«É um orçamento bom para as pessoas, mas péssimo para as empresas», afirma director-geral da Jaba Recordati
O XXXIII Barómetro Human Resources reflecte bem o estado de espírito dos gestores em Portugal. Não irei analisar todos os temas, mas apenas os que me parecem mais relevantes.
Por Nelson Ferreira Pires, director-geral da Jaba Recordati, Recordati UK/ Recrodati Ireland
Começando pelo OE, que tenta diminuir a crise social que se antecipa. Reflecte bem as opções multipartidárias que aí tiveram de ser inscritas, num efeito de manta de retalhos, e espelha muito do que é a ideologia que entende que as empresas e o lucro são uma “maldade do capitalismo”. Portanto, não existe nenhuma medida que alivie a carga fiscal das empresas, que promova a recapitalização das mesmas através dos capitais próprios dos empresários, que dinamize as exportações, que reduza os custos de contexto, que flexibilize o emprego (pois sabemos que isso diminui o desemprego)… E nem mesmo a promessa dos seis biliões da “bazuca europeia” resolve o problema. Isto porque, mais uma vez, o Estado não tem capacidade de implementar os projectos rápida e eficazmente, e a sua tendência de se substituir aos privados e fazer investimento público (algum totalmente descabido) vai ser gigante.
Penso que é um orçamento bom para as pessoas, mas péssimo para as empresas. Quanto à questão do aumento do salário mínimo nacional – e consciente de que, naturalmente, num país que vive de micros, pequenas e médias empresas (PME), muitos dos trabalhadores dependem deste valor –, penso que é o aumento possível. É como pensa, aliás, a maioria dos participantes, que entendem que é positivo para os trabalhadores e empresas. Embora não seja um defensor que o crescimento da economia deve vir do aumento do consumo interno, sei que mais poder de compra (embora pouco, neste caso) cria mais estabilidade social e, acima de tudo, cria um efeito mental social que importa destacar. E num momento em que a economia cai a dois dígitos, este esforço deve ser relevado.
Existe um ponto crítico na questão 5, que é a regulamentação do teletrabalho. O nosso código laboral não está preparado para esta nova realidade de prestação do trabalho e é lamentável, pois era uma realidade que muitos já antecipavam. Temos de pensar que as novas formas de trabalhar, em casa, no café ou no escritório, de forma completa ou híbrida, são o futuro do modelo laboral.
Num país como Portugal, de regras laborais rígidas e muita intervenção sindical e da contratação colectiva, é bom que esta realidade esteja regulada de forma clara e que não se foque apenas nos direitos, mas também nos deveres dos trabalhadores. O senão é que lá vamos ter a CNPD (protecção de dados) a querer interferir de forma fundamentalista e irrealista neste ponto. A privacidade deve ser salvaguardada, mas também o direito de as empresas controlarem a prestação do mesmo. Aguardemos! A questão 8 reflecte uma latinidade, a falta de rotatividade de funções dentro das empresas.
Talvez porque a maior parte são PME e não há funções para onde transferir os colaboradores; mas muito porque as próprias empresas não criam o “employee experience e life cycle” dentro da organização, ou seja não criam o percurso que os colaboradores podem e devem ter na organização, que competências desenvolver e quais as que podem ser aproveitadas noutras funções. Aliás, confirmada pelas respostas à questão 9. Um desafio para os Recursos Humanos, que deveriam ser os promotores activos desta tarefa!
Finalmente a questão 10, em que sobressaem duas posturas prioritárias: salvaguardar a saúde e bem-estar dos colaboradores (por isso mesmo vemos que o risco de transmissão da COVID-19 não se verifica em ambiente profissional, pois as empresas prepararam o local de trabalho para ser seguro e funcionar em “bolha”), e a continuidade e transformação do negócio de forma a sobreviver neste período de queda, mas também preparar para a retoma que vai acontecer inevitavelmente.
Estas duas respostas penso que estão intimamente ligadas à manutenção dos postos de trabalho, o que é óptimo, pois as pessoas são fundamentais e não foram excluídas do algoritmo laboral pela inteligência artificial ou outro qualquer processo de automatização. Embora contradiga de alguma forma as respostas das questões 8 e 9, pois se queremos transformar os negócios, temos de transformar as pessoas e as suas competências.
Mas este é um admirável “mundo novo” ou um “novo diferente” e “não normal”, em que os Recursos Humanos reforçam a importância do seu papel nas organizações. São estratégicos. E não para poupar custos, mas sim para optimizar e transformar as pessoas e gerar valor no negócio!»
Este testemunho foi publicado na edição de Novembro da Human Resources, no âmbito da XXXIII edição do seu Barómetro.