
Pelo menos 10 sectores nacionais podem aproveitar a crise europeia para crescer
Há pelo menos dez sectores de actividade na economia portuguesa que podem aproveitar a crise dos outros 26 países da União Europeia para minimizar os estragos provocados pela pandemia e tentar crescer um pouco mais. A conclusão é de um novo estudo publicado pelo Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE), do Ministério da Economia, divulgado pelo Dinheiro Vivo.
São actividades em que Portugal tem claras «vantagens comparativas» em relação aos seus concorrentes europeus, nas quais se pode captar mais facilmente «oportunidades de acréscimo de procura por desvio de comércio», diz o estudo.
De acordo com o trabalho de dois economistas do Gabinete de Estratégia e Estudos (Guida Nogueira e Paulo Inácio), que é tutelado pelo ministro Pedro Siza Vieira, há grupos de empresas que estão relativamente bem colocados para ganhar o que podem vir a ser as perdas dos outros. É o caso dos segmentos alojamento e restauração; têxteis, vestuário e calçado; madeira, cortiça e papel; e produção de minerais.
Os economistas, citados pelo Dinheiro Vivo, referem que «ainda não é totalmente conhecida a dimensão da quebra no comércio internacional por via da disrupção das cadeias de fornecimentos e da redução da procura externa, nem o que irá acontecer ao comércio internacional na retoma».
«No entanto, tendo em conta o desfasamento nas situações epidemiológicas nos vários cantos do globo, as diferentes respostas à pandemia e os impactos associados, é provável que numa primeira fase da retoma da economia europeia, as cadeias de valor prossigam num formato mais regional, o que pode criar algumas oportunidades de exportação para a economia portuguesa», observam os peritos.
Neste contexto «de elevada incerteza quanto à retoma da actividade económica fora da UE, alguns sectores da economia portuguesa podem ser activados, pelo menos temporariamente, para abastecer os mercados da União Europeia substituindo os respectivos fornecedores de origem extracomunitária».
«Este fenómeno é conhecido como um efeito de desvio de comércio» e neste cenário, «cria-se uma oportunidade importante para que as empresas portuguesas absorvam competências no curto prazo, ganhem escala e consigam afirmar-se no contexto europeu no médio longo prazo», concluem.
O artigo do GEE diz que há dois tipos de empresas que, a partir de Portugal, podem expandir negócios nesta conjuntura muito desfavorável e agressiva (uma das maiores recessões de sempre em 2020).
Existem os sectores «em que Portugal pode absorver mais competências e aumentar a sua representatividade dentro do mercado comunitário, por lhe ser reconhecido elevado grau de especialização».
Existe ainda um segundo grupo que, «não sendo a escolha mais óbvia para substituir fornecedores extracomunitários, por não lhe ser reconhecido elevado grau de especialização, apresenta alguma especialização e capacidade instalada que lhe pode permitir, com alguma prospecção de mercado, aproveitar algumas oportunidades de exportação».
O Dinheiro Vivo destaca que, na sequência deste trabalho, «foram identificados dez sectores cujo valor acrescentado bruto (VAB) exportado representa actualmente 54% de todo o VAB exportado pela economia portuguesa».
Um dos sectores que mais interesse levanta no estudo é o dos têxteis, vestuário e calçado. Em Portugal havia mais de 2900 empresas a operar nesta área (portanto, é também um dos maiores empregadores nacionais) e o País era o quinto maior exportador mundial em valor neste tipo de bens, a seguir a Itália, Espanha, Alemanha e França.
«Portugal tem a maior vantagem comparativa revelada na União Europeia, neste sector, e pode no curto prazo aproveitar a oportunidade para abastecer os mercados comunitários que não estão especializados, substituindo os respectivos fornecedores do mercado extracomunitário».
Para mais, «o mercado da UE é bastante representativo» pois «absorve cerca de metade» das exportações de têxteis, vestuário e calçado. Em 2017, «existiam 2903 empresas portuguesas exportadoras de bens, com actividade principal registada neste sector, a abastecer directamente o mercado comunitário (5,8% de todas as empresas exportadoras de bens em Portugal), o que compara muito bem com os restantes países europeus para os quais se conhece informação».
Concluindo, Portugal tem aqui «uma forte orientação para os mercados externos, com forte visibilidade e presença no mercado europeu» e «o sector apresenta também uma capacidade instalada capaz de responder ao desafio da procura externa acrescida, com um impacto significativo para a economia nacional».
«O conjunto dos potenciais clientes no mercado intracomunitário, composto por 22 países», compram quase 50 mil milhões de dólares de países terceiros (cerca de 42 mil milhões de euros, a preços actuais), «valor quase 15 vezes superior» às exportações portuguesas deste sector.
Na Europa há outras economias especializadas neste sector e que, portanto, «concorrem com Portugal pela captação destes mercados de exportação». São eles «Roménia, Itália, Bulgária e Lituânia», mas «nenhum deles supera a vantagem comparativa de Portugal», afirmam os economistas. No entanto, Itália, que produz mais caro, «supera em larga escala a capacidade instalada de Portugal», o que pode ser um factor de vantagem no caso de as encomendas serem muito volumosas, por exemplo.
Outro sector que desperta atenção é o da madeira, cortiça e papel. É mais um tradicional no qual Portugal é muito especializado e tem fortes vantagens comparativas. «Em termos absolutos, dentro da UE, Portugal é o décimo primeiro principal exportador de valor acrescentado gerado pelo sector para o mundo». O mercado europeu «absorve quase metade destas exportações e mobiliza um número elevado de empresas exportadoras, mais de 1600». dizem os autores do estudo.
«O conjunto dos potenciais clientes no mercado intracomunitário, composto por 11 países, importa aproximadamente 17 mil milhões de dólares de países terceiros (14 mil milhões de euros), um valor nove vezes superior» às exportações sectoriais, diz o estudo.
Interessante também é o caso do alojamento e da restauração, outro dos maiores empregadores da economia, que foi severamente atingido pelo confinamento e pela interrupção no turismo. Mesmo assim, o estudo do GEE afirma que o sector tem músculo e continua a ser muito competitivo quando comparado com outros países.
«Portugal é o sétimo principal exportador de valor acrescentado gerado no sector alojamento e restauração, para o mundo. O mercado da UE é muito representativo, absorvendo 44% destas exportações.»
«Neste contexto, confirma-se por um lado a forte orientação do sector para os mercados externos, com uma forte presença e visibilidade no mercado europeu e por outro uma capacidade instalada capaz de responder ao desafio da procura externa acrescida.»
Dentro da Europa, o mercado relevante para Portugal é composto por 12 países, valendo cerca de 22 mil milhões de euros. Portugal é competitivo, mas não está sozinho. «Concorrem com Portugal pela captação destes mercados» vários países com vantagem comparativa superior à portuguesa. É o caso de Croácia, Chipre, Grécia e Malta.