Entrevista a Rui Lopes Ferreira e Pedro Ribeiro, Super Bock Group: «Ambicionamos que todos os nossos colaboradores sejam líderes»

O desenvolvimento do capital humano é um dos três principais desafios – e simultaneamente prioridade – actuais do Super Bock Group, e quem o afirma é o seu CEO, Rui Lopes Ferreira. Numa conversa conjunta com o director de Pessoas, Pedro Ribeiro, não fogem a nenhum tema, estendendo-se a conversa a um país que está a deixar fugir talento, a permitir que o salário mínimo se aproxime do médio, e onde a produtividade é baixa. Mas o foco é no caminho (ambicioso) que estão a fazer.

 

Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho

 

Mais de metade do “consulado” de Rui Lopes Ferreira, que assumiu a liderança do Super Bock Group em 2015, foi de “gestão de crise”. Neste percurso, as aprendizagens foram muitas, do reforço da consciência do valor da resiliência e da importância da tolerância ao erro, até à noção de que o perfeccionismo levado ao limite é inútil. E também a aceitar o incontrolável. Já assume essa como a nova normalidade, e essa incerteza e volatilidade é precisamente um dos principais desafios que tem actualmente, a par com o alavancar do uso da tecnologia, não na automatização dos processos, mas na criação de novas formas de fazer negócio. Um terceiro desafio é o desenvolvimento do capital humano que, entre várias outras vertentes, passa pela capacitação das lideranças. E não só das de topo, mas de todas as pessoas, pois têm uma visão da empresa que defende que «todos somos líderes». Com estes focos, pretendem consolidar a liderança no mercado interno, perseguir oportunidades de crescimento internacionais, e tornar o Super Bock referência no que respeita ao bem-estar social.

Pedro Ribeiro destaca a transformação que tem sido feita no modelo de gestão de talento, mas sem descurar aquela que é uma das principais forças do Super Bock Group: a sua cultura, «uma cultura autêntica, que tem de ser consistentemente trabalhada», até porque todos os anos integram talento jovem nos seus quadros. Admite que a maior mobilidade num mercado que agora é global trouxe talvez um pouco mais de poder aos candidatos, mas o que esperam das empresas não é radicalmente diferente de há10 anos, a diferença está no horizonte temporal: «querem tudo para aqui e agora.». Mas a falta de atractividade não é um problema que o Super Bock tenha. E, ainda que não esconda que são uma empresa exigente, garante que as pessoas encontram também uma empresa onde se podem desenvolver e ter um futuro e trajectória profissional interessante.

De forma mais macro, e sem preocupação de ser politicamente correcto, Rui Lopes Ferreira desafia o statement de que temos a geração mais bem preparada de sempre, e afirma que se uma pessoa faz do trabalho remoto uma exigência absoluta, não sabe se é a pessoa que procuram, «não por não querer dar o benefício, mas pelo que revela do seu perfil»; reconhece que a questão salarial é uma questão com muitas incógnitas e, por isso, complexa, mas que Portugal não pode continuar a praticar salários baixos; e atribui a baixa produtividade em Portugal a uma cultura de exigência que é inferior ao desejável.

 

Depois de, em 2014, terem perdido o mercado angolano e de uma fase de crise financeira que obrigou a um processo de reestruturação, no pré-pandemia, o Super Bock Group estava em fase de crescimento e desenvolvimento de novas oportunidades. Depois, em 2020/21, a pandemia fechou parcialmente o canal Horeca; em 2022, a guerra, com a crise na cadeia de abastecimento e a inflação e, em 2023, já tiveram de lidar com um ciberataque. Os desafios imprevistos, digamos assim, têm-se sucedido. E, assim, em que fase está agora o Super Bock Group?
Rui Lopes Ferreira (RLF): É uma boa pergunta, porque, sendo uma evidência, não tinha tomado consciência até me colocar a questão nesses termos. Mais de metade do meu consulado desde o ano de 2015 foi gestão de crise. Não deixa de ser curioso. Como alguém dizia, “habituem-se”. Temos de nos habituar a que a gestão de crise faça parte da normalidade. Ou, melhor, é a nova normalidade.

Dito isto, em que fase é que estamos? Depois da pandemia, há uma ambição de recuperar a dinâmica com que estávamos em 2019. Mas isto não é automático. É como no futebol, as interrupções quebraram o ritmo. Ultrapassámos a pandemia de uma forma, diria até, bastante positiva face àquilo que eram as piores perspectivas na primeira fase. Sem esquecer que o canal HORECA esteve fechado bastante tempo e houve restrições fortes aos hábitos dos consumidores, a socialização foi muito condicionada.

