Lições da sétima arte. Os excluídos. Conhecer os outros, conhecer-se a si

Este filme (“The Holdovers”, no original) de Alexander Payne está na lista das nomeações a cinco óscares, entre os quais “Melhor filme”, “Melhor actor” (Paul Giamatti) e “Melhor guião original”. Poderá ser uma boa surpresa, com lições de vida que devem ser aplicadas aos Recursos Humanos.

 

Por Paulo Miguel Martins, professor da AESE Business School e investigador nas áreas de Cinema, História, Comunicação e Mass Media

 

Um professor de uma escola privada americana do ensino secundário tem de ficar nas férias do Natal com um dos piores alunos nas instalações escolares. Ele é um professor já mais velho, solteiro, enquanto o rapaz não tem para onde ir, pois a mãe e o padrasto consideram o filho “um peso” que iria estragar esse período que querem passar só a dois.

O rapaz está revoltado. O professor também não gosta da ideia, mas conforma- se, pois sabe que alguém teria de ficar com esse encargo. Para cuidar da alimentação, ficam com uma cozinheira que perdera o marido e o filho. É a supervisora das cozinhas, mas agora só teria a seu cargo os dois “excluídos”.

O professor é alguém “da velha guarda”. Rígido e cumpridor escrupuloso das regras. Cultiva a distância com os alunos e é um apaixonado pela sua matéria: história da antiguidade clássica grega e romana. Quer criar nos alunos o gosto pelos estudos culturais, mas de uma forma tão “seca” que os leva a não corresponderem e a desprezarem esses temas, não revelando o mínimo interesse. Os resultados académicos são maus, pelo que lhe dizem que algo deve mudar, pois os alunos terão de obter positiva na avaliação para o prestígio da escola. O rapaz, pelo contrário, é alguém rebelde, contestatário, sem boas maneiras e, por vezes, insolente.

Encerrados na escola, esse período natalício vai proporcionar uma ocasião única onde se irão revelar várias “lições de vida” úteis para a área da Gestão de Pessoas. A primeira – e a essencial – é o valor das conversas ao vivo, do contacto pessoal frente a frente, ou seja, a importância de se cultivarem momentos em que as pessoas se conhecem entre si, o que, por sua vez, origina a que se conheçam melhor a si mesmas: o que as move, as inspira e as orienta. São cruciais as conversas prolongadas à mesa, os passeios lado a lado, as trocas de impressões, etc. Assim, vão criando uma boa cumplicidade e compreendendo, de maneira mais correcta, as atitudes de cada um.

A segunda lição é a importância de se contar com o passado, ou seja, muitas das decisões tomadas no presente são efectuadas de acordo com as experiências anteriores, quer sejam boas ou más recordações. Conhecer bem alguém, tanto no seu contexto familiar como no seu percurso profissional, vai ser essencial ao longo do filme, para que, no final, cada personagem “dê o melhor de si” e consiga acertar no que considera ser a única e decisiva acção a tomar.

Saber pesar e ponderar os prós e contras de algo implica conhecer bem os vários aspectos da questão, e isso só é possível e frutuoso quando se dedicou tempo e empenho em conhecer mesmo bem o que está em jogo. Neste caso, veremos como a irreverência do jovem até esconde uma bondade surpreendente. O professor também não hesitará, depois, em “quebrar as regras” para salvar um desastre eminente. E, por fim, a cozinheira lançar-lhe-á um desafio, oferecendo um presente que é o que ele precisava para se realizar e que lhe faltava concretizar.

O final em aberto é promissor, pois cada um sabe bem agora com o que pode realmente contar e tudo aquilo de que já é capaz de enfrentar.

 

Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro (nº. 158) da Human Resources, nas bancas.

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