
Nuno Roque, APIRAC: «A falta de mão-de-obra está a fazer com que as empresas estejam a rejeitar trabalhos, por falta de capacidade de resposta»
Actualmente, a APIRAC – Associação Portuguesa das Empresas dos Sectores Térmico, Energético, Electrónico e do Ambiente, congrega 530 associados. O grande desafio do sector – que cresceu 60% nos últimos cinco anos – é a escassez de talento. São precisos cinco mil trabalhadores e uma estratégia nacional para sensibilizar os jovens para os green jobs, defende o director-geral, Nuno Roque.
Por Tânia Reis
Enquanto grandes marcos nos últimos 50 anos, destaca a qualificação empresarial e profissional que tem diferenciado o sector no quadro económico e social nacional. Aliás, a capacitação constitui um dos pilares essenciais da intervenção da APIRAC no apoiar às empresas que representa.
Contudo, o problema não está nas competências nem na retenção de profissionais, mas sim na falta de percepção e adesão dos jovens a esta oportunidade de desenvolvimento profissional.
Qual a missão da APIRAC e em que áreas opera?
A APIRAC – Associação Portuguesa das Empresas dos Sectores Térmico, Energético, Electrónico e do Ambiente nasceu para ser uma instituição de referência do sector da Refrigeração e da Climatização, na defesa de interesses das empresas que operam nessas grandes áreas de mercado, com representação nacional e internacional. Congrega verticalmente, a nível nacional, numa única associação, empresas de todos os segmentos de mercado que integram a cadeia de negócios relacionada com a Energia Térmica e actividades conexas, que vão desde o projecto e consultoria, fabrico, importação, distribuição, manutenção, assistência técnica, à automatização e controlo de edifícios.
Quantos associados têm actualmente? E qual o perfil tipo?
O movimento associativo da APIRAC congrega actualmente 530 associados. Somos uma associação sectorial transversal, com associados distribuídos por todo o Portugal Continental e Insular, de todos os segmentos de actividade da cadeia de negócio e de variadas dimensões e localizações, que reflectem a realidade nacional. A cadeia de valor do sector representa 2.500 M€, o que corresponde a 1% do PIB nacional. São 25 mil postos de trabalho, 3% das exportações nacionais de máquinas.
Que principais marcos destaca nestes últimos 50 anos no sector?
Sem dúvida, a qualificação empresarial e profissional que consubstancia diferenciação do sector no quadro económico e social nacional. Este tem sido o caminho sectorial para demarcar as suas soluções e competências num contexto económico e organizacional cada vez mais exigente e evoluído. A tecnologia tem acompanhado as novas e múltiplas aplicações e dimensões que a sociedade moderna procura.
Ao longo da sua existência, a APIRAC tem desempenhado um papel crucial na representação dos interesses das empresas do sector, sendo uma voz activa junto das entidades governamentais e organismos internacionais, contribuindo para a definição de políticas e regulamentações que promovam um mercado mais eficiente e competitivo.
Que desafios enfrenta hoje o sector energético?
Poucas actividades existirão com uma influência tão transversal em aspectos básicos da vida. Contemplemos as implicações no âmbito da produção, distribuição e acondicionamento alimentar, na saúde, na qualidade do ar em que habitamos, trabalhamos e convivemos em cerca de 80-90% do nosso tempo, e no conforto dos mesmos espaços. Na verdade, a qualidade de vida é extremamente condicionada pelo bom desempenho das empresas e profissionais do nosso sector. Muito provavelmente por essa razão, a actividade está hoje parametrizada por um conjunto de instrumentos regulamentares e legislativos de ordem ambiental, energética e das especialidades técnicas envolvidas.
Actualmente, vivemos um período de grandes transformações legislativas e regulamentares, motivadas por temas de fundo como o impacto ambiental e a necessária descarbonização, a gestão eficiente dos recursos e o desempenho energético condizente com a sociedade evoluída que desejamos ser. Esta resposta tem de ser dada enquanto sociedade, e de modo mais micro por diversos sectores económicos, entre os quais o nosso. Os edifícios, que são compostos por diversos sistemas técnicos e nomeadamente energéticos, representam 40% do consumo energético na União Europeia e são responsáveis 36% das emissões em CO2, por essa razão as empresas e os profissionais do nosso sector são convocados a entregar respostas que resolvam estes impactos e apontem soluções mais eficientes energeticamente sem utilização e combustíveis fósseis.
