«Não podemos deixar que a crise de agora nos impeça de pensar no que está a seguir», afirma Luísa Ribeiro (Accenture)

Luísa Ribeiro foi a keynote speaker de abertura da XX Conferência Human Resources, que se realizou ontem – dia 29 de Outubro – no Museu do Oriente, sendo também transmitida em live streaming. “O Admirável Mundo Novo” foi o tema proposto e a Strategy & Consulting Talent & Organization Lead da Accenture reflectiu sobre «o agora, o a seguir, nunca normal – navegando pelo impacto humano e económico da COVID-19».

Por Sandra M. Pinto | Foto: Nuno Carrancho, NC Produções

 

Vinda do mundo dos negócios, Luísa Ribeiro faz agora parte do universo dos Recursos Humanos, e começa por defender que estes “dois mundos” têm necessariamente de se intercalar, e cada vez mais. «Adoro a mudança, sou uma pessoa que fez imensas mudanças na vida, começando desde logo pela minha formação académia, em arquitectura, passando pela minha actividade actual, em consultoria e estratégia. Fiz imensas transições na minha vida e, na verdade, não me arrependo de nenhuma delas. E o momento que agora vivemos traz a todos uma perspectiva de mudança, pelo que a minha tendência é olhar para a realidade actual de uma forma, sobretudo, positiva», afirmou, “avisando” no entanto que a sua intenção não é trazer receitas mas sim convidar à reflexão.

Não obstante, Luísa Ribeiro confessa que também tem os seus receios e anseios, mas acredita na capacidade de olhar para a actualidade como um momento de transformação e de mudança, sendo que a Accenture acredita que este é o momento para acelerar ainda mais a mudança.

«O nosso propósito passou a chamar-se “Let There Be Change”, ou seja, vamos abrir caminho à mudança», partilhou.  Sendo que agora «já apagámos os fogos, é preciso olhar não só para o agora, mas também para o “a seguir” e para o depois de amanhã, mas, mais importante, é abraçar a fase actual, aquela que nos pede a todos para retomar. Perante isto, são vários os desafios que se colocam», constatou. E interessa começar pela perspectiva das pessoas. «Sabemos que, nos negócios, no final do dia, percebemos que tanto o colaborador como o consumidor são pessoas

Por muito que o tema mudança não fosse novo, ninguém estava à espera do que aconteceu, mas a responsável acredita que, se calhar, podíamos estar preparados de forma diferente. As

Olhando para o actual momento, a Accenture identificou cinco grande tendências:

  • a confiança, e o custo que essa confiança tem;
  • o novo normal, mais digital, com todos estão a participar nessa digitalização;
  • a preocupação com a saúde;
  • o cocooning e perceber como vamos tirar as pessoas de casa;
  • e a reinvenção da autoridade.

Confiança. «Estamos todos cansados – a pandemia é algo que nos traz cansaço -, pelo que estamos a achar relevante aquilo que nos é mais familiar, mas ao mesmo tempo assistimos a um crescente individualismo, porque, estando todos isolados, estamos, de certa forma, a ficar mais individuais naquilo que temos para fazer», considera Luísa Ribeiro. «Na Accenture, vemos isto como uma preocupação mas também como uma vantagem, pois se, por um lado temos pessoas mais individualistas, que sozinhas conseguem resolver problemas que forem surgindo, por outro lado perdemos o sentido de colaboração com o outro, tema sobre o qual tínhamos vindo a trabalhar nos últimos tempos». Esta realidade por vezes leva ao adiar da decisão, derivado da incerteza com que hoje nos deparamos. E junto com este adiar surge a resiliência. «Cada vez mais é-nos pedido que sejamos resilientes», e que sejamos capazes de «tomar decisões na hora».

Digitalização. «A digitalização neste novo normal tem sido feita quase à força», afirmou Luísa Ribeiro, chamando a atenção para o facto de se começar a verificar algum desconforto relativamente a este universo digital. «Quando as pessoas regressarem ao seu local de trabalho, esse desconforto virtual vai continuar a sentir-se, mas ao mesmo tempo estamos a redescobrir laços  sociais que tínhamos mas que nos estavam de alguma forma a passar despercebidos». Exemplo disso é a facilidade com que todos se podem ligar a colegas de trabalho que estão noutras partes do mundo, esse contacto é agora mais simples e claramente facilitado. «As organizações têm agora o desafio de, no futuro, colocar todas as suas pessoas à distância de um click, sendo isso o que o mundo virtual também nos permite fazer: criar laços digitais e apesar de estar geograficamente longe estamos, efectivamente, mais próximos. E as pessoas agora estão mais disponíveis para comunicar, estando distantes fisicamente. Antes da pandemia, isso não se verificava tanto.»

