A perversidade da circularidade lógica: Não digitalizar para não falhar – falhar por não digitalizar

Recentemente li um artigo de John Sullivan[1] que nos apresenta, na sua análise, onde está a falhar a Gestão de Pessoas. Arruma essas áreas de debilidade em oito grandes grupos, e com todas me encontro de acordo, mas três delas parecem-me críticas e que aqui se refletem à luz da digitalização da área.

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

A gestão de Pessoas ainda não conseguiu um posicionamento estratégico – Um dos equívocos mais frequentes na transição para a gestão digital de pessoas é a subestimação do papel estratégico da área – e não é só por questões de valor do trabalho realizado. Algumas organizações, até integram sistemas digitais (por exemplo, o e-recrutiment será talvez um dos melhores, ou mais disseminados, exemplos), mas focam-se principalmente na automação dos processos, das rotinas, negligenciando o potencial valor estratégico dessas iniciativas. Talvez seja uma questão de argumentação, de posicionamento, mas será talvez hora de o gestor de pessoas saber apresentar (antes disso, entender), o valor que esse processo aporta à concretização da estratégia do negócio. Mobilizar, a par das competências de gestão estratégica, competências de “analytics” pode ser um requisito importante ao gestor de pessoas do futuro. A digitalização oferece ferramentas para a análise de dados, previsão de tendências e personalização de estratégias de RH, e ignorar esse potencial estratégico é um erro que pode comprometer a competitividade e a adaptabilidade da organização.

Apesar de todo o esforço, em muitas organizações (e equipas de gestão), a gestão de pessoas ainda é uma “área menor” – Relacionado com o ponto anterior, a perceção dos colaboradores em relação à transição digital da gestão de pessoas, ainda é “menor” e pouco prioritária – porque não é determinante para o negócio – mas pode, e deve, sê-lo. Mesmo com esforços consideráveis para melhorar a eficiência e a transparência, a desconfiança persiste, o que pode relacionar-se com falta de comunicação efetiva sobre mudanças, culturas organizacionais mais tradicionais, resistência à adoção de novas tecnologias ou mesmo falhas na implementação de sistemas de segurança de dados. Para mitigar essa desconfiança, as organizações devem investir não apenas na infraestrutura tecnológica, mas também na capacitação e comunicação efetiva. Comunicar que as mudanças poderão trazer benefícios ao ambiente de trabalho e/ou à produtividade, talvez deva ser uma prioridade do gestor de pessoas, que tantas vezes “fecha no gabinete” este esforço e depois o apresenta como “agora é assim”.

É certo que o desenvolvimento e a aprendizagem deverão ser entendidos como variáveis constantes, e prioridades, da gestão de pessoas – A digitalização da gestão de pessoas facilita e promove o desenvolvimento individualizado e coletivo, mas pode resultar em falhas dispendiosas. A falta de fit entre as necessidades da empresa, percebidas pelas pessoas, e os planos de desenvolvimento, assim como a ausência de avaliação dos mesmos, pode conduzir a investimentos significativos sem o retorno desejado. Adotar uma abordagem estratégica para os esforços de desenvolvimento, é crucial para a gestão de pessoas, o que deve incluir a identificação precisa das competências necessárias, a implementação de programas flexíveis e a avaliação constante do impacto nas metas da organização. Claro que neste campo a digitalização da formação pode ser o fator diferenciador.

A revolução digital é transversal a todos os setores e está a transformar a forma como as organizações gerem as suas pessoas, trazendo benefícios, desde a eficiência operacional até a melhoria na tomada de decisões estratégicas, mas também enormes desafios. Destacando a tautologia implícita no processo, deixa-se o alerta: com receio de cometer erros na transição digital, resiste-se à mudança, mas a resistência à digitalização pode, ela própria, resultar em erros, perpetuando um ciclo estagnação.

[1] https://www.linkedin.com/in/dr-john-sullivan/

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