Consulting House: A alavanca que muda o mundo
Vivemos tempos de grandes mudanças sociais. É-nos dito que necessitamos de nos ajustar a padrões de comportamento colectivos, de alinhar o nosso pensamento com o que é socialmente desejável, ecologicamente sustentável e eticamente responsável.
O mundo é-nos apresentado como blocos de nações, grupos, comunidades que – supostamente – querem coisas, fazem coisas e pensam coisas semelhantes. “As pessoas deste país são assim.” “Aquela comunidade merece aquilo.” “É a vez deste grupo perder, para compensar aquele grupo que perdeu antes.”
Sendo psicólogo social e organizacional, com formação em terapia familiar sistémica, seria um acto contranatura negar a importância dos grupos e dos fenómenos sociais no comportamento individual. Sim, há modelos, estatutos e papéis, pressões de grupo, estereótipos, nudging, propaganda, castas e classes, fenómenos sociais que influenciam o comportamento individual. Sim, a mente individual é também construída através de influência social (in)consciente. O comportamento individual é autorregulado a partir de informação social pervasiva. Temos 70 anos de estudos sobre isto. Não há como negar.
O ESPAÇO INDIVIDUAL
Mas um grupo não “pensa”, uma comunidade não é “vítima”, uma etnia não é “[preencher o espaço]”. Talvez a maioria das pessoas de um grupo ou comunidade “pense” com base em determinados valores, mas isso não significa que todas pensem da mesma maneira. Talvez muitas pessoas de uma determinada religião ou etnia tenham sido vítimas em determinadas geografias e determinados momentos históricos. Mas isso não significa que todas as pessoas dessa etnia ou religião sejam vítimas em todas as geografias e todos os momentos.
Pensar é um acto individual, ser vítima é uma condição individual, ter determinadas características de género, religião, etnia ou outras, não faz de alguém um autómato que segue programas de comportamento escritos num ordenador central.
Atribuir indiscriminadamente uma representação social a todas as pessoas de um grupo é discriminação na sua forma mais feroz. Quer seja uma imagem positiva (“As mulheres são fortes.”) quer seja negativa (“Os homens são machistas”). A diversidade física e psicológica dos seres humanos é maravilhosa. Coisificá-la em meia dúzia de atributos aplicáveis a todas as pessoas com um determinado género, cor de pele, ou peso corporal é preconceito.
A IDENTIDADE SOCIAL COMO PRECONCEITO
Quando cedemos à pressão social de conformidade com o preconceito dos outros, geramos mecanismos de autocontrolo do que dizemos, fazemos ou pensamos. “Agora que sou viúva, devo vestir-me de preto o resto da vida” é uma conformidade tão limitadora como “Tenho de pintar o cabelo desta cor para pertencer à tribo” ou “Não posso questionar a [virtude da moda] porque só os fascistas/comunistas questionam isso.”
Nenhuma ideologia tem a propriedade das questões. As ideologias determinam a resposta, nunca a questão. Questionar é um acto de autodeterminação. Quando autocensuramos o que podemos questionar, limitamos quem podemos ser. Quando limitamos as questões, fechamos as respostas possíveis. Quando fechamos as respostas possíveis, assumimos a identidade de uma tribo. A conformidade dá-nos conforto enquanto nos aprisiona numa identidade.
A forma como me identifico é a única limitação ao que posso ser. Não o que acontece fora de mim.
A MAL-ENTENDIDA PROACTIVIDADE
No livro “O Homem em Busca de um Sentido”, Viktor Frankl conta a sua dramática luta pela sobrevivência num campo de concentração. No limiar da aniquilação ele descobre que há coisas que não lhe podem ser retiradas sem que ele escolha entregá-las aos seus opressores. A dignidade humana é a mais importante delas, mas a palavra-chave é escolha. Ele escolhe várias vezes comportamentos que mantêm a sua dignidade e aumentam a probabilidade de sobrevivência à provação. Chamou proactividade a essa possibilidade de escolha do próximo comportamento, que abre ou fecha possibilidades de destinos diferentes. A proactividade não é “iniciar coisas” como se popularizou, mas sim “escolher que coisas fazer, sentir ou pensar”.
Se o prisioneiro Viktor Frankl encontrou possibilidades de escolha num campo de concentração, quem não tem possibilidades de escolher o próximo pensamento, comportamento ou emoção?