Durante 2022, estivemos a recuperar os níveis de actividade e também de consumo no mercado. E foi positivo, porque as pessoas quiseram recuperar o tempo perdido. Houve, como se diz na gíria, “revenge consumption”. O mercado, segundo dados disponíveis, já recuperou e até superou os níveis de 2019, portanto o que estamos agora a procurar é retomar a dinâmica que foi interrompida por algo que, na altura, foi uma bomba atómica.

Temos uma estratégia muito consistente e não a alterámos radicalmente em função do que se passou nos últimos anos, com a pandemia, a guerra… A nossa estratégia mantém-se. E está muito focada em três ou quatro pilares, consistentes há vários anos.

 

Que pilares são esses? Quais as vossas prioridades estratégicas?
RLF: A nossa estratégia tem sido muito assente na consolidação e na liderança rentável no mercado interno, com um foco muito forte nas nossas marcas líderes e na procura e desenvolvimento de oportunidades de crescimento internacional, porque a dimensão do mercado português é limitada para as nossas ambições. Esses são os principais eixos estratégicos, que já vêm de trás.

Acrescentaria um outro, relacionado com o facto de termos cada vez mais a preocupação de zelar e trabalhar em prol do que chamamos de bem-estar social. Tem a ver com todo o ambiente que se vive e respira na empresa, mas também com a reputação das marcas e da empresa, com o respeito pela sociedade e com a nossa intervenção nela, tem também a ver com o nosso propósito e missão… É um tema para o qual estamos cada vez mais atentos e activos. É um pilar que enforma toda a estratégia.

 

Quais constituem os principais desafios nesse caminho?
RLF: Quando falámos há cinco anos, estávamos a recuperar de um desafio brutal – a perda do mercado de Angola, que representava mais ou menos um terço das vendas de cerveja. Foi uma situação dramática, mas superámos. Surgiram novos desafios entretanto.

Em primeiro lugar, algo que acho ser transversal a todas as empresas, a gestão em ambientes de cada vez maior incerteza e volatilidade. Como disse, temos de nos habituar. Não há pior exercício hoje em dia do que tentar planear a médio/ longo prazo, é quase impossível.

Outro grande desafio é alavancar o uso da tecnologia, que hoje permite, principalmente numa empresa como a nossa, de Fast Moving Consumer Goods (FMCG), aspirar a objectivos que há 10 ou 20 anos eram impensáveis. Mas o uso da tecnologia não tem apenas a ver com a automatização dos processos. O que é muito mais relevante é onde é que a tecnologia nos vai permitir, quer encontrar novas áreas de negócio, quer alterar a forma como fazemos o negócio. A digitalização, e sem a menosprezar, é importante, mas não altera o negócio. A verdadeira mais-valia é permitir aspirar a algo diferente, e aí é que está o verdadeiro desafio.

Em terceiro lugar – mas a ordem é aleatória – o desenvolvimento do capital humano, que é, e será, um desafio cada vez maior. Não vamos fugir a isso. Há cinco anos já era e está a ganhar cada vez maior relevância, está noutro patamar. Não só porque as exigências ou a forma de estar no mercado de trabalho de uma nova geração é diferente, mas também porque as competências que são exigidas às pessoas são muito mais complexas. E as competências de liderança, não apenas da de topo, ganharam uma relevância especial.

Identifico, no nosso caso, uma grande necessidade de desenvolvermos competências de lideranças também ao nível intermédio. Todos os quadros têm de ter competências de liderança. É, para nós, muito difícil ver capacidade de progressão em qualquer quadro que não tenha competências de liderança bem suportadas.

 

É um investimento que têm vindo a fazer…
RLF: Sim, temos investido muito nessa matéria. Começámos por todo o nosso top management – todo mesmo –, e acredito que esse programa foi inovador a nível nacional. Tiveram formação numa escola de gestão internacional, com um programa muito focado em soft skills e competências de liderança.

 

Já consegue perceber resultados?
RLF: Terminou há pouco tempo, porque a pandemia atrasou o processo. E é preciso perceber que os resultados não são imediatos. Mas, dito isto, acredito que sim. O feedback tem sido muito positivo, e já se percebem efeitos ao nível da gestão estrutural da empresa. Agora, vamos avançar para outra fase, e o desafio é ambicioso – trabalhar o tema mais abaixo na hierarquia, nas lideranças intermédias. A dimensão é muito maior e o grau de intervenção necessário também.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Março (nº. 147) da Human Resources, nas bancas. 

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