É preciso quebrar estereótipos

«O estereótipo vai fazer com que haja uma desigualdade de acesso e de concretização de oportunidades.»

 

Por Ana Lomba Correia, fundadora da associação Women2Women e orador no Rock in Rio Humanorama*.

 

Durante anos foi-me incutido e ensinado que estudar numa turma cuja maioria são meninas, que trabalhar numa equipa com mulheres ou outras situações onde a presença de mulheres seja envolvida em grupos, era uma autêntica dor de cabeça. Era uma dor de cabeça porque as mulheres e meninas, diziam-me a generalidade das pessoas, são muito cuscas, dramáticas, emocionais. Confesso que eu própria a dada altura interiorizava esta ideia e, consequentemente, integrava-a no expressar das minhas frustrações com a escola, por exemplo, visto que nas várias turmas em que estudei no decorrer do meu percurso académico eram compostas, na maioria, por meninas.

É altamente provável que tu, leitor ou leitora que estás a ler este artigo, já te tenhas cruzado com este discurso pelo menos uma vez na tua vida, ou até já o tenhas dito em voz alta. E não te julgo por isso, é o que nos têm ensinado desde que nascemos.

Neste artigo, o meu objectivo é mostrar-te como este raciocínio está errado e como ele tem um impacto muito negativo na vida de todos, sejas tu um homem ou uma mulher. É, realmente, um problema de todos nós e perpetuado por todos nós.

Ora, para entender um problema, é necessário identificá-lo primeiro. Tratamos aqui da aplicação de um papel de género com efeitos extremamente discriminatórios em meninas e mulheres, mas também em rapazes e homens. Ao dizer que a presença maioritária de mulheres em grupos é uma dor de cabeça pelo que enunciamos em cima, presume-se de forma imediata que um grupo com uma maioritária presença de homens faz com que essa dor não exista, porque assume-se que este grupo já vai ser mais ponderado, eficiente, objetivo e assertivo. Isto porque, como nos ensinam, os homens são menos emocionais.

Acredito que este problema está a minar o nosso potencial enquanto sociedade, por estarmos constantemente a desvalorizar o papel das mulheres nas nossas vidas, e por incentivarmos à masculinidade tóxica nos homens nas nossas vidas. É aqui que entra a importância da igualdade de género, que já vamos aprofundar melhor.

Que impacto tem este problema na nossa vida prática? Em primeiro lugar, gera divisão, desentendimento e falta de compreensão. Isto quer dizer que quando fechamos as mulheres e os homens em caixinhas diferentes – como se de espécies diferentes se tratasse – ao fazer esta divisão, criam-se ideias pré-concebidas e generalizadas sobre a caracterização de cada um dos grupos e expectativas baseadas nisto, o que gera um enorme desentendimento, pois face a ideias generalizadas há sempre alguém que diz: “Mas eu não sou assim”.

Quando não nos sentimos integrados em determinadas expectativas que a sociedade em geral deposita em nós, começam a surgir alguns problemas. Peço-te que penses na última vez que te sentiste desintegrado, incompreendido. Pensa na última vez que, face a um estereótipo, respondeste que, apesar de pertenceres ao grupo a que o estereótipo é direccionado, não praticas a acção que o forma. E assim chegamos à palavra-chave do resultado da divisão e do desentendimento: o estereótipo.

Assim, o estereótipo vai fazer com que haja uma desigualdade de acesso e de concretização de oportunidades. Apesar de estarmos a caminhar num sentido de uma maior liberdade e emancipação feminina, os estereótipos sobre papéis de género ainda impedem o acesso e a concretização prática de oportunidades, seja na escola, no mercado de trabalho, na vida política e na vida familiar. Isto é grave porque além de estarmos a dizer que mulheres não são capazes só por serem mulheres, também estamos a dizer que homens, por exemplo, não podem manifestar as suas emoções só por serem homens. Isto cria expectativas totalmente desmesuradas, restritivas e injustas para todas as pessoas da nossa vida, não achas?

Há que abordar uma questão importante nesta análise que estamos a fazer, que é a questão do privilégio. Os tópicos que aqui abordei são apenas a superfície de todo o problema, porque esta questão desenrola-se noutros problemas graves, nomeadamente o que respeita à violência baseada no género em Portugal. Recentes dados sobre violência no namoro em Portugal relevam que 89,7% das vítimas são mulheres e 91,9% dos agressores são homens. Isto também se aplica a outras problemáticas em que as mulheres, ainda hoje, são muito mais discriminadas que os homens: olhemos para o nosso Parlamento, olhemos para os quadros superiores em empresas, olhemos para as nossas próprias casas, para as diferenças de tratamento não justificadas.

Pela estrutura da nossa sociedade, os homens levam uma grande vantagem e são mais privilegiados. A questão do privilégio, quando saímos da perspetiva binária, ainda mais complexa fica. Uma mulher branca, heterossexual é mais privilegiada que uma mulher negra, LGBTQ+. E assim em diante.

Hoje vivemos num momento de urgente inovação e transformação social, para que juntos consigamos viver num mundo onde a liberdade e a igualdade são princípios integralmente respeitados. Começa em mim, em ti, na nossa casa, na tua escola. Sê o agente de mudança que precisamos de ver no mundo.

 

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