“Demissão silenciosa”: o que é e porque é que a Amazon está (alegadamente) a usá-la para reduzir a sua força de trabalho

A Amazon foi acusada de recorrer a “silent sacking” [ou “demissão silenciosa”] para reduzir a sua força de trabalho sem ter de despedir colaboradores e, assim, evitar a imprensa negativa. Ao anunciar uma política de regresso obrigatório ao escritório, a gigante tecnológica foi acusada por pelo menos dois ex-colaboradores de os encorajar a demitir-se, em vez de os despedir com indemnização, noticia a Moneycontrol.

No fundo, na “demissão silenciosa” a empresa cria um ambiente de trabalho com condições deteriorantes, como excesso de trabalho, promoções estagnadas, pouco apoio dos gestores, entre outros, para forçar os colaboradores a sair em vez de os despedir. Esta estratégia reduz os custos para a empresa, uma vez que já não é obrigada a indemnizar os colaboradores.

Os despedimentos podem representar uma grande despesa para as empresas, devido aos pacotes de indemnização. A Microsoft, por exemplo, sofreu um impacto de 1,2 mil milhões de dólares devido a despedimentos, e outras medidas de reestruturação, nos seus lucros do segundo trimestre de 2023, noticiou o The Street.

Em Janeiro passado, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, escreveu num blogue que todos os colaboradores despedidos tinham total apoio durante o período de transição. “Os colaboradores elegíveis para benefícios nos EUA receberão vários benefícios, incluindo indemnizações acima do mercado, cobertura contínua de cuidados de saúde durante seis meses, aquisição contínua de prémios em acções durante seis meses, serviços de transição de carreira e aviso prévio de 60 dias antes da rescisão, independentemente de tal notificação ser legalmente exigida. Para os colaboradores fora dos EUA, os benefícios estarão alinhados com as leis laborais de cada país», escreveu.

A Amazon, que tem vindo a sofrer despedimentos contínuos desde 2022, ofereceu aos seus colaboradores um pacote que incluía indemnizações por rescisão, benefícios transitórios de saúde e outplacement.

De acordo com a CNBC, a empresa deu aos colaboradores nos EUA remuneração e benefícios totais durante um período de 60 dias, quando ainda faziam parte da empresa, mas não se esperava que continuassem a trabalhar. Após este período, deu aos profissionais despedidos e dependendo do tempo de permanência na empresa, indemnizações por rescisão, benefícios transitórios de saúde e outplacement.

Ao “demitir silenciosamente” os colaboradores, a gigante tecnológica não terá de passar por todo o processo, poupando tempo e recursos. Foi isso que os ex-colaboradores sediados em Denver e Los Angeles, John McBride e Justin Garrison, alegaram.

«Em última análise, tudo se resume a contas e impostos»

Numa publicação recente no X, John McBride, que trabalhou com a Amazon Web Services (AWS) durante um ano até Junho de 2023, escreveu que o anúncio do CEO Andy Jassy não deveria ter surpreendido ninguém que prestasse atenção à forma como a empresa tem funcionado durante anos. «Em última análise, tudo se resume a contas e impostos», disse.

Dividindo o alegado plano da Amazon em cinco fases, John McBride explicou que a primeira fase consistia em despedir 30 mil colaboradores; a segunda foi iniciar a obrigatoriedade de regresso ao escritório, quando os colaboradores eram obrigados a trabalhar de um escritório próximo da residência, dois a três dias por semana, para um escritório perto de si. «Fui para o escritório de Denver perto de mim, uma deslocação de 20 minutos», referiu.

A fase três foi o “regressar à equipa”, onde os colaboradores tinham de trabalhar nos escritórios onde a sua equipa estava fisicamente localizada. No caso de John McBride, significava mudar-se para uma cidade diferente, Seattle. «Muitas pessoas saíram durante esta fase. Foi quando saí, em 2023, porque não ia mudar para Seattle», explicou.

Seguiu-se então a “demissão silenciosa”. Explicando o que descreveu como fase quatro, McBride contou: «Se conseguisse, de alguma forma, permanecer durante tanto tempo, a sua vida profissional tornar-se-ia incrivelmente insatisfatória e complicada: ficaria de fora das reuniões pessoais, seria “sufocado” pela chefia, não lhe seriam dados projectos interessantes ou relevantes, etc. E, finalmente, a fase cinco: fim do modelo remoto. Todos devem estar num escritório físico onde a equipa está localizada.»

Contratado como colaborador remoto e depois obrigado a trabalhar no escritório ou ‘despedir-se voluntariamente’

Robert Lacis, que trabalhou na Amazon durante quase cinco anos, partilhou no LinkedIn que foi contratado como “colaborador virtual”, mas quando o CEO anunciou os planos de regresso ao escritório, Lacis foi obrigado a mudar de cidade para trabalhar a partir do escritório em Seattle ou despedir-se.

«17 de Fevereiro de 2023 foi o momento decisivo em que as coisas começaram a mudar», escreveu. «Este foi o dia em que Andy Jassy anunciou os planos de regresso ao escritório (RTO) da Amazon. Tendo sido contratado como colaborador virtual, pensei que estava isento. As coisas pioraram no Verão. Claro que não tive de voltar ao escritório, mas disseram-me que tinha de me mudar para Seattle ou “despedir-me voluntariamente”. Como tinha decidido mudar para Lake Oswego, Oregon, para bem da minha família, ir viver para Seattle não era viável.»

Robert Lacis deixou a empresa em Fevereiro deste ano.

«Ainda temos um emprego, mas não temos trabalho»

Justin Garrison, por outro lado, foi senior developer advocate na AWS durante cerca de quatro anos, até Janeiro de 2024, quando se despediu após quase três meses sem trabalhar. A Amazon não o demitiu; tinha um emprego, mas não tinha trabalho.

«No dia 1 de Setembro de 2023, o meu manager de nível superior e o vice-presidente disseram-me que a minha equipa e uma outra iam acabar. Alegaram que todos fizemos um excelente trabalho e queriam que continuássemos na Amazon. Ainda temos um emprego, só não temos trabalho», escreveu no seu blogue.

Quando Garrison perguntou ao seu gestor se a rescisão era uma opção, foi-lhe várias vezes dito que sim quando a empresa tivesse esgotado outras opções. «Disseram-nos que a prioridade número um era encontrar outra função. Cada uma que surgia tinha desvantagens significativas. Salário mais baixo, cargo mais baixo, modelo presencial entre outras coisas», escreveu. «Era evidente que queriam que assumíssemos uma função diferente, da qual poderíamos despedir-nos mais tarde. A administração queria manter o pessoal, mas não podia pô-los fora.»

Nos dois meses e meio seguintes, de cada vez que Justin Garrison pedia uma actualização sobre a sua situação, era ignorado ou recebia uma «série de desculpas».

«No dia 10 de Janeiro, saí oficialmente da Amazon. O meu gestor ligou-me a perguntar sobre que função iria desempenhar como se nada tivesse acontecido. Eu sabia que ele ia tentar colocar-me num PIP (performance improvement plan) e eu não ia ficar à espera que isso acontecesse», contou.

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