A saúde dos colaboradores é prioridade número um para os executivos, revela Global Talent Trends 2020. Mas dois em cada três colaboradores sente o risco de burnout

Reforço da flexibilidade, reinvenção de carreiras, promoção e aquisição de novas competências e incentivo à adopção de políticas de compensação de acordo com as competências. Estas são algumas das tendências identificadas na sexta edição do “Global Talent Trends”, estudo da responsabilidade da Mercer. Falámos com Paulo Fradinho, business leader da Mercer Marsh Benefits, sobre as principais conclusões.

Por Sandra M. Pinto

 

De acordo com o “Global Talent Trends” outra das principais prioridades das empresas portuguesas para 2021 são os modelos de trabalho remoto, destaca Paulo Fradinho. «Com a imposição e adopção sustentável do trabalho remoto, as expectativas e necessidades dos colaboradores mudaram, mas também novos riscos surgiram no que toca à segurança física e mental dos colaboradores».

 

O mundo dos benefícios extrassalariais está a mudar?
A crise resultante da pandemia é um tema de saúde pública, as pessoas estão no epicentro, talvez por este motivo a maior parte das empresas teve como prioridade a saúde e bem-estar das pessoas, depois repensaram as suas operações e agora

estamos num momento crítico de agilidade, mudança e reposicionamento para aquilo que cada organização considera ser o “novo normal”. Cada vez mais líderes compreendem a interdependência entre a resiliência e bem-estar das pessoas com a resiliência e desempenho do negócio. A velha abordagem fazia esta ligação pelo salário e pouco mais. Hoje ganha força o conceito de salário emocional, tudo aquilo que as pessoas recebem em cima do salário e que mostra que as empresas se preocupam com elas, incluindo os benefícios, que têm um papel diferenciador na compensação total, através da resposta a necessidades individuais. Os novos planos de benefícios, ou a profunda renovação da prática anterior, estabelecem um novo paradigma mais holístico: são orientados para responder a necessidades de saúde física, emocional, financeira e social ou de estilo de vida, respeito a individualidade de cada pessoa, não se limitam a critérios fiscais e são uma experiência intuitiva, acessível e combinam o humano com o digital. Nestes planos surgem novos benefícios orientados parta a saúde mental, segurança financeira, trabalho remoto, mobilidade e serviços ligados ao lazer, entretimento ou estilo de vida, tudo suportado por uma experiência digital e intuitiva, centrada no colaborador.

 

De que forma o modelo de trabalho remoto influenciou a essa mudança?
Com a imposição e adopção sustentável do trabalho remoto, as expectativas e necessidades dos colaboradores mudaram, mas também novos riscos surgiram no que toca à segurança física e mental dos colaboradores. Nesse sentido, podemos observar um crescimento da disponibilização de benefícios de saúde, de bem-estar, de flexibilidade, de forma a promover o bem-estar, engagement e motivação dos colaboradores num contexto desafiante para o negócio, e a colmatar alguns desses riscos. O contexto da pandemia veio acentuar algumas tendências anteriores à Covid-19, tal como o número de planos de benefícios flexíveis – planos onde o colaborador escolhe os seus benefícios dentro de um valor e opções disponibilizados pela empresa. Estes planos flexíveis são agora um em cada três planos, no universo das empresas que participam no Total Remuneration Survey da Mercer. Ao abrigo destes planos, estão a crescer significativamente as opções de ferramentas de trabalho remoto, como os gadgets, ecrãs, cadeiras e pacotes de voz e dados, bem como benefícios que apoiam a resiliência, incluindo horários flexíveis, redução de horários, sabáticas, fitness online, mindfullness, entre outros.

 

O que os profissionais verdadeiramente valorizam?
O nosso estudo Global Talent Trends 2020-2021 destaca algumas tendências nas preferências dos colaboradores, nomeadamente 50% dos colaboradores pretende trabalhar para uma organização com práticas de compensação responsável, alinhada com sustentabilidade ambiental, social e de governance. Como as maiores barreiras para a mudança e transformação são as prioridades múltiplas (47% dos casos) e exaustão das pessoas (45% dos casos), dois em cada três colaboradores sente o risco de burnout, por este motivo 49% dos inquiridos prefere trabalhar para uma organização que protege a saúde e bem-estar financeiro dos seus colaborares. Finalmente, 37% sentem-se motivados por valores corporativos fortes, missão e propósito.
Os colaboradores valorizam a escolha, porque só assim conseguem benefícios que respondem às suas necessidades e preferência individuais, também apreciam a facilidade de utilização – com crescente digitalização e uma experiência consumer grade bem como um serviço de apoio e aconselhamento conjugado com comunicação simples e clara sobre as características dos benefícios, vantagens para si e procedimentos de adesão.

