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Entrevista: «O capital humano está muito subutilizado nas empresas.»
A 9.ª edição do GreenFest começa esta quinta-feira, dia 6 de Outubro, no Centro de Congressos do Estoril, tendo como tema a Economia Circular. Durante quatro dias, vai promover-se o conceito de “desperdício zero”, que envolve o aproveitamento integral do capital humano nas empresas.
Por Ana Leonor Martins
O GreenFest foi criado há 9 anos com o objectivo de criar uma maior notoriedade para a temática da Sustentabilidade para cidadãos e empresas, e em todas as suas vertentes – ambiental, social e económica –, levando todos a assumirem um papel activo na sociedade para um melhor futuro colectivo. O mentor do projecto, Pedro Norton de Matos, conta à Human Resources como as empresas em Portugal encaram este tema.
Como tem evoluído o GreeFest, desde a sua criação até agora?
De ano para ano, o GreenFest tem-se assumido como um espaço de partilha de boas práticas e experiências, abordando as principais tendências do nosso tempo e dando a conhecer as principais acções que se podem desenvolver para tornar a sociedade sustentável.
Qual o tema deste ano?
Em 2016, o tema principal do GreenFest é o da Economia Circular, que é um tema de actualidade e que importa trazer para o debate público e alargado. A Economia Circular é a Economia do “desperdício zero” e procura dissociar o desenvolvimento económico global do consumo de recursos finitos, com o objectivo de manter os produtos e as matérias no mais alto nível de utilidade e valor.
Como é que este conceito de pode aplicar às empresas?
O conceito do “Desperdício Zero” envolve o aproveitamento integral do capital humano que, infelizmente, está muito subutilizado nas empresas e na sociedade actual. Todos os anos temos incentivado e temos acolhido cada vez mais pessoas e organizações para colaborar no GreenFest, sendo cada vez maior o interesse dos visitantes pelos temas da Sustentabilidade.
Nomeadamente no âmbito empresarial, e comparativamente com outros países da Europa, como tem evoluído a temática da sustentabilidade?
Sentimos ao longo das oito edições deste festival um crescente interesse pelo tema da sustentabilidade, tanto por parte dos cidadãos como das empresas. No entanto, ainda estamos atrasados comparativamente aos líderes europeus nesta área. Este ano, o GreenFest tem como país convidado a Suécia, que é um país de referência de boas práticas e de cidadania activa. A Suécia recicla 95% do seu lixo. É um país com uma longa experiência no desenvolvimento da Economia Circular e a sua participação no GreenFest pode vir a ser uma oportunidade para conhecer o que já se faz e perceber os novos desafios que se colocam a Portugal. Numa altura em que o sector nacional dos resíduos está mobilizado para o cumprimento dos objectivos definidos para 2020, a Economia Circular marca a nossa actualidade nacional.
Acha que em Portugal se está sensibilizado para isso? Quais as maiores preocupações das empresas neste âmbito?
As empresas estão cada vez mais preocupadas em adquirir um papel responsável na sociedade onde se inserem. Para além de estarem cada vez mais sensibilizadas para o nosso futuro colectivo, também estão mais conscientes para mudar a sua estratégia para a “Economia Verde”. Isto poderá ser uma forma de assegurar uma boa posição da empresa perante a sociedade. Contudo, acredito que a preocupação das empresas passa por alargarem o seu foco tradicional, económico e financeiro e incluir a responsabilidade social e a pegada ecológica na sua actividade principal. No futuro, será a norma na apresentação dos relatórios e contas e será denominado por “triple bottom line”. Da optimização da utilização de recursos até à eficiência energética, passando pelas preocupações sociais nos países em que operam ou nos quais adquirem matérias-primas, muitos são os temas a que as empresas têm dedicado a sua atenção.
A sustentabilidade ainda é uma questão de “moda” ou já é uma questão de “sobrevivência” para as empresas?
Quando falamos de moda, falamos de algo efémero, algo que, por definição, passa. E isso é tudo o que não queremos. Defendemos que a sustentabilidade tem que ser uma preocupação permanente e que o triple botton line faça parte do ADN das organizações.
Estamos a caminhar nesse sentido?
