A “flexibilidade responsável” como nova forma de organização do trabalho

Robótica e Inteligência Artificial já não são ficção. O tema está na ordem do dia e as empresas um pouco por todo o mundo investem e preparam-se para o que vêm denominando de quarta revolução industrial. Parece que esta transformação está tão iminente que mal nos dará tempo para pensarmos sobre ela. Será que estamos preparados?

 

Por Joana Enes, advogada na CCA Ontier

 

O tema é tão desafiante quanto preocupante, sobretudo considerando a prevista automatização e inevitável perda de postos de trabalho. Vamos ficar sem trabalho? Vão surgir novas profissões? Ou apenas reduziremos as tradicionais 40 horas de trabalho semanal? Vamos todos auferir o chamado Rendimento Básico Universal? Vamos entrar em depressão? Ou vamos ser mais felizes por termos mais tempo para o lazer, para a família, para explorar outros interesses, para sermos mais solidários e melhores cidadãos?

Estamos preparados? Diria que (ainda) não.

No que se refere à forma como trabalhamos, o impacto de tal transformação é incontestável. Hoje, aliás, o conceito de “tempos de trabalho” já começa a ser diferente. Se pensarmos na utilização que voluntariamente fazemos, quase permanente, dos smartphones, somos obrigados a concluir que o conceito de “tempo de trabalho”, sobretudo em determinadas áreas de atividade, não se coaduna já com o tradicional “tempo de trabalho” conforme se encontra regulado pelo nosso Código do Trabalho.

Esta utilização tornou menos clara a tradicional fronteira entre os “tempos de trabalho” e os “tempos de lazer”. Julgo que esta realidade já não tem retorno. Desejámos que assim fosse, mas é agora necessário redefinir novas formas/ modelos de trabalho, sobretudo novas formas de flexibilidade na organização dos tempos de trabalho.

A flexibilidade do trabalho, já presente nos diferentes países da União Europeia (UE), tem sido usualmente definida como um regime atípico. Não obstante, a flexibilidade no trabalho tem vindo a assumir uma cada vez maior relevância e tal acontece precisamente em face das necessidades de um mercado cada vez mais global e evoluído, mais exigente e mais competitivo.

Sendo uma prerrogativa do empregador, tem tido abordagens diferentes nos países da UE. Se em alguns destes países é o empregador quem decide e controla os tempos de trabalho, noutros esse controlo já é feito pelos próprios trabalhadores.

Julgo que será esta a tendência, ou seja, que a flexibilidade passe a ser uma prerrogativa do trabalhador, capaz de decidir e de regular o seu tempo de trabalho. Cada vez mais, com o avanço das novas tecnologias, só o trabalhador terá condições para decidir e controlar os seus tempos de trabalho.

E talvez só assim seja possível atingir o equilíbrio entre as novas necessidades que o mercado vai impondo aos empregadores e a inerente “diferente” disponibilidade que atualmente já vai sendo exigida aos trabalhadores, que se pretendem sãos, produtivos e motivados.

A flexibilidade do trabalho, embora possa adotar várias formas, tenderia assim a ser “única” no sentido de englobar a flexibilidade por motivos da parentalidade ou outros no interesse/ proteção do trabalhador e a flexibilidade como forma de melhor organização e/ou funcionamento do empregador.

Assim delineada, controlada pelos próprios trabalhadores e de modo responsável, a flexibilidade permitiria uma maior Igualdade de Género no trabalho, com menor discriminação e ainda a possibilidade de melhor conciliação entre a vida pessoal e a vida profissional.

Para que tal aconteça, é naturalmente necessário que os trabalhadores sejam “educados” desde cedo para a flexibilidade, sobretudo para que sejam capazes de decidir e controlar o seu próprio tempo de trabalho de forma responsável, considerando os interesses do empregador, o que implicará uma necessária transformação estrutural dos conteúdos educativos.

Acredito que a flexibilidade responsável poderá ser uma das formas de reagir positivamente aos novos desafios da iminente era da inteligência artificial.

Acredito, ainda, que futuramente os trabalhadores terão uma maior responsabilidade na execução do seu trabalho; uma maior capacidade de adaptação e assunção de novas funções e novas formas de organização do trabalho; uma maior iniciativa na procura de trabalho (ou trabalhos) ou até na busca e criação do seu próprio emprego ou negócio (empreendedorismo), apenas compatíveis com uma flexibilidade responsável.

Tal revolução transfere para os trabalhadores o ónus de encontrar de forma permanente e proativa o(s) seu(s) lugar(es) no mercado de trabalho, o que lhes traz, como trabalhadores e cidadãos, uma melhor consciência do que somos, do que fazemos e para onde vamos.

Seremos capazes de reagir de forma positiva?

Texto escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor desde 2009.

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