Carolina Amorim, fundadora da Emotai: «Melhorar a saúde mental no local de trabalho através da tecnologia, revolucionando a saúde digital»

A missão desta startup portuguesa passa por melhorar a saúde mental no local de trabalho, através de uma solução baseada em neurotecnologia. Para Carolina Amorim, fundadora e CEO da Emotai, o futuro da saúde, especialmente da saúde mental, é a sua personalização. As pessoas querem soluções que realmente ajudem de acordo com as suas necessidades, rotinas e fisiologia.

Por Tânia Reis

 

Da experiência já realizada com cinco empresas, em média em menos de dois meses, verificou-se uma redução do risco de burnout em 20%, a ansiedade em 20% e melhorias em mais de 77% dos participantes. Por enquanto, o foco incide no burnout, stress e ansiedade, mas no futuro o objectivo é ajudar com prevenção para qualquer doença neurológica ou de foro psicológico.

 

Como nasce a Emotai? 

O conceito da Emotai nasceu a partir de investigação na área de BCIs (Brain Computer Interfaces) e computação fisiológica. Desde que a empresa foi criada, tanto a solução como o mercado mudaram significativamente. Inicialmente, a Emotai estava focada em ajudar atletas de alta performance a perceberem como conseguiam melhorar a sua performance mental. Depois da COVID-19 e com a degradação da saúde mental das pessoas em geral, a Emotai decidiu fazer um pivot que se focasse em personalizar soluções de saúde mental.

 

Que missão encerra e que objectivos pretendem alcançar?

A Emotai tem como objectivo revolucionar a saúde digital. Acreditamos que o futuro da saúde, especialmente da saúde mental, é a sua personalização. O conceito one-size-fits-all está a chegar ao fim. As pessoas querem soluções que realmente ajudem de acordo com as suas necessidades, rotinas e fisiologia. É aqui que entra a Emotai… Por enquanto estamos focados no burnout, stress e ansiedade, mas no futuro o objectivo é ajudar com prevenção para qualquer doença neurológica ou de foro psicológico.

 

Porquê o foco na saúde mental?

Inicialmente estávamos a trabalhar com atletas profissionais e a experiência que ganhámos a trabalhar com eles foi bastante enriquecedora. Aprendemos as melhores métricas que devem ser seguidas para determinar a performance e também que tipos de exercícios e cuidados têm, como forma de lidarem com situações de stress extremamente alto.

Durante a pandemia, a saúde mental das pessoas piorou e notou-se a falta de soluções como a da Emotai, personalizáveis, anónimas e cientificamente validadas. Assim, decidimos trazer a solução para o local de trabalho onde conseguimos criar um impacto ainda maior.

 

Como funciona a banda?

A banda, que foi desenvolvida pela Emotai e é produzida em Portugal, grava dados de ondas cerebrais, ritmo cardíaco e movimentos do corpo. Estes dados são gravados através de sensores já cientificamente estudados, o EEG (eletroencefalograma), PPG (fotopletismograma) e IMU (dispositivo de medida inercial).

Através da fusão de dados, a banda da Emotai combina os dados das ondas cerebrais, ritmo cardíaco e movimentos do corpo para perceber se as pessoas estão stressadas, estão concentradas, em que estado estão as suas emoções e se encontram em risco de burnout.

Apesar de a banda ser essencial para a plataforma da Emotai, a magia acontece na app. Quando a app acede a estes dados, que são únicos para cada participante, fornece, com ajuda de AI, o melhor plano de exercícios que tanto podem ser de respiração, como de concentração, meditação e relaxação.

Os exercícios são feitos com uma banda, que só é necessária ser usada durante os mesmos, durante quinze minutos por dia; estes são baseados numa tecnologia de bio feedback onde a pessoa consegue ver em tempo real o quão bem está a acompanhar o exercício. Isto significa que não tem de ter um especialista ao seu lado; consegue fazer os exercícios quando precisa e no final ainda consegue entender o impacto do exercício na sua fisiologia, ou seja, consegue ver se está a resultar ou não. Os exercícios vão ficando cada vez mais difíceis, de forma a aumentar o impacto e manter os participantes estimulados.

