
Direito ao Essencial. Teletrabalho: regras, direitos e deveres
No destaque de hoje do “Direito ao Essencial”, Inês Arruda, sócia da Pérez-Llorca foca-se nas regras actualizações recentes do teletrabalho. A nova rubrica da Human Resources, em parceria com a sociedade de advogados, tem como objectivo descomplicar os conceitos jurídicos que todos os profissionais de gestão de Recursos Humanos devem saber. Sem floreados, directo ao ponto.
Por Inês Arruda, sócia da Pérez-Llorca
O teletrabalho consolidou-se como uma forma legítima e estável de prestação laboral, exigindo regras claras quanto a direitos, deveres e garantias de ambas as partes.
Noção e âmbito
Teletrabalho é a prestação de trabalho subordinado fora do local determinado pelo empregador, com recurso a tecnologias de informação e comunicação.
Acordo de teletrabalho
Depende sempre de acordo escrito, podendo integrar o contrato inicial ou ser autónomo.
O acordo deve definir:
- local de trabalho, horário, retribuição, propriedade dos equipamentos e forma de contacto presencial.
- regime de permanência ou alternância entre trabalho presencial e à distância.
A recusa do trabalhador não carece de justificação nem pode fundamentar sanção.
Se a função for compatível, a recusa do empregador deve ser fundamentada por escrito (o Anteprojecto do Código do Trabalho prevê uma alteração a este regime).
Direito ao teletrabalho
O trabalhador tem direito a exercer em teletrabalho quando:
- A actividade o permite e as condições técnicas o possibilitam;
- Seja pai/mãe de criança até 3 anos (ou até 8, em casos específicos);
- Viva com filho com deficiência, doença crónica ou oncológica;
- Tenha estatuto de cuidador informal não principal (até 4 anos).
- O empregador não pode opor-se, salvo se demonstrar exigências imperiosas do funcionamento da empresa.
Duração e cessação
- Pode ter duração determinada (até 6 meses, renovável) ou indeterminada.
- Qualquer parte pode cessar o acordo mediante aviso escrito com 60 dias de antecedência.
- Cessando o regime, o trabalhador retoma o trabalho presencial com manutenção integral de direitos.
Equipamentos e despesas
Responsabilidade do empregador: fornecer os equipamentos e sistemas necessários.
Compensação obrigatória por despesas adicionais (energia, internet, manutenção).
A compensação não constitui rendimento tributável até ao limite definido pela Portaria n.º 292-A/2023.
Igualdade de direitos e controlo
O trabalhador em teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres que os trabalhadores presenciais.
Reuniões e tarefas devem ocorrer dentro do horário de trabalho, preferencialmente com 24h de aviso.
O trabalhador pode ser convocado presencialmente, com custos de deslocação pagos. O controlo deve respeitar a privacidade e proporcionalidade, sendo proibida a vigilância contínua por imagem ou som.
Deveres especiais
Do empregador:
- informar sobre sistemas de controlo;
- respeitar períodos de descanso;
- promover contactos presenciais periódicos;
- garantir manutenção dos equipamentos.
Do trabalhador:
- reportar avarias;
- cumprir regras de segurança da informação;
- respeitar restrições de uso pessoal dos equipamentos.
Privacidade
- Deve ser respeitada a vida privada e familiar do trabalhador.
- Visitas ao domicílio exigem aviso prévio (24h) e consentimento.
- É proibida a captação de imagem, som ou histórico digital.
Segurança e saúde
- Proibido teletrabalho em actividades com substâncias perigosas (salvo instalações certificadas).
- O empregador deve garantir avaliações de saúde antes e durante o teletrabalho.
- Os acidentes de trabalho estão cobertos, considerando-se local o domicílio habitual de trabalho.
Fiscalização
- Compete à ACT fiscalizar o cumprimento do regime.
- Visitas inspectivas ao domicílio exigem anuência do trabalhador e aviso mínimo de 48 horas.
Nota prática
O actual regime de teletrabalho reforça a protecção da privacidade, o direito à desconexão e a igualdade de condições face ao trabalho presencial, mas impõe também maior formalização contratual e obrigações técnicas e financeiras para o empregador.
O equilíbrio entre flexibilidade organizacional e garantia de direitos fundamentais é o eixo central do modelo português de teletrabalho.