And just like that… Setembro

A maioria dos profissionais não gosta do que faz ou o período de regresso pós-férias é doloroso por outros motivos?

Por Joana Russinho, People Enthusiast, head of Human Resources e autora de “Eu e os Meus rh

 

Situação 1

Sexta-feira, jantar de amigos para despedida de férias. Ou pelo menos o que era suposto. Se soubesse sobre o que iríamos falar (em predominância), tê-lo-ia baptizado de “jantar pré-reentrée para carpir mágoas”.

– As férias foram tão boas! Por que têm de acabar? Apetece-me pegar na família e sair do País… Não sei por que continuo a trabalhar ali – diz um de nós.

– Quando é que adoptamos a semana de quatro dias? Já me dói o estômago só de pensar… Esta noite não preguei olho e é sábado – lamenta-se outro.

– Eu até gosto do que faço, mas só de pensar em recomeçar na 2.ª feira fico tão angustiado – remata alguém.

O que se passa? A maioria das pessoas não gosta do que faz ou é o período de regresso pós-férias doloroso por outros motivos? – pergunto.

– Talvez duas realidades distintas – disse um dos amigos (por acaso psicólogo de profissão) que estava à mesa – Quando estamos a trabalhar temos horários a cumprir, prazos rigorosos e toda uma rotina padronizada que rege o nosso dia-a-dia. Quando vamos de férias, o nosso ritmo desacelera, o nosso cérebro também e muitos optamos por não usar relógio. O regresso ao trabalho representa voltar a essa rotina, às obrigações e deveres, as nossas e familiares, por isso ficamos assim, a culpa é da antevisão da rotina. Não dramatizem, passa após umas semanas.

– Não sei… é que eu até fico maldisposto. Continuo a achar que me devia despedir e procurar outra coisa.

– E nessa “outra coisa”, não terás período de férias? – riu-se o amigo psicólogo.

– Claro, mas aí estarei a fazer o que gosto mesmo, numa empresa mais ajustada aos dias de hoje, onde tenha autonomia, flexibilidade, onde a minha opinião conte… e já não me vai custar tanto – argumentou o mais maldisposto.

– Ah, mas isso é outra questão – insistiu – não é o regresso ao trabalho que te atormenta, é o regresso ao teu trabalho.

Voilà, o ponto. Quando há uma dissonância de expectativas, preferências, desejos dos colaboradores em relação à organização de pertença, o mal-estar instala-se e pode comprometer não só a nossa saúde física como mental.

– Verdade. Estou cansado do que faço e estas férias pensei muito sobre o tema.

 

Situação 2

As férias são muitas vezes usadas para estes momentos de reflexão, balanço e ponderação… faz bem parar para nos escutarmos e conseguirmos redireccionar se for o caso. Espero que chegue a alguma conclusão em breve. Antes que o corpo o obrigue a parar.

– Comigo não é isso que se passa – interrompeu outra voz – Claro que não me apetece nada voltar à rotina, quem me dera poder calçar havaianas durante todo o ano, mas por outro lado gosto sempre de rever a malta, o meu círculo de amigos do trabalho, voltar aos torneios de padel….

– Pois, isso é porque tu tens um ambiente de trabalho excelente, uma cultura aberta, até fizeste amigos com quem jogas padel. Onde é que já se viu, amigos no trabalho?!

Lembrei-me do livro “Os líderes comem por último” de Simon Sinek que, na altura, me levou a duas grandes reflexões que me acompanham sempre: i) o papel vital de uma cultura de segurança e pertença nas organizações. Sinek crê que os líderes que priorizam as necessidades dos seus colaboradores, dando-lhes apoio e garantindo a segurança psicológica, fomentam um sentimento geral de confiança e lealdade.

Ora, a este tipo de culturas é onde se quer regressar, e ii) a importância de, nestes contextos organizacionais, construirmos um círculo de segurança. Ao criar um ambiente seguro, confiável e respeitoso, os líderes promovem a cooperação, a motivação e o bem-estar dos membros da equipa, que, entretanto, estreitam os seus laços de confiança. Mais um motivo forte para “vestir a camisola”.

Foi quando a “amiga consensual” do grupo interrompeu todos:

– Então temos os que de nós querem fugir da rotina pré-programada, a qual nos faz autómatos aprisionados a ritos; um angustiado com a desmotivação causada por uma organização e emprego em concreto, e um de nós contente por regressar para uma casa onde se sente bem com pessoas de quem gosta. Ou seja, haja empresas com culturas positivas e colegas com quem nos sintamos bem, para que o regresso à rotina seja tranquilo! É isso?”

– E lideranças que sejam guardiões destes princípios – acrescentei.

Regressei a Sinek e ao papel das lideranças neste contexto, as quais podem desenvolver estratégias para fomentar culturas de segurança, tais como a promoção de uma comunicação aberta, o incentivo à colaboração e o reconhecimento das contribuições individuais, assim como devem advertir e combater comportamentos tóxicos como a culpa e o favoritismo, os quais corroem a confiança e minam o círculo de segurança.

– É a dança da rentrée – tentou concluir um outro.

 

Situação 3

– Qual rentrée? – voz vinda do fundo da mesa, embrulhada em gargalhada – Esse conceito está ultrapassado, já não existe rentrée! Afinal, quantos de nós “desligaram” a 100% do trabalho durante as férias?! Que parta o primeiro prato quem conseguiu passar mais de dois dias sem ver o e-mail no pc, telemóvel ou smartwatch…

As gargalhadas foram gerais.

O que diria Simon Sinek disto? Eu digo, and just like that… Setembro.

Não querendo precipitar conclusões unívocas realce-se a necessidade de integrar o tempo de trabalho numa actividade necessária ao desenvolvimento pessoal em paralelo com outras vivências que, em si, constituem a vida de cada um.

Discutir e problematizar o tipo de trabalho que cada um tem, as condições em que o exerce e as relações pessoais que ele proporciona faz todo o sentido numa busca incessante do sentido da vida e do bem-estar. A queixa em si não pode é ser desculpa para o “deixar andar”.

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