 

Que resultados alcançaram até ao momento?

Já trabalhámos com cinco empresas e, em média em menos de dois meses, a Emotai consegue reduzir o risco de burnout em 20%, a ansiedade em 20% e mais de 77% dos participantes melhoram. Temos também uma taxa de satisfação dos utilizadores de 4,5/5.

 

Qual o feedback dos utilizadores?

Temos feedback de utilizadores a dizerem que a Emotai foi uma grande ajuda para estabelecerem rotinas mais saudáveis e aprenderem a reagir melhor em situações de stress. Por exemplo, um dos utilizadores tinha uma maior dificuldade em se concentrar de manhã, então a Emotai recomendou um exercício que dá energia e um exercício que aumenta a concentração. Esse utilizador reportou que a Emotai o ajudou a ter uma manhã mais produtiva.

Outro utilizador tinha dificuldade em relaxar ao desligar do trabalho após o término do mesmo. Neste cenário, a Emotai recomendou exercícios de relaxação ao longo do dia. O utilizador gostou tanto que, mesmo depois de acabar o piloto, pediu para continuar a usar a Emotai.

Claro que o potencial da aplicação da Emotai é enorme e, com a ajuda do feedback dos utilizadores, a app está a ficar cada vez melhor, desde uma maior variedade de exercícios a uma interface mais fácil e atractiva.

 

Que principais factores considera que contribuem para uma saúde mental no trabalho desequilibrada?

Existem factores contextuais e factores individuais. Factores contextuais estão dependentes das próprias organizações e têm de ser endereçados pelas mesmas, de forma a melhorar a saúde mental dos seus colaboradores. Estes podem ser: comunicação pouco clara, falta de diversidade e inclusão, expectativa salarial, etc.

Os factores individuais, com os quais a Emotai ajuda, estão relacionados com dificuldade em lidar com situações de stress e ansiedade, deterioração de limites pessoais e profissionais, ter dificuldade a desconectar do trabalho ao final do dia, etc.

 

Como podem ser contornados?

Existem várias maneiras de contornar estes factores. O mais importante é as pessoas perceberem aquilo que funciona melhor para elas, para o seu estilo de vida e horário de trabalho.

No geral, de forma a trabalhar na nossa saúde mental devíamos focar-nos em 3 aspectos:

  1. Aprender a construir resiliência. As situações diárias de stress são inevitáveis e temos de aprender a olhar para os momentos mais difíceis e complicados como uma oportunidade de aprender e crescer. A Emotai ajuda a acalmar nestas situações de forma a não reagirmos de uma maneira errática.
  2. Pôr a nossa saúde em primeiro lugar. Isto inclui dormir bem, comer bem, fazer exercício físico e meditar/fazer exercícios de respiração. A Emotai introduz estes exercícios no dia-a-dia, começando sempre com exercícios mais fáceis. No final de cada exercício, a aplicação mostra sempre o impacto de forma a motivar e a mostrar se realmente está a funcionar.
  3. Trabalhar na inteligência emocional de forma a termos um maior autocontrolo e consciência das nossas emoções.

 

Acredita que o tema da produtividade em Portugal está directamente relacionado com o estado da saúde mental dos portugueses?

Sim, o tema da produtividade está 100% ligado ao estado da saúde mental dos portugueses. Já existem vários estudos publicados nesta área que provaram que pessoas que estão a lidar com problemas de saúde mental só conseguem atingir 35% da produtividade dos seus colegas.

Para além disso, tal como o relatório de 2023 da Ordem dos Psicólogos indica, a produtividade está directamente relacionada com o presentismo e absentismo, os quais aumentaram em 60% em apenas um ano. Isto tem um custo de 5,3 milhões por ano às empresas portuguesas.

