Estudo faz retrato dos Recursos Humanos do SNS. Os resultados não são bons e o aumento do número de profissionais não vai resolver a situação

O aumento do número de profissionais, sobretudo desde 2015, foi anulado pelo aumento do número de profissionais que trabalham em tempo parcial e pelas alterações aos horários de trabalho (regresso às 35 horas). Tal revela que a capacidade assistencial do Serviço Nacional de Saúde (SNS) depende, entre outros factores, do número de horas trabalhadas e não do número de profissionais. Concluindo assim que ‘o esforço financeiro realizado foi canalizado para a recuperação e não para a expansão da capacidade’.

 

Os dados são do Relatório Recursos Humanos em Saúde, elaborado por Pedro Pita Barros (Cátedra BPI | Fundação “la Caixa” em Economia da Saúde) e Eduardo Costa, investigadores do Nova SBE Health Economics & Management Knowledge Center, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE.

Embora o número de profissionais de saúde em Portugal tenha crescido de forma contínua (entre Dezembro de 2014 e Julho de 2022, verificou-se um aumento global de 29%: médicos internos +35%, médicos especialistas +25% e enfermeiros +35%), o aumento da procura por cuidados de saúde e a sofisticação técnica esbatem os ganhos obtidos pelo aumento do número de profissionais de saúde.

O relatório revela ainda que Portugal apresenta fortes desequilíbrios na força de trabalho em saúde, o que acentua a dificuldade para fazer face às necessidades de uma população particularmente envelhecida, com elevada prevalência de doenças crónicas e hábitos de vida pouco saudáveis.

Alertando para as limitações que impedem uma justa comparação, os autores lembram, ainda assim, que Portugal é o país da OCDE com maior número de médicos por mil habitantes (5,5 médicos por cada mil habitantes), mas surge entre os dez países com menos enfermeiros (7,1 enfermeiros por mil habitantes) e é mesmo o país da OCDE com o rácio de enfermeiros por médico mais baixo (1,3 enfermeiros por médico, em contraposição à média dos restantes países que apresentam um rácio de 2,7 enfermeiros por cada médico).

O envelhecimento da população e dos profissionais de saúde foi igualmente alvo de análise no presente relatório. Os dados mais actuais (relativos a Dezembro de 2021) indicam que cerca de um quarto dos médicos (24%) inscritos na Ordem tinha mais de 65 anos, o que faz antecipar uma vaga de aposentações nos próximos anos, cenário que atingirá o seu pico na presente década (2020–2030), com um expectável volume médio de aposentações anuais superior a 450.

O envelhecimento dos profissionais de saúde, que no caso dos enfermeiros é menos expressivo, afecta directamente o planeamento dos recursos humanos em saúde, uma vez que a proporção de médicos envelhecidos não só reduz o número de profissionais disponíveis para trabalhar em período noturno ou na urgência, como permite antever, para a presente década, a aposentação de cerca de cinco mil médicos. «O planeamento atempado dessas aposentações é fundamental para minimizar disrupções no normal funcionamento dos cuidados de saúde», adiantam os investigadores, frisando o impacto destas saídas ao nível, por exemplo, da manutenção da capacidade formativa no SNS.

A fotografia dos recursos humanos no SNS e as estimativas futuras existentes reforçam a necessidade de outro tipo de abordagem para fazer face aos problemas da escassez de alguns profissionais, das restrições orçamentais e das necessidades crescentes e complexas da população. A resolução dos desafios existentes nos recursos humanos em saúde em Portugal passa, segundo os investigadores, por «(…) uma diferente capacidade de gestão para estabelecer, por um lado, condições de atractividade do SNS (…) e, por outro lado, aproveitar as potencialidades de reorganização do trabalho nas unidades de saúde, propiciadas quer pela evolução das competências dos vários grupos profissionais da saúde quer pelo desenvolvimento tecnológico, incluindo a transformação digital, que permite o desempenho de algumas tarefas por meios tecnológicos».

Na análise às remunerações, o relatório conclui que a deterioração da atractividade do SNS tem vindo também a ser reforçada pela diminuição da competitividade das condições remuneratórias, fruto da evolução negativa das mesmas. Ao passo que o ganho médio nacional subiu 23% entre 2011 e 2022, no caso dos médicos observou-se um decréscimo de 5% (em parte explicado pelas aposentações) e no caso dos enfermeiros o ganho médio subiu 14%, no mesmo período.

A comparação entre a evolução das remunerações reais e a evolução do poder de compra, evidencia que, em 2022, os médicos perderam 18% do poder de compra face a 2011, e os enfermeiros perderam 3% (em média, os trabalhadores nacionais viram o seu poder de compra subir 6% no mesmo período, apesar da quebra significativa em 2022, face ao aumento da inflação). Os autores do estudo referem que o período de recuperação registado antes da pandemia «não foi suficiente para recuperar significativamente as dificuldades sentidas durante a crise financeira e para fazer face à dinâmica recente de preços».

O recurso a suplementos remuneratórios utilizado para atenuar as perdas de poder de compra acentua a pressão da carga de trabalho e complexifica a gestão das unidades de cuidados de saúde. Também o crescimento do sector privado, com a consequente possibilidade de duplo emprego para complemento dos rendimentos, cria uma pressão adicional ao SNS, complexificando a gestão de recursos humanos, e coloca desafios sobre a evolução da remuneração dos profissionais de saúde no sector público, enquanto factor de atractividade dos profissionais.

A Iniciativa para a Equidade Social é uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI, e a Nova SBE, que visa impulsionar o sector social em Portugal com uma visão de longo prazo. Traçando um retrato do sector social em Portugal e desenvolvendo programas de investigação e capacitação para apoiar organizações sociais, a iniciativa envolve sete projectos e duas cátedras.

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