Lições da sétima arte: Golda e a arte de decidir em tempos de crise

Começa a contagem decrescente para os Óscares. Que ensinamentos úteis à Gestão de Pessoas trazem os filmes nomeados? Começamos esta rubrica (que se prolongará até Fevereiro) com “Golda”, de Guy Nattiv, com Helen Mirren no principal papel. E cujo tema não podia ser mais actual.

 

Por Paulo Miguel Martins, professor da AESE Business School e investigador nas áreas de Cinema, História, Comunicação e Mass Media

 

Golda Meir é a primeira-ministra de Israel quando, em 1973, vários países árabes lhe declaram guerra, com o Egipto e a Síria a invadir o seu país, numa data sagrada de jejum para os judeus, o dia do Yom Kippur. É um período difícil, pois tem de tomar decisões “de vida ou de morte”. Além disso, já tem 75 anos e luta contra um cancro.

O papel de Golda, no filme com o mesmo nome, é desempenhado por Helen Mirren, que faz uma fiel actuação da maneira de ser da primeira-ministra, reflectindo um trabalho de preparação que a coloca bem posicionada para mais uma nomeação aos Óscares. De facto, Helen Mirren esmera-se em representações biográficas, como já acontecera no filme “A rainha”, com o qual venceu a estatueta para melhor actriz, encarnando Isabel II. Tal como nesse filme, também neste, a acção é centrada num episódio concreto, revelador de facetas marcantes dessa personalidade para a História.

Um aspecto relevante em Golda é o modo como selecciona para o Governo os seus ministros e colaboradores, o que nos dá uma lição exemplar de liderança. Quer pessoas competentes e em quem possa confiar. Para isso, procura conhecê- los bem, não se baseando apenas na experiência passada de cada um, mas dedicando espaço e tempo a conversas a sós. Este é um dos seus segredos e pontos fortes: o contacto directo. Ela cultiva realmente as relações pessoais, criando oportunidades para conhecer o outro, levando-a assim a saber como tratar melhor cada interlocutor. Esses laços vão fortalecendo uma maior e mais aprofundada relação profissional. Também nas empresas, esta postura traz vantagens aos dirigentes responsáveis pela gestão de equipas, em vários níveis hierárquicos.

No filme, há vários exemplos: um deles é com Henry Kissinger, o Secretário de Estado norte-americano do presidente Nixon. Nota-se que, quando fala com ele, sabe que está a dirigir-se a um alto responsável, mas, ao mesmo tempo, vê-se que é uma pessoa que conhece bem. Isso permite-lhe explicar os seus pontos de vista com uma assertividade que ultrapassa a mera relação entre políticos de duas nações. Faz questão de recebê-lo em sua casa, no decorrer da própria guerra, e as trocas de palavras e gestos é que lhe irão dar pistas para depois saber como conseguir obter o necessário apoio norte-americano.

Outro exemplo é a sua relação com Zvi Zamir, o responsável dos serviços secretos, a Mossad. Vai ter com ele. Dedica-lhe tempo. Escuta-o. Muitos dos dados que irá ouvir serão essenciais ao tomar decisões. Ela tem de agir, mas quer fazê-lo de forma segura, o que só é possível quando se tem informações correctas, como quando descobre que um dos generais, Eli Zeira, agira desonestamente. O que fazer? Denunciá-lo perante todos? Assumir ela os erros e evitar mais uma confusão? Pondera… e domina a situação. Então, falando com um e depois com outro, vai fazendo com que uma derrota iminente altere o rumo em direcção ao êxito. Alcança um cessar-fogo e, mais tarde, a paz. Só mantendo essa estratégia de cultivar o contacto pessoal é que conseguirá ainda dialogar ao vivo com o presidente egípcio Sadat, um dos seus principais adversários.

Há um pormenor que aparece numa conversa de Golda com Kissinger e dá ao filme uma especial actualidade: ela refere que nascera na Ucrânia e a sua família judia fora atacada pelos russos ao ocuparem o território ucraniano depois da II Guerra Mundial. Desde cedo que aprendera a “sobreviver”, percebendo que só conhecendo bem as pessoas saberá em quem confiar e com quem poderá contar.

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