E agora, quais são as tendências para a Gestão de Pessoas em 2020? O futuro passa por um sistema híbrido

RE(TALK)

No início do ano, antes da pandemia, todos os estudos apontavam para o mesmo desafio principal para a Gestão de Pessoas em 2020: a atracção e retenção de talento. E agora? Com a taxa de desemprego a aumentar e com várias empresas a terem que reduzir estruturas, o desafio mantém-se? E a flexibilidade e transformação digital, ganharam ainda maior relevância? Elsa Carvalho, directora de Recursos Humanos na Caixa Geral de Depósitos, e Nuno Troni, director da área de Professional da Randstad Portugal, responderam.

 

 

«Este é de facto um tema desafiante, mas a verdade é que pouco sabemos do que vai ser o ano 2020 para a Gestão de Pessoas», começa por admitir Elsa Carvalho, em mais uma re(talk), moderada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources. «No início do ano, de facto, o tema da atracção e retenção de talento estava no topo das preocupações, apresentando-se como o principal desafio relativamente à gestão de pessoas, seguido – de acordo com o Barómetro Human Resources – pelo equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e pela transformação digital», relembra. No início de 2020 todos tínhamos a convicção de que este seria um ano com um mercado dinâmico e com uma baixa taxa de desemprego, pelo os temas que se encontravam no topo das prioridades estavam perfeitamente enquadrados. Simultaneamente, «a contratação estava nas prioridades para a maioria dos empregadores, uma percentagem acima dos 80%», acrescenta, referindo-se ao mesmo estudo.

 

Para Nuno Troni, a atracção e retenção de talento não só era, como vai continuar a ser um tema prioritário na Gestão de Pessoas. «A importância da retenção mantem-se, pois, com ou sem pandemia, ninguém quer perder os seus melhores talentos, mas a atracção sofreu algumas alterações. Apesar de continuar a haver contratações, vão agora ser feitas de uma forma, chamemos, cirúrgica. Vão ser em menor volume, mas em maior importância», perspectiva. Isto torna ainda mais difícil recrutar, defende o especialista. «Quando recrutamos, procuramos os melhores, e neste momento assistimos a uma crescente resistência à mudança por parte dos candidatos.»

 

Se antes muitos afirmavam que já era o candidato que escolhia a empresa e não o inverso, havendo empresas a competir pelos mesmos recursos, e a taxa de desemprego estava em mínimos históricos, hoje os números são bem diferentes. Elsa Carvalho faz notar que, não só Portugal mas todos os países europeus, estão actualmente com fortes restrições à actividade económica, facto que veio alterar as perspectivas que todos tinham no final de 2019. A taxa de desemprego vai subir, pois há por parte das empresas uma adaptação da sua actividade e uma revisão dos seus planos de negócio. «Mesmo com a retoma da activiadade económica, que será bastante gradual, as empresas vão continuar a ser bastante cautelosas, cautela essa que se vai estender ao universo das contratações», acredita. «E os efeitos vão fazer-se sentir de uma forma transversal em todos os sectores. Todas as contratações estão a ser reposicionadas, sendo que as novas contratações serão bem mais cautelosas e com perfis diferenciadores», reitera

 

Ressalvando que é difícil olhar para o mercado como um todo, Nuno Troni salienta que «os perfis indiferenciados eram muito difíceis de recrutar até à COVID-19 aparecer. Agora a taxa de desemprego vai subir exponencialmente e a facilidade de contratação destes perfis vai obviamente aumentar.» Mas a verdade é que há perfis que ainda continuam a ser muito difíceis de contratar, sobretudo na área tecnológica. «É preciso perceber quais são as empresas que estão a contratar, pois entre uma grande empresa e uma PME a capacidade de atracção é completamente diferente. As grandes empresas terão mais facilidade em contratar em finais de 2020 do que as mais pequenas.»

Por outro lado, continua, «a resistência à mudança é cada vez maior, algo a que já assistimos nas crises de 2009 e 2012, em que havia poucas oportunidades mas em era difícil recrutar, o mesmo vai acontecer agora», afirma, acrescentando ainda que, com o trabalho remoto «a competitividade mudou um pouco, pois antigamente tínhamos em cima da mesa o critério geográfico, o qual, não desaparecendo, se tende a esbater». Que o mercado mudou parece evidente, «mas passaram poucas semanas ainda, para se perceber o impacto real da mudança».

