Competências: as empresas devem dar as ferramentas, mas é responsabilidade dos colaboradores usá-las, concordam Ana Porfírio (Jaba Recordati) e Catarina Azevedo (KPMG)

No primeiro painel da XXVII Conferência da Human Resources Portugal, a gestão e o desenvolvimento de competências assumiu um papel central, com destaque para as abordagens de Ana Porfírio, da Jaba Recordati, e Catarina Azevedo, da KMPG.

Fotos: NC Produções

 

Um dos debates da XXVII Conferência da Human Resources Portugal trouxe o tema das competências para o centro da discussão. Sob o mote: «E as competências? Que competências temos, nas nossas pessoas e gestores, e que competências precisamos?», a mesa de debate contou com as intervenções de Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati e de Catarina Azevedo, directora de Pessoas e Cultura da KMPG.

A moderadora Vanda Jesus, Portugal Country head da iCapital, começou por questionar as duas oradoras sobre a forma como as mudanças na matriz das competências podem ter impacto nas organizações. Ana Porfírio foi a primeira a aceitar o repto e a revelar que, no caso da Jaba Recordati, tiveram de «olhar primeiro para o propósito», antes de trabalhar quaisquer competências.

«Tínhamos, efectivamente, uma matriz de competências bastante pesada e foi o momento de dizermos que estava na altura de uma mudança. Temos agora valores bem definidos e tivemos de perceber quais as competências que queríamos que acompanhassem o ciclo de vida dos nossos colaboradores na organização», acrescenta a responsável da armacêutica.

Questionada sobre a forma como a empresa retém o talento jovem com este novo formato de competências, Ana Porfírio refere que se tratou de «um desenho feito a nível global», que sofreu algumas modificações em função do local e do contexto – dando depois o exemplo do impacto que a pandemia teve na atracção e retenção de talento nas organizações.

No que toca à aprendizagem de novas competências, Catarina Azevedo sublinha que «o desenvolvimento é responsabilidade de todos». A directora de Pessoas e Cultura da KMPG reforça que são necessárias duas forças para o crescimento das competências dos colaboradores da organização. «A empresa e as equipas de learning devem estruturar caminhos, disponibilizar conteúdos e decidir modelos de entrega», salienta.

Com modelos de aprendizagem mistos, a profissional refere que «as empresas devem disponibilizar programas e ferramentas», ao mesmo tempo em que «as pessoas devem procurar outro tipo de aprendizagens para além daquelas que são oferecidas pelas organizações».

Nesse sentido, a oradora assume-se defensora de um modelo misto, que contempla o self based, em que as pessoas têm liberdade para apreender os planos e os programas disponibilizados pela empresa. «A formação base deve ser da empresa, mas acho que temos de encontrar qual é o melhor modelo de aprendizagem para que as pessoas consigam estar motivadas e cumprir os planos da organização», acrescenta.

Quanto às expectativas dos colaboradores em relação ao desenvolvimento de competências, Catarina Azevedo refere que a «maioria dos talentos ainda atribui a responsabilidade do desenvolvimento de competências à empresa». Com uma perspectiva diferente, Ana Porfírio revela que a Jaba Recordati «deixou do lado dos profissionais a escolha dos conteúdos que pretendem desenvolver».

Desta forma, do ponto de vista técnico, tecnológico e das competências humanas, a directora de Pessoas da farmacêutica considera que «é mais fácil» para o colaborador construir a sua própria jornada, em vez de esta ser imposta pela empresa.  «As curvas de aprendizagem das nossas pessoas não são todas iguais. Portanto, queremos garantir, não de uma forma transversal, que pelo menos algumas das ferramentas sejam construídas pelos colaboradores de acordo com as suas necessidades», acrescenta.

Inteligência Artificial

Relativamente ao impacto da transformação tecnológica e da consequente introdução da Inteligência Artificial (IA), a directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati revela que a empresa tem projectos-piloto em algumas áreas de negócio e fábrica, ao nível internacional.

Dentro de portas, a responsável admite que ainda não têm nenhuma tecnologia de IA em funcionamento, embora deixe a seguinte ressalva: «não me parece que o caminho do desenvolvimento de competências para trabalhar com IA seja tão diferente daquele que temos hoje para trabalhar com programas digitais». Para a oradora, trata-se de uma questão de mindset. Por um lado, afirma que deve existir a necessidade de «uma auto-consciência por parte dos colaboradores e chefias, relativamente a onde estão, para onde querem ir e como pretendem fazer esse caminho».

Por outro, Ana Porfírio também alerta para a forma como os colaboradores podem capitalizar, de forma benéfica, a utilização da IA, recorrendo, posteriormente, a uma analogia utilizada num artigo da Harvard Business Review. «Quando estamos num avião em piloto automático, a Inteligência Artificial faz tudo, mas quando há algum alerta, desliga-se o piloto automático e tem de ser o próprio piloto a tomar as decisões. Acho que esta é uma analogia muito feliz», enaltece.

Aliada à utilização da IA, a oradora destaca, ainda, três vectores essenciais para este desenvolvimento de competências: «aumento da curiosidade e procura do conhecimento para utilizar novas ferramentas; lideranças capazes de liderarem e de se auto-liderarem; e, por último, todos os profissionais na óptica de fomentarem competências e vivenciarem experiências inovadoras».

A KMPG lançou o seu próprio programa de IA e Catarina Azevedo deixa vários elogios a esta nova ferramenta de trabalho, que ajuda a «simplificar várias tarefas e processos que antes eram realizadas pelas pessoas». A profissional aborda ainda a «lógica do desenvolvimento horizontal», como a acumulação de competências, e reforça que «os processos ficam muito mais simplificados com a Inteligência Artificial, porque estão à distância de um clique».

Já sobre o «desenvolvimento vertical», a directora de Pessoas da consultora mostra-se reticente e explica que «as pessoas precisam de saber reflectir sobre determinadas competências e fazer as perguntas concretas». Tendo por base o surgimento de novas competências com o avanço tecnológico, a responsável alerta as empresas para a necessidade de «saber gerir pessoas altamente alavancadas numa ferramenta de trabalho como a Inteligência Artificial».

Para terminar o debate, Vanda de Jesus questionou sobre a percentagem atribuída pelas respectivas empresas ao desenvolvimento de hard e soft skills. Cerca de 30% para competências técnicas, relacionadas com tecnologias, e 70% para competências de desenvolvimento pessoal, concordaram ambas as oradoras.

Ler Mais