David Sousa, Semper: «É preciso contrariar a conotação conservadora do sector segurador para atrair talento jovem. E em paralelo trabalhar a estratégia salarial.»

Num cenário de escassez de talento generalizado, há dois aspectos adicionais que afectam o sector segurador: a ausência de formação e uma percepção conservadora desta área de negócio. Para David Sousa, director da Semper, agência de subscrição e mediador de seguros especializado, a solução passa por reforçar – e comunicar – os benefícios, a flexibilidade e a procura por talentos com percursos diversificados.

Por Tânia Reis

 

Os seguros representam um nicho de mercado com uma realidade específica que acarreta vários desafios. Um deles é encontrar profissionais com experiência prévia em funções similares. Por esse motivo, mais do que recrutar, é fulcral formar quem entra e capacitar para responder aos desafios da actividade.

O mercado de trabalho enfrenta uma escassez de talento crítica. Isso também se verifica no sector dos seguros?

A procura por novos talentos qualificados é um dos principais desafios do actual panorama de trabalho e afecta o mercado em geral. No caso do sector segurador, são poucas as formações específicas disponíveis, para além da formação necessária para acesso à actividade.

Temos vindo a recrutar, desde sempre, perfis de diferentes sectores, com trajectos profissionais muito diversos, porque essa polivalência, conforme já tivemos oportunidade de constatar, aporta bastante valor.

Os currículos são cada vez mais diversos e não são, por essa razão, o nosso foco, que versa mais aquilo que um colaborador pode trazer à empresa, pelas suas competências e experiência.

Outro dos pontos que motiva, no nosso caso, o desafio da captação de talento é o branding do sector. A este nível, ainda há um caminho a percorrer, para desenvolver um posicionamento do ramo dos seguros cada vez mais atractivo, especialmente para os mais jovens.

 

Que motivos aponta para tal?

Esta é uma problemática transversal a diferentes áreas e, como tal, os motivos são vários. No caso das organizações do ramo segurador, combatemos, há largos anos, uma percepção tradicional e conservadora, que ainda nos associa apenas a tarefas rotineiras de gestão de processos e à posição típica de um vendedor de seguros, o que não se coaduna com a realidade e que ignora a extrema importância social da actividade seguradora, como garante de estabilidade e previsibilidade a famílias e empresas, assim como a crescente complexidade dos riscos e produtos existentes.

Os benefícios empresariais, a flexibilidade de horários e dos modelos de trabalho, a motivação das equipas ou a procura por talentos com percursos diversificados são também características das empresas de seguros, sejam mediadores – como o nosso caso -, correctores ou seguradoras, e é preciso que o sector continue a reforçar e a comunicar isto mesmo, de uma forma cada vez mais integrada.

 

Que medidas acredita que poderiam resolver essa situação?

A solução começa sempre, naturalmente, com a aposta dos empregadores em conceder as melhores condições de trabalho aos seus colaboradores, o que contribui para uma melhoria da atractividade do sector.

No entanto, para atrair os mais jovens e qualificados, é necessário estar atento ao mercado em geral e não apenas dentro do sector segurador, pois competimos com muitas empresas com modelos de negócio mais recentes e com fortes apostas na captação de talento.

A nível dos processos, e mesmo que não seja comummente percebido, o sector segurador já se encontra numa fase avançada da digitalização, com a adopção de ferramentas que têm vindo a modernizar e facilitar toda a gestão e contacto que decorrem internamente, assim como nas relações com os clientes.

 

Sentem dificuldade em recrutar profissionais qualificados?

Há um nível de desafio que se propaga, naturalmente, a todo o mercado. Neste momento, conseguimos encontrar colaboradores para todas as necessidades com que nos temos deparado, sendo que procuramos sempre a melhoria contínua do nosso ambiente e modelo de trabalho, para retermos as nossas pessoas.

A realidade que vivemos não é comparável à realidade actual do mercado, trabalhamos num nicho de mercado e essa especificidade acarreta um desafio em encontrar pessoas que possuam experiência prévia em funções similares, o que se distingue da generalidade das empresas. Mais do que recrutar, o nosso trabalho consiste muito em formar quem entra e capacitar para responder a desafios específicos à nossa actividade.

 

Que estratégia desenvolveram para contornar essa realidade?

Assumimos uma posição proactiva em relação a qualquer desafio que a Gestão dos Recursos Humanos nos coloca.

Organizamos actividades internas, de forma recorrente. Mesmo à distância, a dimensão humana continua a ser essencial para a valorização do talento e estes eventos acarretam uma importância que se prolonga além da própria actividade, porque fomentam a adopção de hábitos saudáveis e esse é um dos nossos principais objectivos.

A título de exemplo, posso destacar a forma como reagimos e nos antecipámos ao período pandémico. A par do Plano de Contingência, procurámos sensibilizar a equipa para boas práticas no que diz respeito ao teletrabalho, um factor de extrema relevância não só pelo bem-estar de cada um, mas porque o nosso sector vive de um contacto próximo com os clientes e parceiros.

Mesmo “dentro de portas”, que passaram a ser virtuais, o nosso objectivo foi sempre manter a primazia por um contacto próximo e recorrente, para que as pessoas continuassem a sentir-se exactamente como “pessoas”. Os canais de comunicação foram, neste período, fundamentais e foi também fulcral a nossa devida preparação para esse período.

 

Quantos colaboradores integram actualmente?

Neste momento, contamos com quatro colaboradores na equipa, com perfis de experiência e currículo diversos – um número que pode parecer curto, mas perfeitamente adequado à realidade específica daquilo que é a actividade de uma empresa de mediação de seguros.

 

Quais são as prioridades no que toca às vossas pessoas?