 

Para além das prioridades das empresas estarem a ser ajustadas, também os profissionais poderão actualmente valorizar mais factores como por exemplo a segurança no trabalho. Para Nuno Troni, «a capacidade de cada candidato e de cada empresa se adaptar à nova situação vai ser o factor-chave daqui para a frente, juntando-se a esta a liderança, a capacidade de liderar informalmente».

Elsa Carvalho acrescenta: «Sabemos que existe uma correlação muito directa entre a vontade de mudar e a conjuntura. A vontade de mudar está indexada à confiança que tenho no mercado e, muitas vezes, à taxa de desemprego. Ou seja, num mercado dinâmico, a minha aptência para a mudança é, regra geral, superior do que num mercado menos dinâmico e com a taxa de desemprego a subir. Assim, não é de estranhar que em momentos em que se perspectiva alguma incerteza e alguma recessão, a segurança passe a ser um factor fundamental, se bem que esta não deixa de ser em muitas situações uma percepção puramente abstrata.»

 

Entre o equilíbrio e a transformação

O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e a transformação digital estavam entre os desafios perspectivados para 2020. E são também dois dos temas mais na ordem do dia com a pandemos que obrigou grande parte dos profissionais a ir trabalhar para casa. O primeiro parece estar ausente em quase todas as casas e o segundo foi, de alguma forma, “forçado”.

Elsa Carvalho faz notar que «os tempos actuais são tempos acima de tudo de acelaração. Havia algumas empresas que já tinham iniciado estas novas formas de trabalhar e apenas tiveram de acelarar a sua implementação, mas outras houve em que, de um momento para o outro, mesmo sem dispor de qualquer experiência ou politica em termos de trabalho remoto, tiveram de por a quase totalidade dos colaboradores em trabalho remoto. As empresas tiveram de se reinventar, assim como a forma como trabalham, potenciando ao máximo a tecnologia.»

Mais… «Neste momento todos concordam que a experiência com o trabalho remoto é positiva, tendo aumentado não só o trabalho realizado, como a produtividade. Mas a questão do equilíbrio apresenta-se mais do que nunca como uma questão de aprendizagem; aprendizagem relativamente à capacidade das empresas e das pessoas se adaptarem e aprendizagem relativamente a perceber o que são efectivamente os temas de equilíbrio e quais os factores que contribuem para o alcançar.»

Já Nuno Troni realça que é preciso distinguir entre transformação digital e adoção. «Já tínhamos empresas muito capacitadas para se apresentarem de uma forma mais digital, mas devido a uma resistência à mudança não o faziam.» Já sobre a produtividade, o responsável duvida que tenha aumentado. «Trabalhamos mais horas, isso é inegável, mas somos muito interrompidos por muitas solicitações. Quando conseguirmos passar para um sistema híbrido e assim conjugar o trabalho no escritório com o trabalho remoto, aí sim temos todas as condições para aumentar a produtividade. É preciso arranjar um equilíbrio e perceber o que é que funciona melhor para cada empresa, para cada colaborador, para cada função.»

 

2020: principais desafios

Mas, então, quais são agora os principais desafios? Para Elsa Carvalho os desafios serão a continuidade desta disrupção. «Temos de alavancar os novos desafios a esta disrupção, capitalizar o que de bom esta experiência nos deu, e isso pode passar por uma maior adopção de um modelos híbrido de trabalho.» Este caminho de continuidade deve assentar na preparação das empresas, das pessoas e dos lideres. «Teremos de andar “de braço dado” com novas soluções tecnológicas, e podemos aproveitar este momento para a introdução de mudanças que muitas vezes queríamos fazer, mas que nunca eram oportunas; mudanças em termos do local de trabalho, da gestão e da organização das equipas, e inclusive nos processos de Recursos Humanos.»

 

Nuno Troni finaliza: «Um dos grandes desafios que se vai colocar às empresas reside na adaptação desta nova realidade a um determinado volume de negócios. Ou seja, adaptar a estrutura ao novo volume de negócio, que poderá ter descido 20, 30 ou 40%, e isso vai implicar despedimentos. Vamos ter um segundo semestre com muitas mudanças em que vai ser preciso ter muita resiliência.»

(re) Veja aqui, na íntegra

 

Texto: Sandra M. Pinto

 

 

 

 

Ler Mais