Como lidar com as pessoas… ou a falta delas? Olhar para “dentro de casa”, experimentar e ser ágil

Na última mesa debate da 24.ª conferência Human Resources Portugal, no Museu do Oriente em Lisboa, Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources, esteve à conversa com Ana Rita Lopes, directora de Recursos Humanos do Grupo Nabeiro; Nuno Troni, director da Randstad Professionals; Rita Lago, head of Culture and Engagement da Fidelidade; e Sara Dias, Talent Aquisition leader da MC, sobre pessoas… ou a falta delas.

Por Tânia Reis

 

Ana Leonor Martins começou por perguntar se faltam pessoas ou faltam pessoas com determinadas qualificações e competências, e para determinadas áreas.

Nuno Troni não tem dúvidas: «Falta tudo. Faltam pessoas. Faltam competências e falta vontade e incentivos.» O especialista confirmou que, nos quadros qualificados, há um índice de empregabilidade e uma procura por parte das empresas muito elevada e estão à procura de competências digitais, tecnológicas, engenharias, etc. «Há depois uma parte desses quadros com uma menor empregabilidade, como as funções menos digitais. E nos quadros não qualificados também temos uma grande dificuldade de recrutamento, quer na escassez de pessoas e também na falta de vontade para trabalhar.»

No Grupo Nabeiro, esses desafios também são sentidos nas várias áreas de negócio, dispersas por áreas geográficas, contou Ana Rita Lopes. Com 60 anos de história e tendo nascido no Alentejo profundo, a organização teve de desenvolver estratégias para dar resposta a esta escassez, «através de parcerias, do envolvimento com a comunidade» e realçou que «a idade, por exemplo, não é factor de recrutamento».

Para Sara Dias, a guerra do talento funciona como a lei da oferta e da procura. «Há uns perfis mais fáceis de encontrar e a MC consegue colmatar as necessidades, porém outros constituem um enorme desafio, como optometristas e audiologistas, por exemplo». Mas surgiram grandes oportunidades e está a ser uma forma de analisar e rever a gestão de processos de recrutamento interno e externo. A responsável conclui que a agilidade é fundamental para alcançar um equilíbrio entre as competências que a empresa precisa e como tornar esse processo mais ágil, envolvendo várias áreas da organização. Prova disso foi a experiência levada a cabo pela MC este ano, que permitiu reduzir o tempo de preenchimento de vagas. Empresas tem de ser mais criativas nos seus processos, aconselhou.

Rita Lago concorda que esta dificuldade de recrutar talento constitui uma oportunidade. O facto de o talento mais jovem, a Geração Z, trabalhar em Portugal para empresas estrangeiras com salários mais altos coloca um enorme desafio. «A ligação com a empresa já não é a mesma, já não é para a vida, e essa rotatividade traz desafios. Estamos a repensar a forma como recrutamos, mas isto abre oportunidades para as empresas. A longevidade é diferente e real e isso permite-nos olhar para quem temos dentro de casa.» Salientando que existem colaboradores a exercer a mesma função há 15 anos,  é possível «através de reskilling e upskilling dar-lhes oportunidade de encontrar novos caminhos. Há funções que vão desaparecer e vemos como nossa responsabilidade dar-lhes uma oportunidade de carreira».

Questionado sobre que prioridades para resolver a escassez de talento, Nuno Troni realçou duas nas quais devemos actuar. A primeira são os seniores: «As empresas não olham para os cv das pessoas com mais de 50 anos. O tema da experiência é relevante e as empresas não o fazem, nem têm grandes benefícios em fazê-lo.» E a segunda os imigrantes: «Com a escassez de mão-de-obra, vamos ter de trazer pessoas de outras nacionalidades e simplificar processos. E este tema é político e tem de ser resolvido.»

Ana Rita Lopes confirmou a escassez de talentos e recursos, porém acredita que devemos ser criativos e trabalhar com o que temos, «porque a opção de ir ao mercado buscar não existe». É uma oportunidade para os departamentos de Recursos Humanos mostrarem que são diferentes na organização, considerou a responsável. Apesar de o tema da idade no grupo Nabeiro não se colocar, referiu que as próprias organizações não têm capacidade de recrutar apenas talento jovem. Os gestores devem assumir os benefícios de ter pessoas em diferentes fases da vida, de experiência e carreira na empresa. «Este equilíbrio, mesmo em termos de gestão de equipas, é muito saudável nas organizações», aferiu.

