Como a (má) comunicação contribui para a fadiga pandémica

Por António Saraiva, Business Development Manager na ISQ Academy

Hipócrates, o célebre médico grego, em 400 a.C., afirmava que “alguns pacientes, embora conscientes que o seu estado de saúde é precário, recuperam devido simplesmente ao seu contentamento para com a humanidade do médico”. Curiosamente, nunca como agora a humanização dos cuidados de saúde foi tão escrutinada. Apesar de muitos estudos terem sido realizados sobre esta temática, a verdade é que a sua operacionalização foi sempre relegada para segundo plano.

Curioso, também, que a discussão sobre a Saúde se foque muitas vezes no seu suporte financeiro, técnico e científico, todos eles fundamentais, mas descurando esta humanização, em particular os fatores comunicacionais. O que a atual pandemia nos veio ensinar foi justamente que ou se comunica bem ou a gravidade da mesma é exponencial.

Vivemos rodeamos de canais de comunicação, de inúmeras fontes, no fundo informação em excesso. E acredita-se que maior quantidade de informação é sinónimo de transparência. Acabamos por não distinguir informação de contra-informação, além de que cada um tem para si o que verdadeiramente quer ouvir. Se por um lado desejamos absorver o carater mais positivo da mensagem, a verdade é que há quem goste de remexer no mais catastrófico. Que até pode ser uma questão de privilegiar os seus próprios objetivos de captação e disseminação das mensagens, sobretudo se tal representar o poder da comunicação.

O problema é que quando se adensam medidas de confinamento e de quarentena, gera-se fadiga pandémica. Em vez da elaboração de planos de comunicação, do suporte imediato às ciências comportamentais, a opção foi fornecer mais e mais informação, justificando as medidas que se iam avolumando e de caraterísticas cada vez mais impeditivas de uma vida normal. Restringir fontes e selecionar canais de informação não foi opção. Perante o supremo desígnio, e até pânico, de se salvarem vidas, as mensagens soberanas que deveriam ser devidamente estruturadas, seletivas e calendarizadas não o foram. Comunicou-se com o coração e não com a cabeça e o resultado adensou o problema, em vez de o corrigir. Mas nunca é tarde para melhorar e é justo destacar-se a capacidade de assumir erros e emendar-se a trajetória.

Felizmente, relembrando a afirmação de Hipócrates, perante a crise sanitária, prevaleceu a humanização, em particular no último e crucial reduto – os hospitais. Mesmo perante um desgaste físico e psicológico sem memória recente, a humanização dos cuidados de saúde foram robustos, em particular do ponto de vista comunicacional. Proximidade na relação assistencial entre profissional de saúde e doente, mesmo com as inerentes limitações, o amenizar, embora virtualmente, a distância entre os doentes e os seus familiares, a identificação do profissional (personalização) mesmo com fortes medidas de proteção, são gratos exemplos comunicacionais e de garantia de proximidade, obviando um contexto que exige distanciamento social, mas não emocional. Aprendeu-se que há que reinventar procedimentos comunicacionais (e consciencializar a prática), seja na disseminação de recomendações sanitárias, seja na relação básica dos cuidados de saúde. Quando assim é, minimizamos os impactos ligados a sentimentos de angústia ou isolamento.

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