A semana de quatro dias de trabalho: do projecto-tipo à possível implementação
Por Filipe Isidro Ferreira, Dower Law Firm
Se há premissa que tem servido como “pedra de toque” no âmbito das mais recentes alterações ao universo da relação laboral é que toda a mudança é possível, mesmo que tal implique uma reformulação substancial dos usos e modelos de trabalho já enraizados nas empresas.
No entanto, toda a alteração requer um estudo aprofundado, complementado por uma experimentação temporal e avaliação de riscos e benefícios, por forma a culminar na convicção sustentada de que tal mudança é (ou não) benéfica para ambas as partes: Empregador e Trabalhador.
Ora, essa elementar função foi desenvolvida no âmbito do Projecto-Piloto “Semana de Quatro Dias”, mediante iniciativa política do Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social do XXIII Governo Português, cujos efeitos foram recentemente conhecidos através da divulgação dos resultados do estudo que envolveu diversas empresas e organizações que adotaram o referido modelo.
Em causa está, sumariamente, a redução da jornada de trabalho de cinco para quatro dias, comportando reduções ao nível do tempo de trabalho semanal, sem implicações salariais e sem qualquer contrapartida financeira do Estado.
Expectável ou não, mais de 80% das empresas que se submeteram ao regime da semana de quatro dias decidiram dar continuidade ao modelo, manifestando, assim, os efeitos positivos na sua implementação, estimulando a inovação para as restantes empresas. Paralelamente, do lado dos trabalhadores, a experiência foi ainda mais impactante, sendo mais de 90% aqueles que expressaram a sua vontade na manutenção do regime, maioritariamente pelo benefício de conciliação entre a vida profissional e familiar.
Na verdade, o relatório divulga que a maioria das “empresas-teste” não registaram mais custos, sendo que uma parte significativa apresentou lucros, sem que a experimentação comportasse qualquer apoio financeiro do Estado ou redução salarial dos trabalhadores. Ademais, os benefícios verificados não se esgotaram nas repercussões contabilísticas das empresas, sendo extensível ao nível da produtividade e bem-estar dos trabalhadores.
Contudo, e para os mais cépticos, justificadamente se poderá indagar acerca das formas de implementação do regime da jornada diminuída, assim como as principais vantagens ou incontornáveis riscos comportados pelo mesmo. Isso sim, já expectável, a própria natureza modificativa e o desconhecimento generalizado da medida, serão sempre o primeiro obstáculo a contornar, não obstante a mudança envolver uma reorganização considerável da forma de trabalhar.
Como principais vantagens do modelo em estudo destacam-se o aumento da produtividade fruto da concentração dos serviços, assim como o incremento da atractividade dos empregadores no mercado de trabalho, o que acresce, naturalmente, à diminuição de custos com despesas diárias das empresas (água, luz, telefone, material expediente).
Do lado dos trabalhadores, e para além da conciliação com a vida familiar, foi notória a redução do absentismo, a diminuição do impacto na saúde mental (como o desgaste e a exaustão) e a incontornável flexibilidade na realização de tarefas domésticas ou pessoais.
Do lado oposto da balança (desnivelada), surgem as questões relacionadas com a exigência de maior carga de trabalho nos dias úteis, a dificuldade em gerir eventuais faltas dos trabalhadores, e, principalmente, a falta de enquadramento legal deste novo formato de trabalho: limites máximos às horas de trabalho, recurso desmedido à prestação de trabalho suplementar e as eventuais implicações no apuramento de valores que comportem a efetiva prestação de trabalho, como o exemplo do subsídio de alimentação.
Ainda neste âmbito, não se poderão desconsiderar as empresas cuja adaptabilidade à jornada diminuída ficará, desde logo, obstaculizada pela obrigatoriedade de prestação diária de serviços, exigindo uma radical mudança ao nível logístico, operacional e produtivo que não passa “apenas” por uma reformulação sobre a forma de trabalhar, manifestando assim uma alteração impraticável ou um risco que essas empresas ainda não se demonstram disponíveis a testar.
Os resultados do estudo, ainda que experimentais, revelam incontornáveis benefícios do regime da jornada diminuída. Resta, agora, saber se, por um lado, será este efetivamente o ponto de partida para a sua implementação, e, por outro, quais os efeitos que lhe estarão associados a longo prazo.
Para isso, e desconsiderando a adesão natural por parte das empresas, o regime dos quatro dias de trabalho demonstra-se como um desafio à altura do legislador, incumbindo-lhe a intimidante função de complementar a falta de enquadramento legal adstrito ao regime.
Nesse seguimento, e tal como revela o estudo, de forma conciliada com a adoção do regime, poderá estar o papel fundamental do Estado como principal instigador da medida, nomeadamente através da concessão de incentivos fiscais às empresas ou libertação de algumas obrigações burocráticas.
De uma forma ou de outra, acreditamos essencialmente que esta medida é mais do que uma mera promoção do bem-estar dos trabalhadores, sendo que a sua implementação, numa fase introdutória, ficará sempre à escolha do Empregador, sem prejuízo de se revelar de tal forma aliciante que este último, voluntariamente, ceda à sua concretização.