
Cláudia Vicente, Galileu: «As empresas já não encaram a formação como um custo, mas como um investimento crítico para a retenção de talento e inovação»
Em 2024, a Galileu, empresa de formação do grupo Rumos – Knowledge Sharing, registou um crescimento de 21% na facturação da área das competências pessoais (soft skills) e empresariais, comparativamente a 2023. Claúdia Vicente, directora geral da Galileu, fala sobre o actual “mercado de competências”, tendências e desafios futuros.
Por Tânia Reis
Nesta área cresceram ainda as acções de formação (42%), formandos (42%) e horas de formação (28%). Impulsionada pela transformação digital e pela necessidade de adaptação a novos modelos de trabalho, registou-se um incremento na aposta no desenvolvimento de competências humanas e estratégicas. A Galileu acompanhou esta tendência, reflectindo a prioridade das empresas em capacitar os seus colaboradores para maior agilidade, liderança e colaboração eficaz, um movimento que deverá intensificar-se este ano de 2025.
A Human Resources conversou com Claúdia Vicente, directora geral da Galileu, sobre os resultados apresentados, o actual “mercado de competências”, e tendências e desafios futuros para as empresas, para os profissionais e para o sector da formação.
A GALILEU registou em 2024 um crescimento relevante na área das competências pessoais. Na sua opinião, que motivos estão por trás?
O crescimento de 21% que a GALILEU observou em 2024 na área das competências pessoais reflecte uma mudança de mentalidade das organizações, que hoje encaram as soft skills como um factor crítico para o sucesso. Demonstrando isso, um relatório da Springboard de 2024 aponta para um “skill gap” – um fosso entre as competências que as organizações necessitam e as competências actuais dos colaboradores – em que a falta das competências pessoais, soft skills, e empresariais adequadas têm um impacto negativo real ao nível da inovação, crescimento e produtividade das organizações.
A transformação digital traz benefícios para as organizações, mas também evidencia a necessidade de reforçar competências humanas que permitam uma maior agilidade e capacidade de adaptação às mudanças, a novas realidades e novas tecnologias. Por outro lado, a evolução dos modelos de trabalho, com a adopção generalizada de formatos híbridos e remotos, exigiu que as empresas investissem no desenvolvimento destas competências para garantir equipas alinhadas, produtivas e motivadas. Paralelamente, há uma maior consciência sobre a importância do bem-estar organizacional e da liderança humanizada, que impulsionou a procura por formação em temas como resiliência, gestão de stress e produtividade.
O factor humano vai ser diferenciador na competitividade das empresas – e dos profissionais – no futuro mais próximo?
Sem dúvida. Se há alguns anos a vantagem competitiva das empresas estava muito associada à tecnologia e à inovação, hoje é a componente humana que faz a diferença. Num cenário onde a Inteligência Artificial (IA) e a automação assumem um papel crescente, as competências humanas são o verdadeiro diferencial. À medida que esta tecnologia vai libertando o nosso tempo de funções “mecânicas”, mais técnicas e repetitivas, ficamos mais disponíveis para outras tarefas mais relevantes e para as quais a IA não é um substituto. A capacidade de adaptação, a criatividade e o pensamento crítico serão essenciais para que as empresas consigam inovar e manter-se competitivas num mercado em constante mudança.
Que soft skills são actualmente mais estratégicas para as empresas?
Mencionei há pouco a importância da adaptação à mudança; ou seja, todas as competências que permitam trabalhar a gestão da mudança serão estratégicas – a adaptabilidade; a inteligência emocional; e a comunicação assertiva. Além disso, competências como o pensamento crítico e a resolução de problemas ganham cada vez mais relevância, pois permitem uma tomada de decisão mais informada e estratégica. Por outro lado, skills que trabalhem a colaboração e trabalho em equipa continuam a ser muito valorizadas, à medida que as organizações se tornam mais interligadas e multidisciplinares. Finalmente, e porque estamos a passar por um período de constantes mudanças e alguma instabilidade, competências que reforcem e apoiem no processo de gestão.
