
Estórias com Propósito. Criar impacto com pouco (ou quase nada)
Desde as primeiras experiências na área do voluntariado, tive a consciência de que, nisto de ser voluntário, geralmente recebemos sempre mais do que entregamos. E recebemos experiências, ganhamos competências ou partilhamos sensações que dificilmente seriam possíveis de adquirir se apenas as quiséssemos “comprar” num qualquer local.
Por Rui Lança, director desportivo no Ittihad Club (da Arábia Saudita) e docente universitário
O propósito e o voluntariado andam de mãos dadas, para mim. A palavra propósito entrou no meu vocabulário de forma mais consciente e sentida há uns oito ou nove anos, quando decidi que iria dedicar-me, profissional e pessoalmente, a projectos, pessoas e causas que me fizessem sentido e que fossem, independentemente da razão, importantes e impactantes para mim. Que me fizessem sentido. E esse sentido estava em irem ao encontro daquilo que era importante para mim e, daí, do que me fazia bem; que se alinhasse com o meu saber-ser, saber-fazer e saber-estar.
Fruto da carreira profissional, comecei a desafiar-me a encontrar o meu propósito, que as pessoas que me rodeavam também fizessem esse exercício e para que as empresas onde, ou para quem, eu trabalhava o realizassem. Fui descobrindo algumas ferramentas e algumas perguntas que, se fizermos a nós próprios e soubermos (e quisermos, claro) responder de modo sincero, ajudam-nos a descobrir, aos poucos, o nosso propósito.
O meu estava, e está, relacionado com ajudar as pessoas a serem melhores (nesta ideia, algo arrogante e egoísta, que por vezes temos de achar que sabemos o que é melhor para os outros), a estarem envolvidas com o seu desenvolvimento e a sua performance. Sem querer parecer “picuinhas”, sou uma pessoa que gosta genuinamente de pessoas, que, sem grande esforço, se dedica e “gasta” o seu tempo a pensar porque são assim, porque fazem X ou Y, etc.
Em 1996, tirei um curso de animador de campos de férias. Isso levou a que rapidamente estivesse envolvido em projectos de reinserção social. Depois vieram os projectos autárquicos para trabalhar com jovens em risco. Estive nas áreas da facilitação no Conselho Europeu durante oito anos, com projectos em que descobri que se pode fazer reinserção de pessoas em qualquer área da sociedade. E comecei a perceber que, provavelmente, todos nós precisamos de ser (melhor) reinseridos em algum lado, contexto ou situação.
Escolhi dois capítulos para este texto, como melhores experiências. O primeiro: um projecto de reinserção e desenvolvimento de competências sociais e operacionais com um grupo de jovens da zona do Miratejo, que consistia também em levá-los para Vila Nova do Ceira (Góis, Coimbra) e para as serras em redor, caminhar, cozinhar, desenvolver dinâmicas individuais e de grupo que os ajudassem a regressar mais preparados para este desafio que é viver em sociedade (tendo eu hoje a ideia de que a maioria das pessoas, actualmente, também não sabe bem como conviver em sociedade).
O outro episódio foi em Inhambane (Moçambique), com vários públicos, desde crianças, universitários, professores, etc. E a felicidade tem tanto de subjectivo como de contagiante. Com pouco (ou quase nada), o impacto que criamos nos outros pode ser conseguido com quase nada, desde que seja genuíno. E aqui nem sei se falo de mim para eles e/ou deles para mim.
Não sei se é sempre um processo bidireccional, mas sinto que ganhei tanto que, às vezes, desconfio se não estaremos a um passo da soberba quando queremos impor os nossos ideais aos deles.
Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 178) da Human Resources, nas bancas.
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