Carreira “O caminho faz-se caminhando”

Opinião de Alexandra Godinho

Directora de RH na Corticeira Amorim e Conselheira da Revista HR Portugal

Desde sempre, a expressão “gestão de carreiras” me causou uma espécie de alergia. O mesmo não direi da palavra “carreira” que entra, sem complexos, no meu vocabulário.

A minha opinião é que este termo é uma expressão “movediça” e, por isso, progressivamente vai sendo substituído por designações como “gestão de talentos”, “gestão do capital humano”, “percursos de carreira”, “evolução profissional”- sendo, de facto, esta última a minha preferida. Claro que todos queremos uma carreira. Podemos e devemos. A questão é que quando associamos à “carreira” a palavra “gestão” as coisas complicam-se. E, curiosamente, é diferente se falamos disso numa perspectiva pessoal – “a gestão da minha carreira” – ou quando falamos como gestores, nas empresas – a “gestão de carreiras” dos colaboradores.

Uma distinção óbvia para todos : a forma como as pessoas evoluem profissionalmente hoje é absolutamente distinta da forma como progrediam (na carreira) há umas décadas. Dantes, fosse no sector público ou no sector privado, um profissional com qualificações de base razoáveis (leia-se habilitações académicas) tinha um percurso mais ou menos previsivel. Não poucas eram as empresas que possuiam grelhas salariais associadas ao tempo de permanência nas funções e, para além disto, em função do mérito ou de qualquer outra eventualidade, poderiam aparecer promoções que, em regra, traziam saltos significativos de responsabilidade, de salário e de estatuto. Tranquilos ficavam os “estáveis” – o amanhã estava previsto – e felizes ficavam os empreendedores ou, nas palavras de hoje, os “high performers”, dado que o futuro era sempre promissor.

Outro lugar comum é dizer que tudo mudou: o número de pessoas com habilitações académicas aumentou exponencialmente, a matriz de profissões/ocupações alterou-se bastante em função da tecnologia, da gestão e do mercado de trabalho e, de facto as qualificações para cada função alteraram-se fundamentalmente. E é mesmo uma realidade que muda constantemente e cada vez mais rápido.

Neste quadro, é evidente que a “gestão de carreiras” se transforma consideravelmente. E muda na forma como, individualmente, cada um se posiciona e faz a gestão da “sua” carreira, bem como no modo como as empresas perspectivam a “Gestão de Carreiras” dos seus colaboradores. Falemos desta última: quantas empresas podem prever que um conjunto de colaboradores, num horizonte temporal, vamos dizer de três anos, vão estar no sítio X a fazer o trabalho Y? Provavelmente muito poucas poderão assumir um compromisso destes, por muito estáveis que sejam os ambientes de trabalho, a diversidade dos potenciais desafios que possam existir e, em alguns casos, as competências, o valor e o mérito dos colaboradores. Os cenários externos e internos das empresas mudam tanto que é difícil estabelecer este tipo de compromissos. Hoje em dia é frequente falarmos em desafios e não em lugares. Um desafio pressupõe que existe algo em aberto e que podemos “ganhar”. E um desafio não é necessariamente uma proposta de promoção, a assumpção de um lugar com um estatuto e uma retribuição superiores. Um desafio pode ser uma missão, uma oportunidade de adquirir novas competências, de experimentar algo diferente que, no fim, vai significar aprendizagem, qualificação e reconhecimento, logo evolução profissional. Que pode até não ter uma repercussão imediata na “minha carreira” mas pode ser um investimento precioso para a “minha carreira” . Nada de novo até aqui. São declarações óbvias para os profissionais de RH.

Será que o são para a generalidade de todos os que trabalham, que estão numa fase de progressão profissional e que aspiram “gerir a sua carreira”?

Diria que, para uma parte, provavelmente ainda não é assim tão claro. O modelo antigo da estabilidade, do previsível, da evolução “ascendente” e do retorno imediato ainda está presente , nem que seja subliminarmente. E, por isso, nem sempre uma possibilidade de mobilidade para uma nova função, para adquirir novas competências são vistos como oportunidades.

Hoje em dia, a gestão das “ nossas” carreiras é feita de saber procurar, atrair, identificar e, por fim, obviamente, seleccionar oportunidades. Não significa que não se deve planear, estabelecer prioridades ou ser selectivo. Claro que é importante ter ideia do que gostaríamos de fazer, onde gostaríamos de estar no futuro e também o que nos falta para lá chegar.

É importante pensar em caminhos, em alternativas e, mesmo quando nos desafiam para um percurso diferente do que esperaríamos, será que não vale a pena repensar, aproveitar e arriscar numa mudança de planos? Quem sabe o novo percurso não poderá ser igualmente interessante e recompensador? E as oportunidades nem sempre vêm devidamente identificadas, às vezes vêm disfarçadas e até incógnitas…

E “o caminho faz-se (mesmo) caminhando”… (António Machado, poeta)

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