José Miguel Leonardo, Randstad: «A tecnologia compra-se; as pessoas conquistam-se»

José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal, foi um dos intervenientes na XXII Conferência da Executive Digest, publicação do Multipublicações Media Group, ao qual pertence igualmente a Human Resources, e que decorreu ontem, dia 10 de Maio no Museu do Oriente sob o tema “E agora? É agora”. 

Por Sandra M. Pinto

 

O responsável da consultora subordinou a sua intervenção ao tema “A nova era do talento: onde estão as pessoas?”, começando por ironizar que dava para escrever vários livros. «Nada atormenta tanto os gestores de empresas como a escassez de pessoas. Este é um tema que ouvimos falar constantemente , mas, na minha opinião, não é verdadeiramente escassez que estamos aqui a falar», começa por assinalar, «o que existe é, de facto, uma sensação de que não há pessoas disponíveis para trabalhar e de é cada vez mais difícil recrutar».

Quando falamos de pessoas, «temos de começar por aceitar que temos sérios problemas demográficos em Portugal, cuja factura iremos pagar ao longo dos anos pois temos um país envelhecido e que continua a envelhecer mais rapidamente do que o resto da Europa», afirma, «assim, o problema não passa pela escassez mas pela dificuldade de encontrar as pessoas certas para o projecto que temos em mãos».

Na opinião de José Miguel Leonardo, é importante não ficar pela simplicidade do diagnóstico, o qual é escasso enquanto raciocínio. Para ele existem duas dimensões que são concorrentes, mas que não vivem uma sem a outra. «Desde logo a questão da indisponibilidade», avança, «há pessoas mas essas não estão necessariamente disponíveis, vejamos o fenómeno “The Great Resignation” o qual não é mais do que a quebra de um paradigma». Este fenómeno começou por ser identificado nos Estados Unidos em 2021 quando se começaram a verificar um elevado número de demissões nas organizações. «As demissões sempre aconteceram, mas após o grande impacto do inicio da pandemia as demissões cresceram exponencialmente, ao ponto de, em Fevereiro de 2022,  mais de 4,4 milhões de norte-americanos deixaram o seu trabalho, sendo que cerca de 30% deles simplesmente saíram sem ter outro trabalho». De acordo com fontes oficiais este número de demissões continua a crescer e não escolhe sectores nem níveis salariais específicos, apresentando-se assim como um fenómeno bastante abrangente. «Isto revela que as pessoas estão, cada vez mais, a repensar a sua vida».

“The Great Resignation” já saiu das fronteiras dos EUA e sente-se já hoje na Europa, inclusive em Portugal. sendo que está já a contribuir para a dificuldade que se sente ao nível do recrutamento. «A pandemia permitiu que as pessoas reorganizam ideias e repensassem a sua forma de estar e de se relacionar com o mundo do trabalho, isto veio reforçar aquilo que a Rabdstad já tem vindo a revelar através dos seus estudos: logo depois dos salários, a maior preocupação das pessoas é a procura do equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional». Este ano o estudo da consultora sobre employer branding, que será divulgado na semana que vem, revela que «mais de 90% dos inquiridos indicou que este é um factor importantíssimo para si».

Cada vez mais a procura por harmonizar a vida laboral com a vida pessoal está na ordem do dia, «mas obviamente que existem impactos diferentes dependendo das gerações». Mas há um alerta ao qual é preciso estar atento, «existem 14 milhões de pessoas inactivas nos países da OCDE, um número superior ao verificado em 2019». Aqui fala-se de pessoas que não trabalham e que não procuram de forma activa uma ocupação, realidade que acaba por ter um impacto na dinâmica das empresas. «Este é uma quebra de paradigma e um alerta ao qual devemos dar muita atenção».

O Work Monitor da Randstad de 2022  revelou algumas dicas e caminhos que se podem tomar. «As atitudes e os valores ganham destaque com 40% dos inquiridos em Portugal refere que desistiria de um trabalho que o impedisse de aproveitar a vida, afirmando que a sua vida pessoal é mais importante do que o seu trabalho temos 62% dos inquiridos, quase metade assegura que se o dinheiro não fosse um obstáculo preferiria não trabalhar». Com um enfoque nos valores «à pergunta sinto que os valores da minha empresa vão ao encontro dos meus 43% afirmam que não aceitariam trabalhar numa empresa que não defendesse os mesmos valores a nível social e ambiental».

Para José Miguel Leonardo, estes dados revelam intenções, mas que são sentimentos expressos livremente pelos inquiridos. «Não precisamos de esperar que as pessoas concretizem estas suas atitudes, «o importante é que possamos mensura-las, ouvir as pessoas e dai retirarmos ensinamentos para que possamos adaptar e readaptar a forma como inserimos as pessoas nas nossas organizações». Assim, «podemos fazer desta “The Great Resignation” uma oportunidade de nos reinventarmos dentro das nossas organizações».

