“Cultural fit” (ou a alergia à diversidade)

Por Carlos Sezões, Managing Partner da “Darefy – Leadership & Change Builders”

Ao longo das últimas décadas, tem-se falado exaustivamente sobre o cultural fit (o “ajuste” cultural obrigatório no mundo corporativo, entre profissionais e a sua organização). Como todos sabemos, tal significa que todo o colaborador se deve caracterizar por um conjunto de valores, princípios, atitudes e comportamentos alinhados à cultura corporativa. Muitas vezes, o background académico é igualmente incluído neste “alinhamento”.

À primeira vista, isso parecerá uma questão consensual. A cultura empresarial proporciona uma plataforma de conhecimento mútuo, previsibilidade e conforto. O facto de existirem laços axiológicos, cognitivos e emocionais fortes, favorece a colaboração, a resiliência e a (forte) orientação para uma causa comum. As caracteríscticas das pessoas e organizações deverão, pois, fazer um match perfeito. Uma startup que funcione numa adhocracia, com grande agilidade, empowerment, rapidez na tomada de decisão, com poucas ou nenhumas regras, não casaria, em princípio, com uma pessoa estruturada, rígida ou formal. Com a devida reciprocidade, esta não se sentiria,  confortável ou bem-vinda num contexto empresarial desta natureza. Assim como uma mente pró-ativa, impaciente e empreendedora não seria, provavelmente, a melhor escolha para uma empresa familiar estável, que priviligie o respeito hierárquico, a antiguidade e a tradição.

Mas, afastando-nos desses exemplos extremos, esta “obrigatoriedade” comporta riscos, especialmente num tempo em que a previsibilidade e a estabilidade já não constam dos nossos contextos empresariais.

Gideon Kunda, académico israelita, escreveu no final do século passado o famoso ensaio “Engineering Culture”, em que oferecia uma notável perspectiva do controlo normativo de pensamento, atitudes e comportamentos, de uma ficcionada empresa americana de alta tecnologia.  Debaixo de uma forte “corporate culture” e da obsessão do “cultural fit”, a gestão de topo da dita empresa apregoava um ambiente informal e flexível e recompensador do compromisso individual e da livre iniciativa. No entanto, a intensidade de regras, rituais e mecanismos de controlo, destruia a energia criativa, sentido de identidade individual e capacidade crítica das centenas de colaboradores.

A boa notícia: é possível ter o melhor dos dois mundos. Qualquer organização pode balizar e reter o “básico” de seus ativos culturais (exemplo: valores como o mérito, a inovação ou a transparência) e, nos seus esforos de atracção de talento externo (ou promoção de talento interno), adquirir elementos valiosos que faltam em sua cultura, aprimorando os padrões e a cultura da organização. Passamos de culture fit para culture add. Para ser mais concreto: poderemos e devemos estabelecer um conjunto de valores e princípios essenciais e elaborar um conjunto de diretrizes. Torne o “invisível” visível para todos. Mas, adicionalmente, ter pessoas que, estando alinhadas com o core, tragam diversidade, inovação, pensamento crítico e melhor tomada de decisão. Essas pessoas podem vir de fora do setor de actividade  de origens académicas / formativas alternativas, de outras geografias e culturas nacionais. Pessoas que foram expostas a diferentes realidades e desafios. Mais cedo ou mais tarde, provavelmente notar-se-ão nesses recém-chegados “desvios positivos” (que agregam valor à cultura, liderança e processos de gestão) em vez dos tradicionais desvios negativos – sempre pesquisados ​​nas abordagens de culture fit.

Costumo citar, como exemplo a Bridgewater, um dos maiores hedge-funds do mundo, fundada por Ray Dalio em 1975. Com a sua filosofia de “transparência radical” (as pessoas são promovidas pelo seu sentido crítico e penalizadas se não o tiverem), construiu uma cultura de trabalho em equipa que permite as melhores ideias sobressaim e vinguem. Mesmo que sejam diversas e disruptivas. E esta, julgo eu, será a melhor receita para o sucesso de uma organização.

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