Crónica da pandemia que fica

Em 2019, um estudo revelava que 20% das nossas crianças sofrem de, pelo menos, uma perturbação mental e que quase 31% dos jovens em Portugal evidenciavam sintomatologia depressiva.

Por João Diogo, coordenador do Gabinete de Saúde da JSD

 

Esta semana, um relatório da UNICEF mostrava-nos que Portugal é hoje, o segundo país da UE com maior prevalência de mental abaixo dos 19 anos.

Em Fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde assumiu o compromisso de criar 10 projetos-piloto de Equipas Comunitárias de Saúde Mental, distribuídas pelas 5 regiões de saúde: 5 equipas para adultos e 5 para crianças/adolescentes. Descontando o impacto da gestão pandémica, só em outubro foi autorizada a contratação de profissionais para integrar estas equipas, mas apenas as destinadas à intervenção na população adulta. Por esta altura, eram já fortes os indícios de impacto que a pandemia viria a ter, em particular, nos mais novos.

Só em Fevereiro deste ano foi finalmente autorizada a contratação das restantes equipas. Nesse mesmo mês, é aprovada uma Resolução na AR que recomenda ao Governo um conjunto vastíssimo de intervenções críticas para responder aos desafios da doença mental no nosso país, muitas das quais propostas pela JSD com um foco concreto na necessidade urgente de promover políticas públicas de saúde dirigidas aos jovens e que mitiguem, a montante, esta pandemia invisível que anualmente absorve custos totais na ordem dos 4% do PIB).

Face às manifestas desigualdades territoriais de acesso a cuidados de saúde mental, uma dessas propostas era a criação da figura do cheque-psicólogo, mediante a qual o Estado comparticiparia prestação de cuidados por prestadores em zonas em que ele próprio não tem capacidade de resposta (sem surpresa, no Interior e em particular no Alentejo e Algarve). Proposta rejeitada pelo PS, PCP e BE.

O PRR de que tanto se fala veio assumir a Saúde Mental como prioridade, reconhecendo que “Portugal é hoje, com grande diferença, o país mais atrasado da Europa Ocidental no que se refere ao grau de desenvolvimento dos serviços de saúde mental, respondendo de forma insuficiente às necessidades da população” e prevendo a criação de mais 40 Equipas Comunitárias de Saúde Mental.

Os cuidados de saúde mental são, há anos, deficitários de financiamento, recursos e prioridade política. Dados não faltam, diagnósticos não faltam, apelos não faltam, manchetes de jornal também não. Só faltam mesmo os cuidados, com caráter particularmente urgente. Se esse reforço estrutural não se vislumbra por via do PRR resta-nos, no imediato, a proposta de OE que tomará conta da agenda pública nas próximas semanas. Será inadmissível que o Governo chegue até final do ano sem fazer mais e melhor do que tem feito para dar resposta a cada uma destas crianças e jovens, onde quer que elas vivam. Caso contrário, pelo peso que a saúde mental reconhecidamente assume no equilíbrio de tudo o resto, também neste domínio será correto dizer: o Governo virou as costas às novas gerações.

 

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