Que análise faz ao actual “mercado das competências” em Portugal?
À semelhança do resto do mundo, o mercado das competências em Portugal está num momento de grande transformação, impulsionado por factores como a digitalização, a escassez de talento em áreas-chave e as novas exigências dos profissionais. O tal “skills gap” existe também em Portugal e leva as empresas a reconhecer a necessidade de investir na requalificação dos seus colaboradores, para garantir competitividade e retenção de talento.
Actualmente, as organizações já procuram desenvolver as soft skills dos seus colaboradores, investimento que se reflecte numa maior agilidade, criatividade e produtividade, mas há ainda um longo caminho a percorrer.
E que previsões/tendências aponta para o futuro mais próximo?
O futuro da formação será marcado por uma necessidade crescente de capacitação contínua e flexível. À medida que a IA e a automação se tornam mais presentes no ambiente de trabalho, a procura por formação em IA aplicada ao dia-a-dia profissional continuará a crescer. A IA está de tal forma a mudar como trabalhamos que paralelamente à formação em IA prevemos uma maior procura por competências em gestão da mudança.
Também temas como ESG e liderança sustentável ganharão ainda mais relevância, impulsionados pelas exigências regulatórias e pela crescente preocupação com a sustentabilidade corporativa. Mas, também a área de People Analytics terá um crescimento significativo, permitindo às empresas tomar decisões estratégicas com base em dados na gestão de talento. Além disso, o bem-estar organizacional tornar-se-á cada vez mais prioritário para garantir equipas motivadas e produtivas. A ligar isto tudo, prevemos que será necessário reforçar competências de comunicação e liderança.
O mundo do trabalho está em constante mudança, nomeadamente devido aos avanços tecnológicos, mas outros factores têm impulsionado essa transformação… Quais destaca?
A tecnologia tem sido um dos principais motores da transformação do mundo do trabalho, mas há outros factores igualmente determinantes.
A evolução dos modelos de trabalho, com o crescimento do trabalho híbrido e remoto, levou as empresas a repensar os próprios ambientes de trabalho, processos internos ou a forma como gerem e desenvolvem os colaboradores. Estamos a falar de mudanças com um impacto considerável ao nível da própria cultura organizacional.
A pandemia e a entrada da Geração Z no mercado de trabalho trouxeram novas expectativas e desafios em relação à flexibilidade, ao propósito e à cultura organizacional. A crescente importância da sustentabilidade e da responsabilidade social tem também levado as empresas a integrar práticas ESG na sua estratégia. Por outro lado, uma maior sensibilização relativamente à saúde mental e o bem-estar dos colaboradores assumiram um papel central, não só como um factor de retenção de talento, mas também como pilar fundamental da produtividade e engagement das equipas.
A seu ver, o que preocupa as empresas hoje?
Uma grande preocupação das organizações, e nomeadamente dos RH, continua a ser a escassez de talento derivada da elevada concorrência a uma escala global e falta de competências. Por outro lado, as empresas voltam a demonstrar uma atenção especial à cultura organizacional enquanto continuam a desenvolver os seus modelos e ambientes de trabalho ideais. Estas acções procuram responder a preocupações relacionadas com a sustentabilidade e competitividade da organização a médio longo prazo: produtividade, inovação, adopção de novas tecnologias, preparação para o futuro, bem-estar das equipas.
A aposta no upskilling e reskilling por parte das organizações reflecte a escassez de talento?
Sim, o investimento em formação contínua é uma resposta directa à escassez de talento qualificado. A dificuldade em encontrar profissionais com competências específicas leva as empresas a apostar na requalificação de colaboradores, garantindo que dispõem das competências necessárias para enfrentar os desafios futuros. Havendo internamente talento que pode ser moldado para ocupar determinado cargo ou função, pode ser mais vantajoso o upskilling ou reskilling de alguém já integrado na organização e alinhado com a sua missão e valores, do que um processo de recrutamento demorado e com custos elevados.
