Emprego, carreira ou propósito?

Será que os colaboradores querem mesmo saber do propósito da empresa? E se não quiserem, implica que não sejam uma mais-valia para as empresas?

 

Por Charn P. McAllister e Curtis L. Odom, MIT Sloan Management Review

 

A importância do propósito é um tema comum no local de trabalho moderno. Dizem-nos que as organizações e os seus líderes devem trabalhar diligentemente para incutir um sentido de propósito em cada um dos seus colaboradores. Mas o fenómeno “The Great Resignation” pôs a nu o facto de muitos trabalhadores simplesmente não quererem saber do propósito de uma empresa; querem uma carreira estável ou, por vezes, apenas um emprego. Além disso, alguns desses trabalhadores nunca se preocuparão com o propósito da sua organização.

Esta noção, que é muitas vezes ignorada nos textos sobre como incutir um propósito, deveria fazer parar os líderes. Conselhos de gestão frequentemente citados, como “se um colaborador não está motivado, tente ajudá-lo a compreender como o seu trabalho contribui para o propósito da organização”, devem ser questionados. É importante perceber se o colaborador não se preocupa, nem nunca se preocupará, com o propósito da organização.

Acreditamos que os locais de trabalho incluem três tipos de colaboradores: os guiados pelo trabalho, os guiados pela carreira e os guiados pelo propósito. Tão importante como reconhecer que nem todas as pessoas são guiadas por um propósito é saber e aceitar que não há problema se os colaboradores não partilharem o propósito da organização; eles podem ainda assim dar contributos significativos. Esta abordagem exige uma grande mudança na nossa forma de pensar sobre o propósito, porque embora valha sempre a pena tentar ajudar as pessoas a aderirem ao propósito de uma organização, é igualmente importante compreender quando elas querem simplesmente um emprego ou uma carreira.

 

O coaching é uma via de dois sentidos 
Uma tendência consistente ao longo da última década tem sido a pressão para formar gestores para serem melhores coaches. A lógica empresarial é ambivalente: o coaching melhora o desenvolvimento e o desempenho dos colaboradores, e as organizações assumem que os gestores raramente possuem as competências necessárias para serem coaches eficazes. Talvez os líderes até consigam ser coaches, mas será que as organizações estão a pedir-lhes que o façam para objectivos que simplesmente não interessam às suas equipas? Talvez o aspecto mais difícil do coaching não seja a sua execução, mas sim o trabalho preparatório no qual os líderes se empenham para tentar compreender os seus colaboradores.

Propósito é o “porquê” por detrás do que faz uma pessoa funcionar, e é uma consideração importante quando se orienta essa pessoa. Mas, numa sociedade onde o trabalho é, na maioria das vezes, a actividade dominante nas nossas vidas, um termo que aspira representar as motivações universais de uma pessoa é entendido como algo exclusivamente relacionado com o trabalho. Este impulso em direcção ao propósito, provavelmente deriva da noção de que o trabalho, ou mais especificamente a nossa carreira, é onde encontramos o nosso sentido de propósito pessoal.

Com o surgimento da responsabilidade social das empresas, as organizações reconheceram uma nova oportunidade: alinhar o propósito das organizações e dos colaboradores como uma estratégia eficaz para maximizar a produtividade, a felicidade e a retenção dos trabalhadores. Isto levou a que as próprias organizações adoptassem propósitos que os seus colaboradores já valorizavam e com os quais se identificavam pessoalmente: a protecção ambiental na Patagonia, por exemplo. Para os colaboradores que encontraram um trabalho de que gostavam em organizações que se alinhavam com o seu próprio propósito, foi desbloqueado um novo nível de potencial. Este alinhamento fortuito permitiu que as organizações aproveitassem a fonte quase ilimitada de motivação alinhada com o propósito destes trabalhadores.

No entanto, a campanha em prol do propósito perdeu-se, pois o sentido de propósito de alguns colaboradores é muito mais individual e, possivelmente, até egoísta – e não há problema nisso.

 

Todas as pessoas têm um propósito (mas pode não ser o da sua organização)
A pandemia desencadeou uma reavaliação colossal para muitas pessoas. Naina Dhingra, sócia da McKinsey, observou, em Junho de 2021, que cerca de sete em cada 10 colaboradores reavaliaram o seu propósito devido à pandemia. Agora, após a “Great Resignation”, os colaboradores avaliam com mais frequência o que fazem para trabalhar e o propósito por trás disso.