 

E é isso que as empresas têm para lhes oferecer?
A aposta a curto prazo das organizações tem-se prendido, principalmente, e nos temas de bem-estar físico e psicológico, e na promoção de um sentimento de propósito (reforço de cultura). Adicionalmente, muitas organizações têm optado pela condução de estudos de engagement para identificar as áreas de melhoria e definir iniciativas mais alinhadas com as expectativas das suas pessoas.
Apesar do actual contexto, o mercado pelo talento está vivo, sobretudo por pessoas com as competências mais procuradas. Por esta razão, há uma correlação entre as melhores práticas de benefícios e os sectores com melhor desempenho e maior necessidade de atracção e retenção: IT/Tech, Saúde e Farma, Serviços Profissionais, seguido por retalho especializado. No extremo mais conservador estão áreas como serviços financeiros, banca, seguros, retalho indústria, hotelaria e PME’s. Há também situações híbridas, onde a empresa tem uma prática mais generosa para determinados grupos profissionais ou com o topo da organização face aos restantes colaboradores.
A prática de mercado actual, de acordo com o Survey Total Compensation, em matéria de benefícios pode ser dividida entre as empresas que estão à frente na curva e que oferecem a possibilidade de escolha dos benefícios para responder a necessidades e preferências pessoais, das restantes empresas que oferecem benefícios de “tamanho único”, sem escolha e as empresas que ainda acreditam no “cash is king” e ficam pelo salário. Este último grupo ainda representa cerca de dois terços dos participantes, onde se sente cada vez mais o desafio interno de não responder eficientemente a necessidades das pessoas, perda de competitividade de mercado da proposta de valor de total rewards porque têm um prática de benefícios incipiente e impacto negativo no employer brand, nas percepções de inovação, voz do colaborador, empowerment e orientação para o bem-estar das pessoas.

 

Quais os benefícios que as empresas hoje mais tendem a oferecer?
Os modelos de trabalho flexível (trabalho remoto, horário customizado, horário flexível, entre outros) têm sido transversalmente apontamos como a grande aposta no portefólio de benefícios das organizações. No entanto, estes passam a ser percepcionados e reconhecidos pelos colaboradores enquanto a nova forma de trabalhar, cada vez mais orgânicas e naturais na cultura organizacional e cada vez menos como benefícios diferenciadores face ao contexto que vivemos. Neste sentido, as organizações que não estão a apostar nesta evolução das formas de trabalho poderão perder a sua atractividade perante aquelas que tenham investido na respectiva introdução sustentável.
Paralelamente, outros benefícios têm vindo a ser adoptados de forma a promover o bem-estar dos colaboradores, nomeadamente, os programas de assistência ao colaborador que incluem apoio psicológico, financeiro e legal; a adopção de planos de saúde mais completos e que abrangem também o agregado familiar; a aposta em seguros de vida e/ou em plano de reformas, entre outros.
Em matéria de oferta, os benefícios mais comuns são os seguros de saúde, vida e acidentes pessoais, os planos de reforma, poupança e investimento, a viatura e mobilidade, incluindo o passe social, apoio a estudos e desenvolvimento, escolas e creches, fitness, tempo de descanso adicional, horários flexíveis e equipamentos tecnológicas.
Desde o ano passado que as empresas aumentaram os seus investimentos em benefícios ligados ao bem-estar e saúde mental, como os check ups, sessões de aconselhamento virtual, apoio via plano de assistência ao colaborador, apps de bem-estar e planos de bem-estar financeiro. Para 2021 e futuro, esperamos um alargamento dos planos que permitem a escolha do colaborador via plataforma digital – planos flex e uma ligação mais forte entre as opções que a empresa oferece e os determinantes de bem-estar físico, financeiro, emocional e social, como reflexo de lideranças mais centradas nas pessoas e de um capitalismo multi stakeholder.

 

Com o regresso a uma certa normalidade e num futuro próximo quais são as tendências que identificam relativamente a este tema?
Talvez seja mais prudente falarmos do surgimento de uma nova realidade (em vez de um regresso à normalidade), com paradigmas diferentes tanto nas formas de trabalhar, como nas expectativas dos colaboradores. A realidade é que a perceção do trabalho (onde, quando, como) mudou, quando a pandemia invadiu os nossos locais de trabalho, transpondo-os para as nossas salas, cozinhas e quartos. Trabalhar de forma flexível deixou de ser um tabu para muitos líderes, colaboradores e organizações. E nesse sentido, de acordo com o estudo Flexible Work 2020 da Mercer, prevê-se que, em Portugal, até ao final de 2021, cerca de 82% das organizações disponibilizem a modalidade de horário flexível, 50% introduzam modelos de trabalho híbrido (remoto e físico), e 60% acomodem o trabalho remoto ad hoc (pontualmente perante necessidades pessoais).


Está a saúde no topo das prioridades?

