Aproveitar o potencial dos gestores de pessoas na adopção da IA. Eis como

Os líderes de Recursos Humanos estão numa posição única para influenciar os esforços de adopção da inteligência artificial em toda a empresa e criar um futuro mais resiliente.

 

Por Andrea Berlin e Lili Bernhardt, Egon Zehnder

 

A inteligência artificial (IA) domina quase todas as discussões da gestão executiva. À medida que as empresas amadurecem o seu pensamento e estratégia sobre o tema, há uma função incrivelmente bem posicionada para liderar esta transformação: os Recursos Humanos (RH). Porque, para além das complexidades da integração das tecnologias de IA, a promoção de uma cultura que abrace essa mudança será igualmente importante para o seu sucesso. Embora o desenvolvimento desta cultura seja um desafio para os líderes de RH, se forem bem-sucedidos, haverá a oportunidade de criar valor para colaboradores, clientes e accionistas.

Como a IA apresenta riscos e oportunidades, é provável que os executivos sejam cautelosos. Mas podem subestimar a urgência se os líderes de RH não explicarem como a IA afectará todos os aspectos do negócio, incluindo o seu bem mais precioso – as pessoas. Sabemos que a experiência dos colaboradores continua a ficar para trás, com quase seis em cada 10 a “desistir silenciosamente” e a desinteressarem-se do seu trabalho, segundo o relatório The 2023 State of the Global Workplace da Gallup; e as soluções de IA podem estar a chegar no momento certo para resolver esta crise.

Temos mantido várias discussões com líderes de RH e visionários de todos os sectores sobre o tema da IA e o seu impacto na força de trabalho e, com base nisso, aprofundamos neste artigo, três grandes áreas: (1) Conciliar a IA e a análise humana; (2) Incluir os RH nas discussões estratégicas; e (3) Considerar as implicações da adopção da IA para os colaboradores – e debater sobre como os líderes de RH e a gestão sénior as podem abordar.

 

1. Conciliar a IA e a análise humana
À medida que as empresas incorporam soluções de IA nos seus processos, os líderes de RH exploram a forma de as aproveitar para melhorar os processos da função – tanto interna como externamente. A este respeito, os líderes de RH devem reflectir sobre até que ponto o elemento “humano” deve ser ultrapassado pela IA no que diz respeito à tomada de decisões.

Explorámos esta questão com David Stillwell, professor de Ciências Sociais Computacionais na Cambridge Judge Business School. Para ele, a maior armadilha da IA é a sua incapacidade de fornecer uma explicação em muitos casos, enquanto os seres humanos tendem a confiar num estilo de comunicação sensato entre si. Esta é uma consideração importante a fazer, principalmente nos processos de recrutamento, que devem esforçar-se por ser inclusivos e humanizados. Por exemplo, quando se nega a alguém a oportunidade de uma entrevista, a compreensão humana e a supervisão na justificação dessa decisão são essenciais, uma vez que a responsabilidade recai sobre a pessoa (e a organização) que conduz o processo.

Fazem-se várias perguntas importantes: os algoritmos de IA são tendenciosos a ponto de causar danos? Até que ponto são exactos, em comparação com os humanos? Em que pistas específicas se baseiam? São questões cruciais que os líderes de RH devem ter em conta quando utilizam a tecnologia de IA, uma vez que a exclusão do elemento humano pode criar desconforto para alguns indivíduos, resultando potencialmente na perda de um potencial colaborador valioso.

É importante notar que isto não sugere que os seres humanos têm menos preconceitos do que os algoritmos de IA; em muitos casos, os seres humanos têm de facto mais preconceitos – no entanto, a investigação sugere que os seres humanos confiam na opinião de outros seres humanos, independentemente disso.

 

A nossa visão
Em última análise, os líderes de RH devem exercer o seu discernimento sobre as ferramentas que utilizam, como as utilizam e como mantêm o elemento “humano” nos Recursos Humanos no centro dos processos da função, ao mesmo tempo que exploram a IA para uma maior eficiência.

 

Case Studies

Incorporar a IA como parte dos processos de RH

Melhorar os fluxos de trabalho. Já existem vários bons exemplos em que os algoritmos de IA têm um impacto positivo no bem-estar dos colaboradores e simplificam os fluxos de trabalho internos de RH. Veja-se, por exemplo, o ChatGPT – um famoso modelo de linguagem de grande dimensão actualmente classificado como “IA fraca”, uma vez que depende da intervenção humana –, que combina contributos humanos com lógica automatizada para responder a perguntas, mesmo que as respostas nem sempre sejam totalmente exactas. Internamente, revela-se valioso para resumir grandes quantidades de informações, compor respostas e redigir documentação. Os líderes de RH podem aproveitá-la para resumir entrevistas e currículos, ou para fazer brainstorming de perguntas para entrevistas.