Saúde. A saúde é agora a maior preocupação de todos, mas as pessoas já estão preocupadas com aquilo que vai acontecer a seguir, sobretudo, a nível financeiro.  «Numa perspectiva de gestão de Recursos Humanos, é muito interessante pensar que estávamos a dar relevância a uma série de temas e a deixar a saúde para segundo plano, porque a dávamos por garantida. Agora há outra perspectiva, relacionada com a saúde, não só no local de trabalho, mas à distância, pelo que os gestores de Recursos Humanos devem pensar como é que uma organização pode ajudar nesse âmbito. E, aqui, a responsável faz questão de sublinhar que não se refere apenas à saúde física, mas também à cada vez mais importante saúde mental, surgindo o tema da fadiga, quase sempre associado. «Hoje todos queremos ser mais saudáveis e esse desejo aplica-se agora, e cada vez mais, aos locais de trabalhos, não só na perspectiva de nos protegermos da pandemia, mas pensar como é que isso pode ser alargado a outro tipo de situações», salientou.

Cocooning. Confessando ser uma fervorosa adepta do cocooning (conceito que traduzido do inglês deriva da palavra casulo e traduz a tendência para menor socialização dos indivíduos), a Strategy & Consulting Talent & Organization Lead da Accenture não põe em causa que as empresas vão ter mesmo de fazer com que as pessoas regressem ao seu local de trabalho. A questão é saber como o fazer. «Vão existir uma série de variáveis, sendo que é preciso não esquecer que o teletrabalho apresenta aos próprios colaboradores uma série de desafios. Isso mesmo se tem vindo a verificar na Accenture, onde estamos todos em sistema de home office.»

A nova realidade trouxe um sentimento de criação de comunidades, porque de certa forma todos somos mais locais. «Movimentamo-nos mais em grupos pequenos, e estamos mais próximos, por exemplo, dos nossos vizinhos», constatou. «E esta é uma perspectiva que podemos levar para o local de trabalho, há uma maior colaboração que se vem contrapor ao individualismo. Mas será que somos agora todos mais iguais?», questiona, para admitir que não sabe. «Mas estamos de facto todos mais próximos. Eisto acontece com as várias gerações. E também isto se pode trazer para o local de trabalho, uma vez que um dos desafios pelo quais as organizações estão a passar é o envelhecimento da força de trabalho e muitas vezes a solução passa por criar estas redes intergeracionais. Há, de facto, espaço agora para fazer isso».

Autoridade. Luísa Ribeiro fez notar que nos está a ser pedido a todos que nos comportemos de certa maneira e de acordo com determinadas diretrizes e ordens por parte não só das empresas e das organizações, mas também por parte do Governo. «É muito interessante ver como a relação com a autoridade e com o que está a acontecer agora nos está a fazer pensar que, se por um lado aceitamos e acatamos o que pedem, por outro estamos de alguma forma receosos em aceitar outras imposições, como se viu com a app Stay Away Covid. Numa perspectiva de Recursos Humanos, importa perceber como é que agora as pessoas, que até estão mais disponíveis, desde que alinhadas a um propósito, aceitam partilhar os seus dados, sendo talvez este o momento para transformar a capacidade analítica das empresas.»

 

O que é que precisa de ser feito? E quão rápido?

Se até há pouco tempo os Recursos Humanos eram uma área funcional dentro da empresa, hoje já não acontece assim, pois hoje são chamados a pensar. «Há hoje a oportunidade para pôr os Recursos Humanos a liderar e a pensar numa perspectiva de negócio», defendeu Luísa Ribeiro. «Sem dúvida que o talento e as organizações são relevantes e quem os gere é a área de Recursos Humanos, numa perspectiva de ter as pessoas em segurança, apoiadas e em pé de igualdade, mas também numa perspectiva de as capacitar para terem uma melhor performance, ajudando assim a transformar as organizações.»

A verdade é que há muitos processos de transformações que não são bem sucedidos e a principal razão para isso acontecer reside no facto de as pessoas não aderirem à mudança. «São os Recursos Humanos que devem garantir que as pessoas aderem à mudança. Isso é essencial, sendo necessário que as pessoas se sintam bem na empresa. Uma coisa a pandemia deixou bem clara, sem pessoas não se faz negócio, e sem pessoas capacitadas com as ferramentas necessárias o negócio não se faz», afirmou Luísa Ribeiro.

