A tecnologia pode ajudar a melhorar a produtividade em Portugal, mas não chega, alertam Isabel Moisés (Secil) e Ana Rita Lopes (Delta Cafés)

Na 26.ª Conferência Human Resources Portugal, que se realizou ontem, dia 24 de Outubro, no Museu do Oriente, em Lisboa, a mesa-debate “Pode a inteligência artificial (IA) ser a resposta à baixa produtividade?” concluiu que é necessário endereçar os vários factores que contribuem para a baixa produtividade do País. A visão a longo prazo é uma das mudanças urgentes.

Foto NC Produções

 

Este momento da conferência contou com a presença de Ana Rita Lopes, directora de Recursos Humanos da Delta Cafés, e Isabel Moisés, directora de Recursos Humanos do Grupo Secil, que debateram o tema com a moderação de Joana Queiroz Ribeiro, directora de Pessoas e Organização da Fidelidade.

Segundo dados da Eurostat, Portugal é um dos países da União Europeia (UE) com a produtividade mais baixa — quase um terço quando comparado a países como a Irlanda ou a Noruega. Neste sentido, Joana Queiroz Ribeiro começou por lembrar que «este tem sido um problema difícil de ultrapassar, e podemos dizer que, desde 2011, o ponteiro não mexeu». No entanto, nos últimos 10 anos, houve grandes transformações no mundo do trabalho, na adopção de novas tecnologias e na automação de processos.

Isabel Moisés considera que, no que diz respeito à produtividade, «andamos em círculos, independentemente de existirem avanços. Mas é claro que estes não são suficientes em quantidade, nem são pensados com a estrutura, visão e estratégia de que eventualmente precisamos para sair deste loop.» A directora de Recursos Humanos do Grupo Secil acrescenta que «somos impactados pela digitalização, pela tecnologia e pelos dilemas sobre a complementaridade ou integração da inteligência artificial. Temos, em Portugal, um tecido económico-social com uma enorme diversidade e muitas velocidades que não têm nem a escala, nem o impacto necessário para sair destes níveis de produtividade.»

Esta é, portanto, uma das razões: «Um ecossistema com vários elementos, entre eles a tecnologia, a educação, o estilo de liderança, a qualidade dos gestores e da mão-de-obra, a organização do trabalho, o investimento necessário para fazer uma transformação que não ocorre em cinco anos, mas sim num plano estratégico de mais de 20 anos… Estes elementos, se forem equacionados ao mesmo tempo, com visão e por todos os agentes económico-sociais, poderão levar a que o nosso país, em 10 ou 20 anos, possa estar numa posição diferente.»

Ana Rita Lopes concorda com esta ideia e acrescenta que «se pensarmos que a produtividade é a relação entre a produção de bens e serviços e os recursos que pomos à disposição para essa produção, todos estes factores acabam por influenciar. É preciso olhar para o conjunto e não para um factor isolado. Além disso, não podemos ter uma visão de curto prazo e desistir ao primeiro obstáculo. É necessário haver uma visão de longo prazo e consistência na forma como abordamos estes factores. Não esqueçamos a carga fiscal, outro factor que influencia a produtividade, ao inibir o investimento tecnológico ou a inovação nas empresas.»

Joana Queiroz Ribeiro trouxe à conversa também o tema da felicidade no trabalho e a importância que esta tem para os colaboradores, bem como o well-being. Ana Rita Lopes considera que «quando estamos comprometidos, fazemos tudo de uma forma muito mais leve e espontânea; fazemos por dedicação e não por obrigação. Isto é igual na nossa vida pessoal ou profissional. Assim, se tivermos um ambiente de trabalho que nos proporcione bem-estar e segurança, os colaboradores podem sentir outro envolvimento e outra forma de estar na organização que se traduza em maior produtividade. Neste ponto, a IA pode ajudar, no sentido em que podemos automatizar tarefas acessórias ou que não tragam valor acrescentado, e conduzir os colaboradores a tarefas mais relacionais nas quais a máquina nunca substituirá o ser humano. O bem-estar é, assim, mais uma peça a integrar no conjunto mais alargado de factores que podem ajudar a alavancar a produtividade.»