«Cada empresa deve ter a sua estratégia de employer branding», aconselha o CEO da Randstad, «as empresas investem fortemente na promoção dos seus produtos, mas muitas esquecem-se de se promover enquanto empregadores, na verdade, a nossa capacidade de atrair e reter as pessoas de que precisamos está intimamente ligada à forma como somos percebidos lá fora e também dentro da empresa, pelo que o nível de satisfação que os nossos colaboradores indicam e aquilo que exalamos enquanto organização é muito importante».

«Tratar convenientemente de todo o ciclo de vida do colaborador na empresa, é essencial: desde o momento em que entra até aquele em que sai», refere «e este último é muito importante porque a pessoa que sai da nossa organização é, potencialmente, o nosso melhor embaixador». Mas para que isso aconteça é preciso que «a sua experiência dentro da empresa tenha sido positiva».

A outra dimensão assenta na inadequação. «Este gap está bem identificado, ou seja, o diferencial entre aquilo que as empresas solicitam e aquilo que realmente as pessoas disponíveis têm enquanto perfil e enquanto competências». Não raras vezes a qualidade da oferta controla a qualidade daquilo que as empresas recebem enquanto candidaturas nos processos de recrutamento. A Randstad fez uma análise do que estava a ser solicitado e oferecido ao nível do emprego pouco antes da pandemia, para verificar quais eram as características que as empresas procuravam nas suas ofertas de trabalho publicadas em Portugal na Internet. «Curiosamente a palavra mais repetida era experiência», revela, «mais do que qualquer outra, esta a característica que as empresas mais procuravam». Para José Miguel Leonardo, esta exigência leva a uma autolimitação no espectro de procura dos talentos, «e isto precisa de ser alterado».

Em 2020 o Fórum Económico Mundial alertava para o facto de, em 2025, 50% das pessoas empregadas vão precisar de passar por um processo de reskilling, o que «é um enorme desafio», sublinha. Ao nível das competências solicitadas surgem as chamadas soft skills, as quais, na visão do responsável, fazem a diferença quando alicerçadas em hard skills, ou seja na competências técnicas. «E aqui falamos na resolução de problemas, na autogestão, no trabalho em equipa, assim como o uso da tecnologia e capacidade de desenvolvimento», as quais devem ser «incentivadas dentro das organizações».

Outro estudo de 2019, indicava que para 2030 em Portugal cerca de 1,1 milhões de postos de trabalho iriam desaparecer em virtude da automação e da digitalização dos processos. O mesmo estudo refere que existe a possibilidade que entre 600 mil e um milhão e 100 novos postos de trabalho irão ser criados com novas competências. «Considerando as entradas no mundo do trabalho e as saídas que vão acontecer nestes 10 anos está estabelecido que cerca de 700 mil trabalhadores em Portugal vão precisar de adquirir novas competências absolutamente necessárias para não ficarem para trás».

Perante este que é um efectivo problema social, é preciso unir esforços, «desde o Governo que deve criar as condições de base que possam permitir e facilitar esta aprendizagem, até às universidades e as escolas que devem adaptar os cursos aquela que é a realidade actual, passando pelos empregadores que têm de se preocupar com o tema pois são parte interessada em que esta problema seja resolvido, e por nós, enquanto indivíduos temos de ser ávidos na procura do conhecimento».

De regresso ao Work Monitor da consultora, José Miguel Leonardo escolheu três aspectos rotulados como de mais importantes em Portugal. Primeiro a afirmação “eu pretendo crescer na minha organização actual”, seguida da “eu pretendo desenvolver as minhas soft skills” e, por fim, “eu pretendo desenvolver as minhas competências técnicas”. «Isto indica que as pessoas em geral estão disponíveis para aprender, pelo que façamos também nós, enquanto responsáveis, o esforço de as acompanhar e de não deixar as pessoas para trás, porque elas são, de facto, o melhor de cada empresa».

«A tecnologia compra-se; as pessoas conquistam-se»

Para José Miguel Leonardo é cada vez mais importante ouvir as pessoas, é preciso perceber o seu sentimento, as suas aspirações, as suas ambições e a sua disponibilidade. «A pandemia ensinou e a guerra na Ucrânia acentuou que existe uma enorme necessidade de nós humanizarmos definitivamente as nossas empresas». «É do nosso interesse empresarial ter as pessoas connosco», reforça, «conseguir atrai-las, retê-las e fazem com que deem à organização o melhor de si mesmas», conclui.

 

 

 

 

 

 

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