Como fazer uma gestão sustentável de talento (e não talento “a pedido”)

Gerir talento não é procurá-lo ou tentar retê-lo quando tudo segue tranquilo. Também não é “a pedido” – é ter planos focados no interesse e experiência de todos os envolvidos – ou, se se preferir, “não é dia sim, dia não”.

 

Por Isabel Moço, professora e coordenadora na Universidade Europeia

 

Já alguma vez se detiveram a olhar as águas correntes de um rio? Mais tranquilo ou mais revolto, mais domado ou selvagem, o seu curso obedece a leis da natureza, tantas vezes incompreensíveis à lógica do Homem – e por vezes extravasa as suas margens.

A vida e dinâmicas sociais são como o leito de um rio: abarcam desafios complexos que vamos resolvendo, criam regras que por vezes parecem “curtas” face ao inesperado – ou apenas diferente –, fazem-nos funcionar em círculos e circuitos que impõem rotinas e nos vão acomodando. E, neste contexto, até Março deste ano discutíamos o talento sobretudo apoiados no impacto e poder de algumas variáveis, entre as quais se destacaria:

1. As relações de forças e efeitos da globalização que tornavam a pool de talento mais alargada, mais competitiva e também mais “móvel” e dinâmica;
2. A escassez de talento, a responsabilidade de o fomentar e o imperativo de o saber captar e reter;
3. A reinvenção da natureza do trabalho, muito impulsionada pelo “efeito tecnologia”;
4. A discussão da viabilidade, pertinência e emergência de novos formatos de enquadramento e relação de trabalho (exemplo, o trabalho remoto);
5. O papel do empregador enquanto incubadora de talento, tantas vezes com os seus programas de trainees a prepararem o seu talento “à medida”, alimentando o pipeline de talento;
6. As tendências macroeconómicas na gestão do talento, com as boas práticas a servirem de “bitola” para benchmarking, assim a cultura das empresas o permitisse;

A aceleração e crescimento económicos a ditar a rapidez e simplificação de processos.

Mas eis que chega um vírus que tudo trava e, de repente, impõe restrições à actividade económica e, portanto, ao trabalho, com lay-offs, despedimentos, protocolos de segurança, saúde e bem-estar, novas atitudes, novos medos… e o talento ficou numa espécie de limbo das prioridades. Certo, era o que tinha de ser feito, mas cumpre-nos ambição, optimismo e pegar nas lições prendidas e construir para o futuro.

 

O que é isso de “gestão sustentável de talentos”
Num estudo com cerca de 1200 empresas, publicado em 2017, os autores concluíram que existe uma correlação entre a experiência do colaborador, a experiência do cliente/consumidor e a confiança do investigador. Nesta óptica, a gestão do talento passará, naturalmente, por uma experiência sustentável de cada colaborador, pois gerará competitividade, agregará valor e proporcionará dividendos aos stakeholders. Voltando à metáfora do rio, estando a sociedade, as empresas, os gestores e os trabalhadores numa fase de regresso, foquemo-nos em torná-lo viável, pois a Gestão do Talento não é “dia sim, dia não” e tão pouco “a pedido”.

Cada organização deverá fazer o seu balanço relativamente a questões de fundo, determinantes para a Gestão do Talento, e que se organizam na figura 1.

Figura 1

 

Significa a mesma que a Gestão de Talento pode ser perspectivada a três níveis, mas que nenhum deles fará sentido se não for enquadrado por variáveis internas e externas que a determinam, e tão pouco se for desgarrado, não pensado em articulação com os outros níveis – ou não será gestão sustentável de talento.

A Gestão do Talento é (deve ser) estratégica, por isso não pode ser pensada isolada dos recursos disponíveis, de como a gestão “vê” as pessoas e as considera em sede de estratégia e visão, de como se propõe lidar com os desafios que enfrenta e como percebe as condições do mercado.

Num outro plano, mais táctico, a Gestão de Sustentável de Talento passará por reflectir os processos e a tecnologia (existente, mas também sempre a projectar) com “pessoas lá dentro” e não fazer o contrário – adaptar e “ajustar” pessoas a essas variáveis.

Entender os novos enquadramentos das relações de trabalho, nomeadamente ao nível dos vínculos e dos “requisitos” dos novos contingentes, e perceber se internamente há condições, que alterações poderão ter de ser feitas, como fazer essa transição e cenarizar os impactos (exemplo, articular um contingente em full-time, part-time, outsourcing, teletrabalho…). Por último, embora os três níveis devam ser desenvolvidos e implementados articuladamente, a pessoa, considerando o seu perfil, as suas competências, o seu potencial, o seu envolvimento e o seu desejo de “estar”.

A Gestão Sustentável do Talento é certamente o que todas as companhias desejariam, mas para o alcançar será necessário cumprir alguns passos (que podem também servir para revisitar políticas e estratégias já existentes), sistematizados na figura 2.

Figura 2

A cultura da organização – a forma como se vive lá dentro, os seus valores e padrões de conduta – é uma variável fundamental para o sucesso da Gestão Sustentável do Talento. Do indivíduo ao colectivo, é fundamental esta comunhão, respirar valores e missão da empresa, aquilo que vemos representado no que é desejado: commitment!

Os estudos revelam que o filme que nos Óscares ganha o “melhor actor/actriz principal”, um quinto das vezes também ganha a categoria de “Melhor filme”; Também indicam que quando uma equipa de futebol tem o “melhor”, tem, tendencialmente, mais probabilidades de ganhar. Mas se a equipa for composta por mais estrelas, o “talento” marca menos golos.

Devíamos usar esta analogia na gestão de talentos, e perceber que “o clube faz toda a diferença”, pois a capacidade de se estruturar e funcionar como “cola” parece ter mais impacto nos resultados do que a capacidade individual.

Já ao nível do planeamento, tarefa de Recursos Humanos crítica para a Gestão Sustentável do Talento – e que tipicamente incide em rácios, métricas, indicadores e os processos para os melhorar ou dar resposta a necessidades previsíveis –, talvez deva mudar o foco e passar a centrar-se menos na força de trabalho, e mais no planeamento das ferramentas de apoio e facilitação do trabalho e nos outputs que devem ser gerados. Mais no nível estratégico e de “capabilities” do que só das tarefas e das opções para lhes dar resposta (por exemplo, regime de contratação).

A Gestão Sustentável do Talento tem, nesta conformidade, duas frentes activas e que devem ser articuladas:

Orientação de talentos: numa lógica de “desenvolvimento as a service”, de investimento, portanto, deverá focar-se nas competências de interacção (trabalho em equipa, por exemplo), no planeamento de carreira e na comunicação, sempre guiada pelo padrão e objectivos de desempenho. Deverá também avaliar regularmente as expectativas de experiência do colaborador e de impacto (previsto e efectivo) nas partes interessadas. Completa o processo uma avaliação das actividades de Recursos Humanos, de modo a extrair informação sobre as actividades que mais agregam valor às partes interessadas, e quais as actividades que têm maior impacto na eficácia nos resultados e na apreciação das partes interessadas.

Experiência do talento: as pessoas quando entram numa organização trazem expectativas, motivação e experiências anteriores (e até de outros) com que se comparam. A sua experiência não é mais do que uma apreciação face ao que espera e às condições em que faz as suas entregas. O trabalho de quem gere o talento é atender permanentemente a três dimensões: o significado pessoal que o talento atribui ao que temos, fazemos e somos; o potencial de desenvolvimento percebido e permitido; a identidade e relações que se estabelecem. Se a apreciação destas três dimensões for positiva, a experiência do colaborador é positiva, e isso acaba por transferir valor para as partes interessadas.

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