Sobre o mesmo tema, Rita Lago revelou que a Fidelidade está a apostar claramente no talento senior, e a forma como estão a mudar a gestão da carreira, numa lógica mais virada para uma gestão de projecto, também permite que pessoas com mais experiência possam trabalhar. Para tal, criaram escolas de desenvolvimento tecnológico e escolas de negócio, mas realçou a importância de apostar nas soft skills. «A barreira da liderança no recrutamento de seniores existe e deve ser trabalhada para que os líderes não tenham receio de recrutar alguém com mais experiência e mais conhecimento.»

Sara Dias focou a mobilização interna como prática activa na MC, exemplificando a aposta no “reverse mentoring”, em que são os jovens que ensinam os mais senior nas competências digitais, entre outras. «Tem corrido muito bem. e a idade não é um entrave», partilhou. O foco devem ser «as competências, tem ou não tem?», reforçando o factor fundamental nos processos de recrutamento.

Desafio esse apontado por Rita Lago, «como fazer a ligação intergeracional», acrescentando que tem de ser elemento-chave para processos de recrutamento e reskilling.

Contudo, ficou claro que não são só as empresas que devem mudar, o problema também reside numa questão cultural e política. Nuno Troni considerou que «temos muito trabalho informal em Portugal», mas o tema tem mais que ver com o legislador do que com a empresa. O gestor alertou para a necessidade de uma maior e melhor fiscalização ao «dinheiro que todos gastamos e que depois financiam estes subsídios».

E se há muitas pessoas que preferem não trabalhar, a verdade é que os jovens de hoje também se tornaram mais exigentes. Ana Rita Lopes mencionou que sente destas novas gerações uma preocupação acrescida com o equilíbrio vida pessoal e profissional e os valores da empresa. A pressão relativamente ao teletrabalho também é notada e, apesar de não existir no Grupo Nabeiro, há uma grande flexibilidade.

A verdade é que os jovens têm outras motivações e procuram mais o propósito, mas «esquecem-se que é uma relação comercial» e a sua perspectiva é egocêntrica, o que denota «alguma imaturidade», realçou Nuno Troni, acrescentando que «não estamos a gerir bem a dinâmica entre o que as empresas precisam e o que eles procuram».

Rita Lago corroborou que a primeira pergunta é quase sempre relativa ao modelo de trabalho. Se é verdade que as novas gerações procuram o propósito das organizações, também é levada a concordar que são muito focados neles mesmos. «Saem na maioria das vezes por ofertas salariais competitivas e estão muito focados na carreira», o que para as empresas não é fácil de lidar. «Temos de aceitar que vão entrar, vamos formá-los e dentro de dois anos saem. Temos de aceitar e estar preparados para esta rotatividade. Isso vai fazer com que protejamos o conhecimento e vamos ter trabalhos por projectos», aconselhou, deixando uma nota de esperança, já que «os colaboradores mais jovens saem da Fidelidade, mas depois acabam por querer voltar».

E isso é o que motiva a MC, revelou Sara Dias. «Como podemos lidar com a intergeracionalidade e acrescentar-lhes valor.» É inegável que os jovens querem ter experiências diferentes e o idela é que as organizações lhes proporcionem isso internamente, caso contrário rapidamente mudarão.

À pergunta de Ana Leonor Martins por quais as soluções que as empresas devem e podem adoptar para inverter esta realidade, os oradores apontaram vários caminhos. Sara Dias defendeu o factor «testar e experimentar», ao que Rita Lago acrescentou a «agilidade na gestão de pessoas, seja através de protecção de conhecimento, reskilling ou upskilling e a necessidade de uma actualização na legislação». Já Ana Rita Lopes apontou a necessidade de definir prioridades e focar-se no que é realmente importante. A aposta nos seniores, imigração e benefícios fiscais foram as medidas de Nuno Troni que concluíram o debate.

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