Transparência salarial – sonho ou pesadelo?
O tema da transparência salarial, em anúncios e processos de recrutamento, tem causado divisão entre organizações e candidatos. Naturalmente, há vantagens e desvantagens a considerar. Tendencialmente, as pessoas preferem uma maior transparência; enquanto as organizações – as do scetor privado, entenda-se – têm vindo a adoptar estratégias mais conservadoras na partilha da informação.
Por: Pedro Branco, director executivo da EGOR People & Change
Foi aprovada, em finais do mês de Março do corrente ano, uma directiva sobre transparência salarial em que as empresas ficam obrigadas a informar as tabelas salariais quando contratam, com a possibilidade de serem aplicadas coimas quando existir discriminação. Esta directiva teve por base questões relacionadas com a igualdade de género, mas terá impacto noutras dimensões. Os vários países membros terão três anos para a implementar, a contar da data de publicação.
Vantagens e desvantagens
Uma maior transparência promove uma maior tendência para a equidade salarial e estabelece fronteiras mais eficazes para a gestão de expectativas dos candidatos. Por outro lado, também provocará constrangimentos, na medida em que a organização poderia equacionar candidatos acima ou abaixo das faixas salariais definidas. Por exemplo, surgir um candidato mais disruptivo e improvável, poderá levar a uma redefinição da estratégia inicialmente cogitada, através de uma reorganização interna, como hipótese.
Um anúncio que identifique uma faixa salarial específica, atrairá candidatos com expectativas salariais alinhadas, poupando tempo a recrutadores e candidatos. Assim, seria também mais fácil atrair candidatos mais qualificados para cada posição. Mas esta situação também poderá funcionar como um entrave à negociação, levando, por exemplo, a que os candidatos (acima ou abaixo da faixa salarial) não queiram correr o risco de investirem tempo em processos de recrutamento mais improváveis.
Comunicar as faixas salariais reduz o tempo médio dos processos de recrutamento e selecção, na medida em que funciona como um inibidor de candidaturas por parte de pessoas com pretensões salariais desalinhadas. Não obstante, também fará com que a pressão para se recrutar talento exclusivo leve a uma competição excessiva, com aumentos salariais possivelmente acima do orçamento e, inclusivamente, do razoável.
Um exemplo prático: ao contratar-se uma pessoa de elevado desempenho por um valor salarial superior – em função do impacto positivo que terá num determinado contexto – se a organização tiver de aumentar todos os salários dessa categoria, poderá ter de optar por não contratar essa pessoa, perdendo competitividade. Nas organizações mais pequenas e/ou com negócios com rentabilidades mais modestas, o impacto é maior.
Resistência à mudança
O ser humano é, por natureza, resistente à mudança; pelo que, naturalmente, tem existido alguma resistência no tecido empresarial português para adoptar esta transparência. Uma das principais razões reside no facto de esta situação poder causar algum tipo de descontentamento nos trabalhadores. A procura súbita e excepcional de um determinado perfil no mercado, a negociação excepcional de perfis de alto desempenho, entre outros situações, poderá levar a algum tipo de desalinhamento – sem qualquer discriminação associada.
A transparência é importante e inevitável, mas há que acautelar a flexibilidade necessária à sustentabilidade financeira das organizações e dos negócios. Como em tudo na vida, há que haver bom senso, procurando garantir a felicidade das pessoas – nas suas mais variadas dimensões – sem descurar a sustentabilidade das organizações, para que estas possam continuar a cuidar das suas pessoas.