E oportunidades?
Ambiente, Eficiência Energética e Qualidade do Ar Interior estão no centro das preocupações e estratégia europeia. As soluções tecnológicas estão a ser desenvolvidas para responder com a maior capacidade ao desafio extremamente exigente que se coloca ao sector e às empresas, em particular.
Do ponto de vista ambiental, para efeitos de aquecimento e arrefecimento, as bombas de calor serão a forma mais económica e neutra, embora se apresentem ainda como um investimento dispendioso para os consumidores. Os decisores políticos têm de corrigir esta situação, comprometendo-se inequivocamente com as tecnologias das bombas de calor e criando condições económicas favoráveis para a solução de climatização mais limpa que existe. Como medida imediata, a política deve, desde logo, visar a redução do custo da electricidade para aplicações residenciais, comerciais e industriais.
Neste contexto, a APIRAC irá, como tem sido o seu compromisso, apoiar os seus associados na transição para soluções mais ecológicas, assegurando que a sustentabilidade do sector da Refrigeração e da Climatização é tida em consideração na legislação e regulamentações relativas à energia.
Disponibilizam formação aos vossos associados, quais as áreas mais procuradas?
A qualificação técnica e profissional constitui um dos pilares essenciais da intervenção da APIRAC para apoiar as empresas que representa. Para o efeito, temos um centro de formação profissional, a APIEF, com respostas e soluções nas áreas abrangidas. A APIEF assume uma posição estratégica da APIRAC ao articular respostas formativas completamente integradas e ajustadas às necessidades despoletadas pela regulamentação sectorial, quer no aspecto de concepção, organização e desenvolvimento de formação, quer no apoio à certificação, que em grande parte envolve a formação do capital humano
O conhecimento de políticas, programas, medidas e estatísticas oficiais que permitem a identificação de novas oportunidades de formação, a participação na construção de regulamentos e leis relativas ao sector, assim como o levantamento de necessidades das empresas que permitem a antecipação das necessidades e a resposta correspondente.
As componentes práticas de alguns dos cursos da APIEF são essenciais para qualidade da formação ministrada, pelo que a formação híbrida, ou o retorno ao presencial, torna-se na melhor opção para as entidades e para os formandos.
Com a APIEF, a APIRAC constitui-se fonte primordial de transferência de saberes, conhecimentos e historial formativo. Em complemento, a APIRAC dispõe ainda de um centro de certificação profissional, o CENTERM, acreditado pelo IPAC – Instituto Português de Acreditação e homologado pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente.
A escassez de talento também afecta o sector?
O sector está numa situação de pleno emprego – não existe desemprego. Aliás, a oferta de emprego é superior à procura. O sector cresceu 60% nos últimos cinco anos. Esta circunstância configura mais necessidade de capacidade de resposta às solicitações. Por outro lado, encontramo-nos num período de renovação geracional. Esta realidade constitui um claro obstáculo não só ao desenvolvimento empresarial, mas também enquanto resposta às solicitações dos clientes. As empresas têm de fazer escolhas quanto aos trabalhos a que podem responder.
Que motivos aponta para tal?
O problema não está na retenção de profissionais no sector, cujo salário médio está entre os 1.600 e os 1.700 euros mensais e onde toda a procura de trabalho que possa existir é absorvida. Duas razões podemos identificar facilmente: uma primeira, pela falta de percepção e adesão dos jovens a esta oportunidade de desenvolvimento profissional; uma outra que deriva do crescimento da actividade sectorial que se torna insuficiente do ponto de vista da mão-de-obra disponível.
E soluções?
É preciso uma estratégia nacional para sensibilizar os jovens para o aliciante dos green jobs, há que fazer esta aculturação logo a partir das escolas, com o objectivo de gerar empatia junto das camadas mais jovens a partir do 9.º ano de escolaridade, dando a perceber que existe um encaminhamento profissional que lhes pode trazer vantagens em termos de qualidade de vida e de expectativa de progressão em termos de carreira profissional.
