As duas faces da moeda teletrabalho

Ainda que tenha prós e contras, a experiência do trabalho remoto marcará definitivamente a experiência do trabalhador.

 

Por Isabel Moço e Ana Sabino, coordenadoras e docentes na Universidade Europeia

 

Todos quantos se dedicam à Gestão de Pessoas sabem o quão desafiante foi o último ano. Importa agora aproveitar as “lessons learned” e projectar o futuro com vista a melhorar todo o circuito experiencial do trabalhador e trazer mais valias também para a empresa. Num momento em que a partir de 14 de Junho já muitos regressarão aos seus locais físicos de trabalho (entenda-se os locais pré-pandemia), visou o estudo “Desafios da Gestão de Pessoas em Trabalho Remoto 2021”, conduzido por três docentes da Universidade Europeia, registar as percepções dos trabalhadores sobre esta modalidade de trabalho, para apoio às comunidades nas decisões que poderão enquadrar novos formatos de prestação do trabalho.

O referido estudo já havia sido realizado em Abril de 2020, visando o do presente ano dar continuidade à investigação dos principais desafios que se colocam às empresas, à Gestão de Pessoas e às próprias pessoas, num contexto de alguma consolidação da experiência de trabalho remoto, volvido que está um ano sobre a aceleração deste formato de trabalho, por efeitos da pandemia COVID-19. Pretendia-se assim a comparação face aos dados recolhidos no ano anterior, período em que todo este movimento tem ganho expressão.

Os principais resultados sugerem uma forte tendência para a adesão ao teletrabalho, ainda que, no espaço de um ano, haja menos pessoas em trabalho remoto (esclareça-se que, por trabalho remoto, se entenderam todas as modalidades de prestação de trabalho a um empregador que não seja realizada nas instalações desse mesmo empregador).

No que diz respeito à preferência pelo regime de teletrabalho, os resultados revelam diferenças significativas entre os dois anos: em geral, as pessoas prefeririam não estar sempre em teletrabalho, embora esteja a aumentar a percentagem de indivíduos que preferem permanecer sempre nesse regime (de 27,5% para 34,9%). Significará que, para muitos trabalhadores a quem nunca se teria colocado esta hipótese, e depois de um ano de experiência, até conseguem perceber as vantagens e nutrir alguma preferência pelo formato. A esta pergunta, em 2020 muitas respostas indicavam que as pessoas não tinham opinião formada, mas em 2021 aumentou bastante o número de pessoas que se sente mais experiente e esclarecida para opinar sobre as suas preferências.

 

Prós e contras
A forma correcta de perspectivar um fenómeno, sobretudo se pretendermos que se torne referencial para orientação, é vermos ambos os lados: prós e contras. Seguindo esta linha, repare-se que, apesar de ser significativa a percentagem dos que vão aderindo aos benefícios destas práticas de trabalho remoto, os respondentes a este estudo também conseguem identificar as suas principais consequências e implicações – entre 2020 e 2021, verifica-se um aumento significativo na percepção dos participantes de que o teletrabalho tende a contribuir para elevados níveis de cansaço e aumenta os níveis de stress, mesmo que a maioria dos participantes continue (comparativamente com 2020) a estabelecer um horário de trabalho. No entanto, denota-se uma diminuição de aproximadamente 10% nos que o fazem, ou seja, os indivíduos tendem a diminuir a tendência para estabelecer um horário de trabalho quando estão a teletrabalhar.

Encontramos assim um dado curioso: embora as pessoas queiram estabelecer um horário de teletrabalho, tendencialmente, prolongam-no. Estes resultados estão alinhados com as respostas obtidas ao nível das estratégias para separar a vida familiar e as actividades de trabalho, sendo que a definição clara de um horário de trabalho sofreu uma redução de 83,9% (2020) para 73,4% (2021).

Não sendo exclusivamente pelo tempo de trabalho, as percepções individuais sobre o teletrabalho registadas neste estudo sugerem também um aumento significativo na percepção de se trabalhar mais (de 48,5% para 66,1% em 2021), mas também de se ser mais produtivo (de 36,5% em 2020 para 47,6% em 2021).

Não se denotaram diferenças significativas no sentimento de afastamento da empresa, pelo que nos dois anos, em geral, as pessoas sentem-se mais afastadas das empresas em que trabalham. Em contrapartida, identificámos uma diminuição da percepção dos indivíduos sobre os impactos do teletrabalho na promoção de conflitos na relação família-trabalho e na percepção de maior isolamento social.