Num momento em que tanto se fala no ChatGPT, na privacidade de dados, cibersegurança, entre outros, quais os impactos da Inteligência Artificial no mundo do trabalho?

Acredito que a inteligência artificial vai moldar a maneira como trabalhamos. Vai tornar tarefas tipicamente mais maçadoras, mais fáceis e rápidas. Contudo, temos de ter sempre precaução e validar a informação fornecida por IA. Por isso é que a Emotai tem a componente humana de forma a supervisionar as sugestões da IA.

 

Que principais desafios e oportunidades apresenta a IA?

No caso da Emotai, a inteligência artificial vai ter um papel crucial na personalização da aplicação, criação de novos exercícios, de acordo com as necessidades dos seus utilizadores e identificar situações de risco com uma grande antecedência.

Contudo, também existe a limitação dos dados nos quais a IA se vai basear. Isto pode facilmente criar ainda mais falta de diversidade e desinformação online. Por exemplo, durante a pandemia dispositivos médicos com preconceito racial, como oxímetros de pulso que superestimam os níveis de oxigénio no sangue em minorias, causaram atraso no tratamento de pacientes de pele mais escura.

Se tivermos este tipo de limitações de dados, a própria AI vai gerar discriminação e preconceito. De forma a mitigar estes problemas, a Emotai juntou-se ao maior consórcio de Responsible AI liderado pela Unbabel, onde vamos endereçar estes problemas.

 

Tem formação em Engenharia Biomédica e, antes da Emotai, trabalhava numa investigação na área de computação afectiva, que tem em conta as emoções para a criação de software. O que é a computação afectiva?

A computação afectiva é o reconhecimento ou processamento das emoções humanas. No meu caso, olhava para dados de ondas cerebrais, ritmo cardíaco, rastreamento ocular e resposta galvânica da pele. Depois traduzia estes dados em emoções, de forma a identificar se uma pessoa sentia atracção ou repulsa.

O cérebro é extremamente complexo e, na minha investigação, apercebi-me muito rapidamente de que um único sensor não conta a história toda. Daí na Emotai aplicarmos fusão de dados para todos os sensores de forma a conseguirmos preencher lacunas de outros sensores.

 

É possível conciliar a inteligência emocional, de que tanto se fala actualmente no mundo do trabalho, com a artificial? A tecnologia pode “ter” emoções?

Apesar de a inteligência artificial estar a avançar rapidamente, a inteligência emocional ainda não foi dominada pela mesma. Isto porque as emoções são extremamente complexas e estão associadas a pensamentos, comportamentos ou sentimentos.

Neste momento, a AI pode reconhecer e responder a emoções, contudo não têm o mesmo nível de complexidade psicológica e fisiológica. Para além de que emoções têm tendência a ser subjectivas e podem ser influenciadas por razões culturais.

 

Que conselhos dá a raparigas que ponderam enveredar pelo mundo das STEM?

Se não existirem oportunidades temos de as criar nós próprios. Quando decidi tirar o curso de biomédica fiquei sempre com a ideia de que o meu futuro era investigação. Só quando fiz uma cadeira em empreendedorismo é que comecei a ponderar essa possibilidade. Por que não criar as minhas próprias oportunidades em vez de estar limitada às que me são apresentadas?

Por fim, só porque escolheram uma área específica não significa que vão trabalhar nessa área para sempre. Ao início tive dificuldade em largar a componente de engenharia biomédica, porque é um curso difícil para o qual estudei tantos anos. Contudo, essa área pode nem ser a que gostam mais de seguir. Apesar de o meu trabalho estar ainda muito ligado ao meu curso, é “ok” gostar mais de gestão e vendas do que engenharia biomédica. O que é importante é estarmos a fazer algo de que gostamos.

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