Esta possibilidade existe dentro de cada um de nós. Todos podemos ser o que desejamos. Mas nem sempre somos capazes de identificar ou de realizar esse potencial. É mais fácil assumir a identidade que nos é oferecida pelo grupo. “Eu sou vítima porque pertenço a este grupo.” “Eu não posso ter o que preciso porque isso viola o preceito moral comunitário.”
Nenhuma nacionalidade, religião, etnia, idade, género, ideologia, me define. Nem sequer o meu passado me define. Cada história individual é um ponto de partida, uma conversa à procura de interlocutores, uma narrativa que só termina quando o autor for esquecido. Somos poemas sem métrica. Não somos obrigados a rimar com ninguém, nem mesmo com o nosso passado. Eu não tenho de conformar-me às tuas expectativas de mim, nem tu às minhas de ti.
A ALAVANCA DA MUDANÇA
A alavanca que muda o mundo é responsabilidade pela própria vida. Os fenómenos de grupo instigam mas não determinam o comportamento individual. Embora o meu presente possa ter dificuldades herdadas do passado – financeiras, de saúde, educação ou capacidade – eu posso lidar com elas como tecto ou como chão. Se forem tecto limitam a altura do meu salto. Se forem chão, apoiam o meu salto.
É verdade que a realidade tem limites físicos. Nem todos podem ser a Angelina Jolie ou a Madre Teresa. Mas todos podem escolher ser mais do que as limitações da sua identidade assumida.
Isso exige aceitar a experiência humana e o seu resultado – a personalidade construída – como um acto criativo. Eu escolho quem quero ser, perante todas as opções sociais apresentadas e escondidas. Frankl não podia sair do campo, mas podia deixar de ser prisioneiro.
A maioria das pessoas vive em piloto automático. Não se apercebe dos milhares de escolhas que lhe são apresentadas por dia. O que vestir? O que pensar? O que comer? O que fazer? Como responder? Segue programas sociais e pistas contextuais para identificar a escolha pré-seleccionada pela identidade que lhe atribuíram. “Se és um de nós, pensa isto, diz aquilo, faz assim.”
Nunca lhes ocorre questionar: “Quero seguir o que se espera da minha etnia, do meu género, da minha tribo, ou quero ser eu a decidir o que fazer a seguir? Quem cria o meu pensamento? Quem determina o meu comportamento? Quem conjura a minha emoção?”
Rejeitar a responsabilidade individual anestesia a vontade de mudar. A dissonância entre o que posso ser e o esforço necessário para o gerar pode ser suficientemente grande para renegar o nosso próprio potencial de transformação.
O PAPEL DO COACHING PSICOLÓGICO
O papel do coaching psicológico é despertar este potencial de transformação que existe em todos nós. É um processo colaborativo entre coach e coachee, de apoio à saúde mental, bem-estar emocional e desenvolvimento pessoal dos indivíduos. Integra a avaliação das necessidades emocionais, comportamentais e cognitivas do cliente, na definição de estratégias de intervenção que facilitem a superação de barreiras ao atingimento dos objectivos de mudança e transformação definidos por ele.
Ao contrário de outros tipos de coaching, não se centra na performance, competências ou funções executivas do coachee. Em vez disso trabalha com quem o cliente é e quer ser. A pessoa que sente, pensa e age para criar a identidade que apresenta aos outros.
Investigações recentes sugerem que a personalidade é passível de mudança através de intervenções de coaching, e que essa mudança pode ser benéfica para a pessoa (Allan et al., 2014). Um coach capaz de seleccionar e usar métodos, práticas e ferramentas de intervenção psicológica ajustados às necessidades do cliente, aos seus objectivos de mudança e traços de personalidade actuais, pode proporcionar uma relação que o cliente use para se transformar.
Sendo que as mudanças de traços de personalidade são as mais difíceis, o coaching psicológico promove o desenvolvimento da autoconsciência, a identificação de padrões de comportamento actuais e desejados e o desenvolvimento de estratégias para mudar comportamentos, emoções e pensamentos, numa abordagem de autoaceitação e de crescimento pessoal.
Embora um programa estruturado de coaching com o objectivo de realizar mudanças de personalidade consiga produzir maiores efeitos quanto maior for a motivação do coachee (Martin et al., 2014) o aumento da motivação para a mudança é um dos resultados do coaching. Se eu mudar quem sou, mudo o que quero e como o faço acontecer.
Este artigo faz parte do Especial “Consultoria” na edição de Outubro (n.º 154) da Human Resources, nas bancas.
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