Sendo assunto deste debate associar a IA à produtividade, Joana Queiroz Ribeiro resolveu perguntar ao próprio ChatGPT de que forma a IA pode ser uma resposta à baixa produtividade, e a resposta foi a seguinte: «A IA pode ajudar a aumentar a produtividade automatizando tarefas repetitivas e na tomada de decisões baseada em dados, eficientemente.»

Isabel Moisés considera esta resposta insuficiente: «Diminuir o tempo que despendemos em tarefas que não acrescentam valor, libertando recursos e tempo para aprendermos, tomarmos decisões mais assertivas e anteciparmos problemas futuros, pode ajudar a mexer o ponteiro, mas apenas se muitos de nós fizermos isso muitas vezes. Contudo, é preciso lembrar que temos poucas grandes empresas e muitas pequenas empresas, e provavelmente estas últimas ainda não fazem isso.»

Ainda assim, a directora de Recursos Humanos do Grupo Secil admite que «também não é justo ou verdade dizer que não temos melhorias de produtividade em alguns sectores económicos e em algumas empresas. Isto acontece porque foram feitas aplicações de tecnologia aos processos produtivos e foram feitas as requalificações necessárias aos colaboradores, que passaram a dedicar-se a outras actividades. Agora, é preciso pensar como isto pode ser feito a uma escala nacional.»

 

Novas gerações e produtividade

Quando interrogada sobre se as novas gerações, pela sua proximidade com a tecnologia, poderão ajudar a aumentar a produtividade, Isabel Moisés acredita que sim, mas também pode acontecer o oposto. «As novas gerações estão muito mais bem preparadas para terem uma atitude natural perante a automatização e o desperdício de tempo que existe ao perpetuar tarefas repetitivas. No entanto, vivemos hoje num mundo mais descartável, e, nessa medida, não sei se as novas gerações têm uma visão do mundo compatível com a consistência que precisamos para ganhar velocidade, impacto e escala.»

Ana Rita Lopes, por seu turno, considera que «esta nova geração nos vai obrigar a acelerar mais. Eles estão muito atentos ao desperdício de tempo e também ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, porque querem ter tempo para fazer aquilo de que gostam além do trabalho. Porém, é verdade que há uma visão do mundo mais descartável, e precisamos de alguma previsibilidade nas nossas organizações. Temos de encontrar o equilíbrio entre as gerações.»

Outro tema trazido por Joana Queiroz Ribeiro foi o dos muitos casos de sucesso de portugueses que trabalham no estrangeiro, o que contrasta com a baixa produtividade do nosso país em comparação com outros. Também neste contexto foi perguntado ao ChatGPT qual a principal causa da baixa produtividade em Portugal, e a resposta foi: falta de investimento em inovação, nas infra-estruturas e na educação, e ainda a burocracia excessiva e a mão-de-obra subqualificada em algumas áreas. Ana Rita Lopes acrescenta a estes factores «o capital humano, a educação e o tema da felicidade. É também importante investir em inovação e tecnologia e ter processos ágeis. O que não podemos é desistir desta estratégia ao primeiro obstáculo, nem pensar que teremos resultados já amanhã. Penso que é aí que muitos de nós erramos.»

Isabel Moisés considera que «temos de ter uma estratégia clara, tem de haver investimento e recursos, e tem de existir um plano com o tempo e os resultados que queremos atingir. No final, é preciso medir.»

Em suma, as intervenientes concordam com a ideia de que a IA pode ajudar à produtividade no sentido em que traz conhecimento e torna as funções mais interessantes do ponto de vista intelectual nas empresas. Trata-se de saber separar o que a máquina pode e não pode fazer por nós.

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