Há duas forças motoras que ajudarão na transição para um modelo de desenvolvimento mais sustentável. Por um lado, os consumidores informados e, por outro, as empresas em toda a sua cadeia de valor. O consumidor, porque actualmente se preocupa, em antes de comprar um produto, em verificar as suas componentes. Como tal, as empresas que não incorporam estas questões nos seus produtos, colocaram em causa a sua sobrevivência. Por outro lado, as empresas têm um enorme efeito multiplicador, pois se exigirem práticas sustentáveis em toda a sua cadeia de valor, irão incentivar outras empresas a integrar estes valores.
O que considera ser mais urgente mudar na mentalidade dos empresários portugueses?
Os empresários têm mudado a sua forma de pensar e estão cada vez mais conscientes da importância da temática da Sustentabilidade. No entanto, ainda temos um longo percurso a percorrer no que diz respeito a mudar mentalidades e comportamentos. Acredito que a maior mudança é provocada pela pressão dos “smart buyers” que obrigam as marcas a incorporar práticas efectivas de sustentabilidade. Os bons hábitos, tal como os maus, resultam da repetição de comportamentos. Eu acredito que serão as novas gerações, com melhores hábitos, que no futuro irão acrescentar uma pressão cada vez maior nas marcas. A digitalização da economia e os respectivos avanços tecnológicos têm também um papel determinante. Actualmente já podemos avaliar um produto em relação ao cumprimento de critérios de Sustentabilidade – sociais, económicos e ambientais – através de uma simples aplicação nos nossos smartphones.
A sustentabilidade também integra a Gestão de Pessoas nas organizações?
As organizações sustentáveis colocam as pessoas em primeiro lugar, não só no papel, mas sim na prática. Reconhecem a importância dos seus colaboradores na medida que são os principais responsáveis para que o resultado final resulte de um bom desempenho nas três vertentes: sociais, ambientais e económicas. As organizações modernas vivem em constante mudança e para conseguirem gerir todas as acções precisam envolver o seu capital humano. Só assim conseguem mobilizar talentos e obter compromissos de acção consistentes e colaborativos.
O GreenFest acaba por ser uma mostra de boas práticas. Dê exemplos de algumas que considere mais inovadoras.
O Greenfest assume-se com uma plataforma aberta, inclusiva e de partilha, que facilita e estabelece contacto entre pessoas, ideias e projectos. Podemos destacar várias iniciativas, como workshops de alimentação saudável, rastreios de saúde ou ainda a oportunidade dos visitantes conduzirem veículos eléctricos. Mas destacaria a vertente social que ocorre no espaço Community Factory. É um projecto comunitário, onde participam associações, moradores, ONG [Organizações Não Governamentais] e IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social], com o objectivo de partilharem desafios e, em conjunto com vários especialistas, encontrarem soluções colaborativas. Por fim, destaco a importância da área do empreendedorismo, uma vez que o GreenFest já ajudou e possibilitou a realização de vários projectos.
Que novidades podemos esperar na edição de 2016 do GreenFest?
De ano para ano, o GreenFest aborda as principais tendências do nosso tempo. E este ano não será excepção. Ao longo de quatro dias, podem esperar um conjunto alargado de actividades, desde conferências a workshops, mas podemos destacar o programa “Parlamento dos Jovens”, que vai ocorrer no domingo, com crianças até aos 12 anos, onde o objectivo é debaterem os temas da Sustentabilidade sem adultos a moderar.
Que tendência antecipa em termos de sustentabilidade?
O desafio da Sustentabilidade prende-se com o facto de apresentar resultados mensuráveis a médio e longo-prazo, o que por vezes tira entusiasmo às acções de curto prazo. Contudo, é possível e desejável ter métricas de curto prazo. Acredito que seja um processo progressivo e possamos estar melhor no futuro. O cidadão tem um enorme poder nas suas mãos, uma vez que depende deste encontrar soluções inovadoras. Creio que se nos inspirarmos na natureza e na ideia que “nada se perde e tudo se transforma”, podemos ter um modelo de desenvolvimento mais equilibrado, e a Economia Circular, pode ser uma resposta viável.