 

Bem-estar dos colaboradores. O ChatGPT e outras ferramentas generativas de IA podem actuar como catalisadores para o coaching personalizado, o desenvolvimento de carreira, as avaliações de desempenho, o onboarding ou a definição de objectivos. Agilizar o coaching personalizado e o desenvolvimento de carreira pode permitir que os colaboradores procurem proactivamente feedback, sem esperarem pelo envolvimento humano. No contexto do onboarding, os novos contratados podem beneficiar de experiências personalizadas, concentrando-se em tarefas pertinentes e acedendo a respostas instantâneas a perguntas. sem dependerem do elemento humano.

 

Processos de contratação. No que diz respeito à contratação, existem exemplos interessantes de uma utilização criativa e eficaz da IA. Por exemplo, a empresa multinacional alemã SAP adoptou uma aplicação de aprendizagem automática que fornecia aos indivíduos conselhos de carreira personalizados relativamente a vagas em aberto. A aplicação combinava os candidatos com funções que se adequavam às suas personalidades, analisando dados do Facebook. Isto provou ser uma forma criativa de obter indivíduos possivelmente bem posicionados para uma posição.

Outro exemplo, conforme relatado por um artigo da Fortune, é um jogo baseado em IA concebido para avaliar candidatos adoptado pela Mastercard. O jogo faz avançar os candidatos para a ronda de entrevistas seguinte com base na realização de tarefas específicas – entre outras avaliações – e não regista dados demográficos. Num artigo, Michael Fraccaro, Chief People Officer da Mastercard, afirma que este jogo ajuda a reduzir o risco de preconceitos inconscientes na contratação. Além disso, a empresa usa um sistema de agendamento automático para agilizar os processos de entrevista, criando um aumento de 87% na produtividade.

Um exemplo potencialmente mais incómodo de integração de IA no recrutamento é a implementação de plataformas automatizadas de entrevistas em vídeo, tais como a Rotario, a HireVue ou a Modern hire fizeram. Eis como funciona: os candidatos respondem a perguntas pré-estabelecidas enquanto se gravam a si próprios, o que acaba por poupar tempo. Para as grandes empresas que contratam centenas de colaboradores e precisam de um processo de entrevista rápido, isto pode acelerar o processo. Os candidatos também beneficiam, ao evitarem a necessidade de coordenar as datas das entrevistas e de se encontrarem com os directores.

Por outro lado, as empresas podem ter de enfrentar o desafio de avaliar um vasto conjunto de vídeos pré-gravados. Para resolver este problema, os serviços de vídeo criaram algoritmos que analisam os sinais faciais e linguísticos para determinar o desempenho. Contudo, apesar de inovadora, esta abordagem suscita preocupações significativas que se alinham com quatro aspectos fundamentais da utilização da IA debatidos por Stillwell: transparência, controlo, compreensão e trabalho em conjunto com as pessoas (e não contra elas).

 

2. Incluir os RH nas discussões estratégicas
Ainda antes de as organizações começarem a experimentar os benefícios da IA, a adopção pelos colaboradores representa um desafio complexo para os líderes de RH. O ritmo da inovação da IA é frequentemente descrito como exponencial, e a incerteza e a desconfiança sentidas pelos colaboradores também são provavelmente ampliadas. Surge a pergunta: como é que os líderes de RH podem navegar pelo paradoxo de adoptar rapidamente a IA para se manterem competitivos e, ao mesmo tempo, ter cuidado e aderir às directrizes e políticas pertinentes?

Recomendamos que se envolvam em conversas estratégicas contínuas com os pares de direcção. Os líderes de RH possuem uma perspectiva inestimável na supervisão da dinâmica do local de trabalho, da cultura e da estratégia de talentos. Aqueles com quem falámos acreditam que os ganhos de produtividade da IA podem abranger todo o ciclo de vida dos colaboradores, do alinhamento de competências com o trabalho até às experiências distintas de onboarding e offboarding.

Além disso, os líderes de RH estão bem cientes da necessidade de uma estratégia de capacidade focada em IA na sua base, além de promoverem discussões centradas na segurança, equidade e dignidade para os trabalhadores da linha de frente – um grupo mais preocupado com as implicações da IA e a estabilidade no emprego. Parte da conversa pode também envolver o recrutamento de um director de IA. Este executivo definiria o lado tecnológico, estabelecendo ao mesmo tempo uma parceria estratégica com o CHRO nos esforços culturais, e criaria várias eficiências organizacionais.

O verdadeiro desafio, porém, é desenvolver competência organizacional em dados e IA, em vez de nomear um líder de topo para controlar a transformação isoladamente. O risco é repetir o que testemunhámos com os Chief Digital Officers, que por vezes se debateram com a mudança de toda a liderança da empresa para se envolverem neste espaço.

Apesar da utilização relativamente limitada de ferramentas de IA nos RH, para além do recrutamento e agendamento básicos, a adopção e a experimentação de ferramentas registaram um rápido crescimento, o que faz com que os líderes de RH tenham dificuldade em acompanhar as discussões em curso.

 

Este artigo foi publicado na edição de Dezembro (n.º 156) da Human Resources, nas bancas.

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