Analisando o cenário à data de hoje, as prioridades são continuar a valorizar o talento, para que as pessoas se sintam bem a desempenhar as suas funções, e, via esse esforço, conduzir a um crescimento da empresa, porque a fórmula deverá ser esta – se nos focarmos no crescimento de cada elemento da equipa de forma una, esse crescimento levará (exceptuando momentos especialmente impactados por condicionantes externas) a uma evolução positiva da organização.

 

Que iniciativas/políticas/boas práticas desenvolveram nesse sentido?

Há um conjunto de medidas e boas práticas que já adoptámos no nosso escritório e em que acreditamos para a promoção do bem-estar de cada colaborador. Concedemos benefícios que visam assegurar o conforto, a estabilidade e a motivação de todos aqueles que integram a empresa.

No fundo, se conseguirmos contribuir para que cada um se sinta um pouco melhor durante o seu dia-a-dia e, em paralelo, reconhecermos sempre o desempenho, todo o ambiente de trabalho será melhor para todos. Um dos nossos focos é a flexibilidade – garantir que cada colaborador tem a possibilidade de conseguir conciliar a vida pessoal e profissional, sempre com o inerente sentido de responsabilidade, claro.

É um hot-topic de hoje, mas a possibilidade do trabalho híbrido, por exemplo, que concedemos, não pode negligenciar aquilo que é o bem-estar nas instalações da empresa, que por vezes é esquecido. Quando os colaboradores estão no escritório, temos, semanalmente, sessões de quick-massage, mas também apostamos noutras iniciativas, como eventos de team building focados na promoção do exercício físico.

Este tipo de iniciativas é, na nossa óptica, essencial para fomentar a coesão das equipas.

 

Num ramo tão exigente e «stressante» como o dos seguros, que desafios enfrentam na gestão diária de RH?

Naquilo que é a nossa actividade, há uma necessidade premente de resposta a sinistros e obstáculos dos nossos clientes e parceiros em real-time – precisam de um apoio célere e temos de estar preparados para responder exactamente a estes desafios.

Este factor de exigência conduz a uma necessidade de atenção constante a cada colaborador, para que possamos perceber as necessidades de cada um para desempenho das suas funções, mas também detectar situações de risco, inerentes a uma actividade tão exigente.

 

Quais considera ser os principais factores de atracção de talento?

É inegável que as condições de base oferecidas aos colaboradores, nomeadamente a retribuição ao nível salarial, continuam a ser determinantes e qualquer outra estratégia deve ser trabalhada em paralelo com esta componente.

Aquilo que testemunhamos – especialmente quando se olha para a faixa mais jovem que está a iniciar-se no mercado de trabalho – é que a vertente salarial já não é a única a “pesar na balança”, porque estar numa empresa pode também derivar do prestígio que isso pode aportar a um currículo ou à formação e experiência que será ganha, tão ou mais valiosa que uma diferença a nível salarial. Há também, cada vez mais, esta visão de longo prazo das carreiras.

Respeitar toda a envolvência de cada um, desde a distância ao local de trabalho até à flexibilidade que concedemos para ir levar ou buscar os filhos à escola, é o factor diferenciador e é exactamente o que leva as pessoas a querer ficar nas organizações onde estão. É necessário olhar, compreender e valorizar cada elemento de uma equipa, porque só assim é que todos podem trabalhar de forma integrada e isto acontece no nosso caso e no caso do sector segurador – aquilo que precisamos é continuar a “contrariar” a conotação da nossa actividade.

 

E do lado dos candidatos, o que mais procuram e valorizam?

Há naturais diferenças naquilo que os candidatos procuram, especialmente do prisma da faixa etária. De uma forma geral, almejam um ambiente de trabalho saudável, em que as diferenças são respeitadas e onde o reconhecimento conduz a uma evolução linear dentro da empresa.

Quando abordo este caso na óptica da faixa etária, digo-o porque é um equilíbrio desafiante. Na SEMPER, temos membros de diferentes faixas etárias a trabalhar em conjunto e a abordagem ao trabalho é, naturalmente, diferente, os objectivos são diferentes, a forma como encaram cada vertente do seu dia-a-dia é também diferente.

Contudo, estes factores não impossibilitam o trabalho em equipa, aquilo que cada um valoriza é que muda e o nosso desafio é precisamente esse – além de procurar entender o que procuram as novas gerações, como podemos conseguir motivar todos em simultâneo? Como criar dinâmicas que todos possam interpretar da mesma forma ou de uma forma positiva? Pelo respeito por cada um, pela flexibilidade, pelo bom ambiente, entre muitos outros “micro” factores.

No caso do ramo segurador, as organizações apresentam uma estabilidade que se revela em contraponto com outros sectores de actividade muito mais voláteis e é necessário comunicarmos isto mesmo, porque este é um dos factores imensamente valorizados pelos candidatos – um local de trabalho que proporcione segurança e permita estabelecer um equilíbrio saudável com a vida pessoal. As pessoas precisam de saber aquilo com que podem contar para o seu futuro, de forma a definir objectivos concretos e realizáveis.

 

Que tendências prevê para o futuro na Gestão de Pessoas no sector segurador?

Antevejo uma maior aposta das empresas do sector segurador no bem-estar dos colaboradores e, em especial, uma abordagem cada vez mais employee-centred, em que cada elemento da equipa é valorizado de forma individual e cujas necessidades são atendidas de forma personalizada.

Hoje, que não existe um problema crítico de falta de emprego com a gravidade de outros momentos do passado recente, as empresas estão a competir por via de outros pontos e, por essa razão, antecipo também um crescimento da aposta nos employee-benefits. É necessário ir além do tradicional.

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