa, diria que os reforçaram e promoveram. No caso da Fidelidade, os nossos valores e cultura estão bem enraizados na empresa e isso foi um dos factores de sucesso para conseguirmos responder de forma rápida e eficaz a todas as mudanças que aconteceram. O nosso propósito “Para que a vida não pare”, ajudou-nos a adaptar a forma de trabalhar, a encontrar outros métodos e formas de superar novos e inesperados desafios, para que os nossos clientes continuassem a ser atendidos e para que continuássemos a proteger quem mais precisa de nós.
Portanto, sim, tiveram influência porque reforçaram esses mesmos valores e deram-nos também cenários reais para os pôr em prática no nosso dia-a-dia, de uma forma como antes não tínhamos previsto.
Quais as condições que são essenciais para conseguir uma gestão de mudança com sucesso?
Acima de tudo, a mudança acontece com e pelas pessoas que trabalham na empresa. Por isso, a primeira coisa a fazer é garantir uma correcta comunicação dessa mudança e daquilo que se espera da empresa e dos seus colaboradores como resposta a essa mudança. Nessa comunicação, como já referi, é importante ser-se directo e verdadeiro, no sentido de explicar a todos o que está em causa e quais os riscos associados. E por vezes, também, assumir que perante a grandeza da mudança não temos 100% de certeza de estarmos a escolher o caminho certo e que poderemos ter de alterar a rota à medida que vamos experimentando e tendo mais informação.
Por fim, há que trabalhar com as equipas esse caminho de mudança, perceber as dificuldades, quais as pessoas que podem estar a ficar para trás, encontrar formas de as ajudarmos de modo que, em conjunto, consigamos fazer esse caminho. É um trabalho de acompanhamento constante das equipas e de serviço às nossas equipas, dispondo-nos a ajudar e a tomar as decisões que facilitarão uma mudança efectiva na empresa.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Gestão da Mudança” publicado na edição de Outubro (n.º 142) da Human Resources.
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