Todos os trabalhadores têm necessidades básicas; para muitas pessoas, estas incluem estar bem com a família e ser capaz de lhes proporcionar uma vida confortável. Para outros, traduzem um significado pessoal profundo: capacitarem-se a si próprios, ajudarem os outros, ou aprenderem e serem desafiados intelectualmente, entre outros. São todos propósitos válidos, independentemente de estarem ou não alinhados com os da organização.

Felizmente, o alinhamento com o propósito não é necessário para que estes colaboradores tenham sucesso na organização. E é verdade que algumas pessoas podem ser orientadas para investirem no propósito da organização. No entanto, é um equilíbrio delicado e muito orientado pelo líder. Os líderes podem levar as pessoas com uma carreira ou orientação profissional específica a partilharem o propósito da organização. Mas forçar o compromisso com o propósito pode ter consequências desastrosas. Os líderes que compreendem as motivações individuais de cada um dos seus colaboradores tirarão o máximo partido de cada pessoa, construindo relações fortes, baseadas na compreensão mútua.

A constatação de que nem todos os colaboradores partilham o propósito da organização tem várias implicações importantes na liderança e gestão dos colaboradores.

 

Liderar quem que um propósito
Os colaboradores orientados para um propósito acreditam na sua organização, bem como na sua missão e valores. São intrinsecamente motivados por esses factores. Não veem apenas um conjunto de tarefas a cumprir, encontram significado e um sentido de propósito no seu trabalho. Certos tipos de organizações inspiram naturalmente este sentido de propósito – como as organizações humanitárias –, enquanto outras poderão ter de elaborar e articular cuidadosamente a sua visão para gerar a mesma identificação por parte dos colaboradores.

Os que procuram o propósito organizacional querem mudar o mundo, e têm ideias sobre a forma de o fazer. Os líderes precisam de abraçar este entusiasmo, mostrando a estes colaboradores o impacto dos seus esforços diários e encontrando formas, mesmo fora das suas descrições de funções, de fomentar esse interesse.

O trabalho com um sentido de propósito é fundamental para cativar este tipo de trabalhador, pelo que os bons gestores fomentarão esta orientação para o propósito e apontá-la-ão em direcções construtivas. Faça com que cada tarefa tenha um significado; mostre aos colaboradores como ver o panorama geral e descreva como o seu cargo ajuda a concretizá-lo. Oferecer uma oportunidade e o poder de contribuir desde cedo e com frequência é o que este grupo procura no local de trabalho.

 

Três conclusões importantes para os líderes 
Partilhamos três conselhos sobre o que os líderes podem fazer melhor na gestão dos seus colaboradores orientados para o trabalho, a carreira e o propósito.

 

1. Aceite que os colaboradores podem não partilham o seu propósito, mas que podem ser parte integrante do sucesso da sua organização.

2. Todas as pessoas têm um propósito, mas pode não ser o mesmo da organização para a qual trabalha. Esforce-se mais para compreender o que motiva as pessoas e como isso pode mudar ao longo do tempo. É fundamental ir ao encontro dos seus colaboradores e identificar as oportunidades certas para eles.

3. Tente incutir um sentido de propósito nos seus colaboradores, mas não o force. Este artigo não pretende ser uma desculpa para as organizações ignorarem o seu próprio propósito; um propósito motivador é uma ferramenta incrivelmente poderosa para qualquer organização e para os seus líderes. Mas se alguém procura um propósito no trabalho, mas não o consegue encontrar porque nunca se envolve na sua missão, nunca conseguirá que essa pessoa realize o seu potencial.

O propósito é importante, mas não deve ser um requisito no local de trabalho. Todos, em todos os níveis de propósito, têm um papel na organização: os que se guiam pelo trabalho são a espinha dorsal, os “carreiristas” são a continuidade, e os que se guiam pelo propósitosão o pipeline dos futuros líderes. Alguns podem mover-se naturalmente ao longo deste espectro, outros serão cuidadosamente empurrados por um líder, mas a maioria ficará simplesmente quieta. A compreensão – e aceitação – deste facto por parte dos líderes fará toda a diferença.

Ler Mais