O Global Talent Trends 2020 destaca a saúde dos colaboradores como a prioridade número um dos executivos, perante uma realidade em que dois em cada três colaboradores acreditam estar em risco de burn out.
As empresas mantiveram ou reforçaram os benefícios de saúde em 2020, de forma a manter a opção de recurso à medicina privada, com uma procura crescente por seguradoras com mais capacidades digitais de serviço, medicina online, inclusão de psicologia nos planos de coberturas, reforço de capitais para maior proteção – por exemplo, na oncologia e doenças graves e possibilidade de upgrade individual das garantias.
A par destas tendências no seguro de saúde, que tem ainda limitações na vertente de saúde mental, as empresas começam a apostar cada vez mais nos planos de assistência ao colaborador (EAP), que incluem apoio psicológico, serviços de concierge, nutrição, sessões online para o colaborador e agregado familiar.

 

Apenas dos colaboradores ou também por parte das empresas?
Perante os riscos de burnout e de segurança psicológica, 61% dos colaboradores confiam no seu empregador para cuidar da sua saúde e bem-estar. E nesse sentido, é uma expectativa dos colaboradores que a sua organização esteja atenta e promova o seu bem-estar e saúde.
Paralelamente, o estudo Global Talent Trends 2020 da Mercer aponta para o compromisso das organizações (70%) na implementação de programas de well-being (mental, físico, financeiro e social) em 2021. Na verdade, desde o início do ano a disponibilização de Programas de Assistência ao Colaborador têm crescido. No entanto, apenas 26% das organizações disponibilizam seguros de saúde às suas pessoas, apenas uma em cinco organizações têm targets relacionados com a saúde e bem-estar dos colaboradores, e apenas 29% das lideranças de Recursos Humanos têm uma estratégia de saúde e bem-estar definida.

Que desafios se colocam às organizações relativamente a este tema?
No contexto actual, o desenho de uma proposta sólida de benefícios extrassalariais, de flexibilidade, de bem-estar e saúde, é essencial para reter, atrair e motivar as pessoas.
Um dos desafios que as organizações enfrentam é a gestão de prioridades. Com o contexto actual, as necessidades e expectativas dos colaboradores mudaram rapidamente, não dando tempo às empresas para ajustarem e adaptarem a sua proposta de valor. Nesse sentido, questões sobre “por onde começar?” ou “como fazê-lo?” têm surgido. Enquanto as tendências de mercado e os estudos de engagement permitem dar respostas à primeira questão, uma vez que ajudam na identificação de áreas prioritárias a melhorar; a segunda questão poderá ser mais complexa de responder, dependendo do know-how e capacidade de resposta da Organização nos diferentes temas. Nesse sentido, as organizações têm optado por consultar ajuda externa especializada, de forma a terem apoio na co-construção da nova proposta de valor para responder a estas novas necessidades e expectativas.
A saúde mental, que em muitas organizações era considerada um tema tabu até ao início de 2020, é agora uma prioridade para a maioria dos executivos. A forma como as organizações abordam este tema pode, no entanto ser diferente – algumas focam-se na sua prevenção (e.g. através da formação, apoio psicológico e flexibilidade), outras apenas se focam no tratamento (e.g. seguro de saúde e de vida), enquanto outras têm uma estratégia integrada. Mas mesmo quando os benefícios existem, as organizações precisam garantir que os mesmos são comunicados e compreendidos pelos colaboradores, são fáceis de acionar, e que a própria liderança é promotora deste mindset de saúde e bem-estar na organização.
Ainda encontramos no mercado de trabalho várias gerações, com prioridades e preferências diferentes. O modelo “one size fits all” já não se adequa à maioria das organizações. Nesse sentido, mapear as personas que encontramos na nossa organização poderá desempenar um papel-chave no desenho da nova proposta de valor, que acomode estes benefícios extrassalariais.
No que toca aos temas de trabalho flexível, o desenho de uma política sustentável e alicerçada na cultura organizacional deverá começar por um diagnóstico que permita identificar não só os modelos possíveis, como também os desejados pelos colaboradores. Tal abordagem permite direccionar o investimento em iniciativas valorizadas pelas pessoas, fomentado posteriormente a sua adopção sustentável. Por outro lado, uma vez que muitas organizações tiveram os seus colaboradores a trabalhar remotamente de forma imposta, encontram-se no que chamamos de “encruzilhada da flexibilidade”, ou seja, com dúvidas se deverão investir numa política sustentável, se deverão manter as coisas como estavam antes da pandemia ou se se devem inspirar/ replicar modelos que funcionem bem em empresas de referência.
No entanto, para que os benefícios extrassalariais possam ser compreendidos e vivenciados por todos os colaboradores, há elementos que não devemos descurar – o alinhamento da liderança, a comunicação para todos os colaboradores, flexibilidade através de escolha individual e a ritualização de novos comportamentos.

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