Mas o que agora se assiste é à inversão das preocupações por parte do individuo. «Neste momento a grande preocupação é física, queremos estar bem e sentir que nada afecta a nossa saúde e daqueles que nos são próximos», refere, «depois pensamos na saúde de acordo com um ponto de vista mental e só depois surge a preocupação com temas relacionais». Esta inversão acontece igualmente no local de trabalho e na vida profissional das pessoas, pelo que Luísa Ribeiro identificou dez passos práticos que, “começando pelas pessoas, acreditamos deve ser feito no momento actual».

  1. Reunir as tropas, desenvolver um plano e aja rápido, «implementar novas politicas sejam elas relativas a viagens de trabalho ou trabalho remoto que permitam aos colaboradores saber o que fazer», refere Luísa Ribeiro, «e tornar isso visível de uma forma transparente».
  2. Liberte as pessoas de tarefas e trabalho desnecessário, «ao mesmo tempo as organizações devem investir em programas que permitam aliviar tanto a carga física como metal», sublinha, «isso implica dar espaço às pessoas, e as organizações, obviamente, têm aqui uma dupla preocupação, de, por um lado estar mais próximo das suas pessoas, mas por fazer com que elas sejam mais produtivas, sempre guiando-as mas dando-lhes espaço».
  3. Liderança responsável, as organizações têm de perceber que «tudo o que é acessório deve ser relegado para segundo plano», chama a atenção Luísa Ribeiro, «é preciso saber parar e refletir, tornando claro, de uma forma responsável, que a organização se importa com as suas pessoas de maneira a construir um sentimento de confiança, o qual é importante na actual situação mas que será essencial para a fase que vem a seguir».
  4. Eleve os líderes “mais visíveis”, nem todos os colaboradores vão encarar esta situação da mesma forma, «é preciso que as lideranças estejam atentas às necessidades reais, concretas e diferentes dos seus colaboradores para que possam entendê-las». Hoje as organizações têm de escolher «as caras da empresa, aquelas que vão ser o rosto visível da mudança na organização». Luísa Ribeiro defende que é preciso ser selectivo naqueles que são a cara da organização na mudança.
  5. Apostar no ágil e deixar as hierarquias, «esta agilidade na forma de trabalhar é hoje essencial», afirma, «para tornar uma equipa ágil é preciso definir as diferentes competências das organizações sendo que este é um momento óptimo para fazer esse tipo de transformação». Os colaboradores estão hoje mais disponíveis, «a trabalhar de forma remota mas claramente mais disponíveis  para comunicar». É a altura certa para identificar as pessoas com base nas suas competências, defende.
  6. Integrar um propósito comum na organização é fundamental, as organizações devem perceber que não mudando o seu propósito o mesmo poderá ter de ser readaptado, «porque temos agora um contexto novo». Perante esta realidade, «todos dentro das organizações têm de estar preparados para estarem alinhados de acordo com um propósito comum».  Na opinião de Luísa Ribeiro, «criar neste momento um propósito comum numa organização é fundamental não para o presente mas para o futuro e tudo o que ele nos vai trazer, tendo as empresas a noção de que vão ter de acelerar a transformação pois vão ter de ser mais competitivos, uma vez que o mundo não ser nada fácil».
  7. Contar histórias em vez de se limitar a dar dados, para isso o conselho é que aliem os Recursos Humanos à área de marketing. «O marketing é nesta fase um aliado importantíssimo dentro das empresas, tanto na óptica de definição de propósito como na necessidade de agora se saber contar uma história tanto aos colaboradores como as parceiros».
  8. Sejam líderes consistentes, a liderança precisa de ser treinada nesta fase. «A liderança não está preparada para este tipo de desafio», refere, «os lideres vão remeter-se ao que faziam até aqui seguindo o que achava que era uma liderança responsável». Isto tem de deixar de acontecer. «Neste momento há temas como a empatia, a preocupação  e a confiança os quais se apresentam como um desafio para a área de Recursos Humanos».
  9. Reforçar as competências dos colaboradores, «pois vão surgir pessoas mais empenhadas em colaborar e em ajudar», afirma. Luís Ribeiro desafia as organizações a criarem equipas de trabalho que possam pensar sobre o que é que a organização pode fazer ainda melhor. «Não podem esquecer que esses colaboradores são aqueles a querem direccionar a experiência futura», sublinha.
  10. Não deixar que a crise de agora nos impeça de pensar no que está “a seguir”. Luísa Ribeiro concluiu: «A mudança é um movimento perpétuo e a resiliência só acontece por isso. Se estagnarmos, não vamos conseguir dar resposta nem à pandemia, nem ao que vem a seguir, que é difícil.»

 

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