Também é importante captar profissionais oriundos de outros países, embora não baste sermos apelativos – há que acolher estas pessoas com qualidade. Neste âmbito, o desafio mais difícil de resolver é a habitação.
Por fim, e não de somenos, a conversão de profissionais oriundos de outras actividades que possam aqui encontrar outras respostas que não encontram actualmente.
Que impacto poderá essa escassez ter no futuro mais próximo?
São precisos cinco mil trabalhadores para o sector que tem, actualmente, 25 mil profissionais – o correspondente a cerca de 20% da força de trabalho disponível. A carência de mão-de-obra está a fazer com que as empresas estejam, em muitos casos, a rejeitar trabalhos, por falta de capacidade de resposta, quer em quantidade, quer em qualidade. Aliás, não é apenas um problema nacional, já que a falta de profissionais intermédios é um problema que se vive a nível europeu.
O Fórum Económico Mundial menciona os green jobs como as carreiras do futuro. As entidades do ensino superior e do ensino técnico-profissional estão alinhadas com essa tendência?
No plano das intenções, a concretização da promoção dos designados green jobs constitui um dos objectivos da estratégia europeia para a redução das emissões de gases com efeito de estufa para que se possa atingir a meta de neutralidade climática até 2050.
Na APIRAC estamos motivados para criar uma tendência na cadeia de ensino que possa aderir a este cenário mas, tanto quanto é possível conhecer, pelo menos por enquanto, não existe no seio académico e escolar uma percepção das oportunidades de carreiras que se podem encontrar no nosso sector.
Além das competências técnicas, obviamente essenciais, que soft skills são fundamentais (e mais procuradas) no sector da energia?
O nosso sector não é diferente de outros. As soft skills são determinantes para a progressão de carreiras, mas não para o acesso às carreiras.
Num sector em que a tecnologia é factor-chave, que papel assume o upskilling e o reskilling nas organizações? E nos profissionais?
A qualificação é uma exigência operacional para a nossa actividade e, nesse contexto, a formação ao longo da vida, particularmente, no processo de evolução e transformação que se tem vivido e se apresenta para a próxima década não permite outra abordagem.
A transição dos fluidos frigorigéneos sinaliza um estágio para a evolução do sector e das suas aplicações tecnológicas, em que todo o sector é convocado para actualizações formativas, certificação de competências adequadas às exigências e equipado para um futuro sem gases fluorados.
Em todas estas dimensões, as bombas de calor e os fluidos alternativos serão preponderantes na “nova realidade”, à qual as empresas terão de atender e se adaptar.
Que tendências antevê para o futuro do sector?
A tecnologia de refrigeração, ar condicionado e bombas de calor encontra-se num processo de evolução sistémica para se tornar ainda mais eficiente em termos energéticos, ecológicos e de inteligência.
Do ponto de vista ambiental, há uma mudança para o uso de fluidos mais ecológicos com menor potencial de aquecimento global, que têm emissões de gases de efeito estufa significativamente menores em comparação com fluidos de gerações anteriores. Num esforço para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, os sistemas de ar condicionado estão cada vez mais integrados com fontes de energia renováveis, como a energia solar. Isto permite que o sistema funcione utilizando energia limpa, resultando em emissões de carbono reduzidas e custos de funcionamento mais baixos.
Tecnologias avançadas de purificação do ar para melhorar a qualidade do ar interior podem filtrar o pó, os alergénios e os poluentes nocivos, garantindo um ambiente mais saudável. Os sensores e algoritmos avançados optimizam a utilização com base nas condições de ocupação e temperatura, permitindo arrefecer ou aquecer apenas as áreas que o requerem, resultando em níveis de conforto óptimos e num consumo de energia reduzido.
Os termóstatos inteligentes tornam-se ainda mais sofisticados, integrando-se em sistemas de domótica e utilizando algoritmos de inteligência artificial para aprender as preferências dos ocupantes e ajustar as definições em conformidade. Podem monitorizar e gerir várias zonas, detectar a ocupação, optimizar as programações e até fornecer relatórios de utilização de energia.
As unidades de ar condicionado estão também a tornar-se mais elegantes e esteticamente mais agradáveis, integrando-se perfeitamente na arquitectura moderna. Os designs compactos e os materiais inovadores ajudam a minimizar o impacto físico e visual destes sistemas em casas e edifícios.