 

Algumas recomendações
Muitos outros dados foram apurados neste estudo, mas os que aqui registámos parecem-nos os mais relevantes para as discussões que ocorrem actualmente sobre as vantagens e desvantagens das partes, face à adopção de modelos remotos de prestação do trabalho. Desta feita, é-nos permitido deixar algumas recomendações às comunidades de prática, sejam trabalhadores, sejam gestores de pessoas:

  • As características do trabalhador não são indiferentes à situação de trabalho remoto, pelo que a decisão por essa opção deverá ser ponderada pela pessoa e pelo gestor;
  • Nestas características, destaca-se a questão do género, pois as mulheres valorizam mais a opção do trabalho remoto, quer em termos de vantagens quer de desvantagens, o que deverá ser tido em conta;
  • As características pessoais podem ser consideradas facilitadoras ou inibidoras da saúde, do bem-estar e satisfação face ao trabalho, e por isso não podem ser descuradas;
  • Apesar da experiência em trabalho remoto, os teletrabalhadores continuam a revelar níveis de cansaço e stress que devem ser atendidos. Na realidade, toda esta experiência de remoto, naturalmente afectada pelos constrangimentos da pandemia, veio revelar uma maior prevalência (ou denúncia) de doenças associadas à saúde mental. Será prudente que trabalhador e gestão de pessoas esclareçam e assegurem os fundamentais princípios de saúde e bem-estar no trabalho, mesmo que (ou principalmente quando) as pessoas estejam remotamente a prestar trabalho;
  • A “noção de horário” e de “período normal de trabalho” deve estar totalmente esclarecida entre trabalhador e chefia, e entre estes e a organização, dado que parece existir alguma tendência para o prolongamento dos tempos, e isso pode reflectir-se na saúde e bem-estar dos indivíduos;
  • Podendo ser um tipo de tarefas que exija conciliação com horários de outras pessoas, fisicamente presentes na empresa ou não, há que o considerar. Deverá ficar claro se o trabalhador tem a possibilidade, ou não, de estabelecer os seus próprios horários;
  • As empresas deverão apoiar o trabalhador remoto a sê-lo efectivamente, proporcionando-lhe condições e equipamentos de trabalho adequados. Mesmo que ser trabalhador remoto resulte da vontade do trabalhador, o gestor de pessoas atento deverá providenciar tais recursos e condições;
  • A grande maioria das pessoas em trabalho remoto considera-se tanto ou mais produtiva, o que deve ser ponderado nos processos de distribuição de trabalho e de avaliação dos resultados. Deixa-se para reflexão futura se os processos e critérios de aferição de resultados do trabalho e de medição da performance, podem/devem ser iguais, uma vez que a mudança de condições poderá ter impacto;
  • Aumenta bastante a noção de que se trabalha mais, mas também de que os trabalhadores se sentem mais produtivos. As empresas deverão suportar os teletrabalhadores na regulação destas variáveis, mas também accionar mecanismos de reconhecimento e compensação, de modo que os trabalhadores percebam que recebem na justa medida do que dão;
  • A conciliação entre o tempo trabalho e o tempo pessoal, nomeadamente para a família, continua a revelar-se importante, pelo que a empresa deve assegurar o direito a desligar e a boas condições de descanso. A conciliação entre esferas de vida deve ser uma preocupação pessoal, mas, também, organizacional. O trabalho e a família no mesmo espaço pode constituir uma fonte de stress e tensões, nomeadamente se não existirem condições físicas para a separação;
  • O empregador deve preparar as chefias para necessidades de novas formas de comunicar, interagir e partilhar. Deve, por isso, o empregador assegurar a preparação (formação) das pessoas para novas circunstâncias, sobretudo quando se faz a transição para o modelo de trabalho remoto ou híbrido.

Certos de que estamos numa fase em que o trabalho remoto parece agregar adeptos, quer da parte dos trabalhadores que o experimentaram durante um ano e muitos conseguiram acomodar muito positivamente nas suas vidas, quer por parte de empregadores que tiveram oportunidade de eliminar definitivamente muitos fantasmas de laxismo ou quebra de produtividade, ou até de perceber o impacto destes modelos alternativos, é importante que estas recomendações, e outras de muitos estudos que vêm sendo feitos, alertem as comunidades para algumas ameaças a que não podemos alhear-nos.

Parece-nos que é um modelo com virtudes e perigos, mas sem dúvida para o futuro, e que interessa compreender muito bem antes de adoptar/implementar, sob pena de incorrermos em facilitismos que virão a revelar as suas consequências.

 

Este artigo foi publicado na edição de Junho (n.º 126) da Human Resources, nas bancas.
Se preferir comprar online, tem dispobível a versão em papel ou a versão digital.

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