Há muitas empresas a ajudar a combater a COVID-19. E muitas podem vir a ficar sem negócio

Esta crise tem colocado em evidência como a tecnologia pode ser colocada ao serviço das pessoas. O movimento tech4Covid19 é isso exemplo. Como pode esta entreajuda continuar como resposta a outros desafios, mais “antigos” e outros que vão surgir? João Figueirinhas Costa, porta-voz do movimento e CEO da Humaniaks responde, sem esconder que parte dos que agora estão a ajudar correm o risco de ficar sem negócio nos pós COVID-19.

Por Ana Leonor Martins

 

O tech4COVID19 surgiu, a 13 de Março, da iniciativa de alguns fundadores da comunidade tecnológica portuguesa, que estavam a debater como cada um poderia ajudar o país, os profissionais médicos e a população a combater esta pandemia. Duas semanas depois contava já com cerca de 4000 voluntários de mais de 200 empresas. Muitas dessas empresas viram os seus negócios bastante afectados pela pandemia. Mais do que falar sobre o que já foi feito, João Figueirinhas Costa partilha com a Human Resources como pode este movimento continuar a ser útil no futuro, sem esconder que algumas das empresas que agora estão a ajudar vão, elas próprias, precisar de ajuda para subsistir.

Sobre lições concretas que, até este momento, já podemos retirar para o mercado de trabalho de futuro, elenca cinco reflexões mais pessoais.

 

Esta crise tem colocado em evidência como a tecnologia pode ser colocada ao serviço das pessoas. Acha que vamos retirar daqui – do projecto Tech4covid19 – boas práticas que continuarão pós Covid-19?
Espero que sim. Uma das principais aprendizagens foi a de compreender a vantagem de ter equipas oleadas e estruturas organizacionais ágeis para um contexto digital – não me refiro a uma adaptação “à força” – refiro-me a ter o hardware e software, mas também ter, de forma estrutural, as ferramentas, processos e competências para tal.

O tech4Covid19 surge de um grupo de pessoas que, regra geral, não teve que ajustar muito das suas organizações nem dos seus processos para conseguir participar num movimento que ganhou esta dimensão e robustez. Acho que esta será uma boa prática que deve ficar e que deve ser tida em conta, não só por empresas, mas também por organizações sociais e pelo Estado.

Naturalmente, espero que esta boa prática não seja implementada “porque pode vir aí outra pandemia”, mas porque se percebe que dá uma vantagem competitiva às organizações em termos de flexibilidade e resiliência organizacional.

 

Em que âmbitos considera que podia ser útil continuar a existir esta concentração de esforços?
Já havia muitos desafios sociais pré Covid-19 e, tanto esses, como os desafios novos, continuarão a existir. Muitos desses desafios podem ser mitigados, eliminados ou resolvidos alavancando tecnologia e uma abordagem de “produto”.

Há muitos desafios que merecem a atenção de um movimento como o tech4COVID19 – desemprego, educação, protecção civil, saúde, mobilidade – a tecnologia e as empresas tecnológicas podem acrescentar valor, tanto a nível da apresentação de soluções para cada desafio, como na forma de executar essas soluções. Talvez seja neste segundo âmbito, da execução, que considero ser mais útil este tipo de concentração de esforços: apoiar organizações, públicas e privadas, a executar soluções para desafios da sociedade, de forma ágil, criativa e eficiente.

 

Não nos podemos esquecer de que todas as pessoas que estão neste projecto têm a sua própria actividade, as suas startups e empresas. Recentemente, deu-se conta de que mais de 40% das startups já estão com perdas superiores a 60%. Há o risco de quem está a ajudar, quando tudo isto passar, ficar sem negócio? O que acha que pode/ deve ser feito para o evitar?

Naturalmente, esse risco existe. As empresas que efectivamente serão mais afectadas pelo contexto de pandemia são determinadas por:

1) indústrias/sectores em que operam;

2) natureza e estrutura do seu modelo de negócio e produto;

3) estrutura financeira;

4) tipologia de empresa e qualidade de gestão;

5) outros factores.

Isto significa que a categorização como startup, por si só, terá um impacto relativamente baixo. Ainda assim, o tech4COVID19, em parceria com várias outras organizações de startups, teve a oportunidade de apresentar ao Secretário de Estado da Economia um conjunto de propostas de apoios, medidas e políticas para as empresas, com natural atenção ao contexto e características comuns de empresas de base tecnológica e negócios digitais.

Acredito que há aqui um papel fundamental do Estado na criação de condições e instrumentos que permitam às empresas aliviar pressão de tesouraria para que possam fazer face a este pico negativo e estar em condições de fazer uma recuperação acelerada assim que o contexto o permitir.

 

De forma mais ampla, que “lições” acha que vamos tirar desta crise, em termos de organização das empresas, modelos de trabalho, etc?
Acho que haverá muitas lições e que, naturalmente, teremos todos que investir algum tempo em reflectir sobre aprendizagens em tempo de pandemia. Acho também que, ainda assim, estamos neste contexto ‘apenas’ há cerca de 7 semanas, pelo que, ainda teremos muito tempo pela frente para aprender. Sobre lições concretas até este momento, elenco algumas reflexões mais pessoais:

Flexibilidade do regime de trabalho – não acredito que haja muitas empresas a transformarem-se em 100% remotas, mas acredito que vai haver muito mais disponibilidade para enquadrar flexibilidade real nas formas de trabalhar: teletrabalho, horários flexíveis, estruturas de semana variadas, equipas móveis, etc.
Organização do espaço físico de trabalho – há sempre debates sobre os melhores layouts de escritórios – os ‘open spaces’ foram largamente instituídos com grandes impactos na produtividade e sanidade dos trabalhadores. Com a necessidade de distância social e de níveis de produtividade para ‘compensar’ os impactos desta pandemia, estou curioso para ver como isso impactará o espaço físico de trabalho.
Digitalização e desmaterialização – não me refiro só a ter um site e um email. A noção de digitalização de processos, de estruturas de produção, de abordagem de problemas vai ser, necessariamente, muito mais digital.
Formação – já era uma necessidade real antes deste contexto, mas acredito seriamente que vai ganhar uma nova força – as organizações terão que investir mais e melhor em formação de qualidade e com interesse e aplicabilidade real. Não só formação para competências digitais, mas também para inovação e processos;
Valorização dos trabalhadores – a noção de interdependência tornou-se muito real. Precisamos muito de liderança e gestores fortes e competentes, mas as organizações só fazem sentido com toda a sua estrutura – enquanto sociedade, pedimos esforços aos que menos ganham e menos condições têm – em cada organização, espero que se reflita sobre a dignidade e sobre o valor real de cada um dos trabalhadores.

 

 

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