De que forma podem/devem as empresas fidelizar as suas pessoas?
As empresas que pretendem reter talento devem adoptar uma abordagem holística, que vá além da remuneração. Oportunidades de crescimento profissional, desenvolvimento contínuo, flexibilidade laboral e uma cultura organizacional forte são factores determinantes na decisão de permanência dos colaboradores. Além disso, investir no bem-estar e na saúde mental das equipas tem-se revelado uma estratégia eficaz para garantir o engagement e a produtividade a longo prazo.
Também registaram um aumento nas formações presenciais. Como analisa o cenário dos vários modelos de trabalho?
O aumento de 4% na formação presencial registado pela GALILEU, em 2024, mostra que a interacção humana continua a ser valorizada. Apesar da digitalização crescente, verificamos um aumento na procura por formações presenciais, especialmente nas áreas de competências pessoais e empresariais, onde a interacção directa e a experiência imersiva geram um impacto mais significativo. Soft skills como liderança, comunicação, negociação e inteligência emocional são mais eficazmente desenvolvidas em ambientes presenciais, onde os participantes podem praticar, receber feedback imediato e fortalecer o networking.
No entanto, a flexibilidade continua a ser um factor determinante. Muitas empresas adoptam um modelo híbrido, combinando formação presencial com formatos online – Live Training, e-learning ou micro learning. Este equilíbrio permite optimizar recursos e responder às diferentes necessidades dos colaboradores, garantindo uma aprendizagem mais eficaz.
Que tendências prevê para o futuro da Gestão de Pessoas?
Parece claro que a IA é incontornável e terá um papel cada vez mais relevante na gestão de talento, desde o recrutamento até à formação e retenção, permitindo optimizar processos, identificar padrões de desempenho e sugerir percursos de desenvolvimento personalizados. Esta tecnologia libertará os RH para trabalhar a componente humana.
Outra tendência será a personalização da experiência do colaborador. As organizações estão a adoptar estratégias baseadas em people analytics para compreender melhor as necessidades individuais dos colaboradores e oferecer planos de carreira, benefícios e modelos de trabalho mais alinhados com as expectativas de cada profissional. O trabalho híbrido e a flexibilidade continuarão a ser altamente valorizados, exigindo novas abordagens para garantir engagement e produtividade, independentemente do local de trabalho.
Por fim, a saúde mental e o bem-estar organizacional serão prioridades estratégicas. As empresas precisarão de investir em políticas de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, programas de apoio psicológico e culturas organizacionais mais inclusivas.
E para o universo da formação?
Nos próximos anos, o universo da formação vai continuar a evoluir de forma acelerada, impulsionado pela transformação digital e pelas novas exigências do mercado de trabalho. A formação será cada vez mais um processo contínuo, com um forte investimento em upskilling e reskilling para preparar os colaboradores para novas funções e desafios.
Por outro lado, a flexibilidade no desenvolvimento de competências será cada vez mais uma realidade, com os formatos a que as organizações têm acesso – presencial, Live Training, e-learning, blended learning, microlearning e híbridos – a serem reforçados com novas tecnologias que irão enriquecer e apoiar a formação e alargar o espectro da personalização.
Assim, a tecnologia também terá um papel fundamental na formação do futuro. A IA e os learning analytics vão permitir criar percursos de aprendizagem personalizados, ajustados às necessidades e ritmos de cada colaborador.
Por fim, veremos um maior alinhamento entre formação e estratégia empresarial. As empresas já não encaram a formação como um custo, mas sim como um investimento crítico para a retenção de talento e inovação. Com o aumento da escassez de competências e a crescente exigência dos colaboradores por oportunidades de desenvolvimento, as organizações que apostarem em programas de aprendizagem contínua terão uma vantagem competitiva significativa no futuro do trabalho.