Nuno Troni, director da Randstad Professionals: «Não vai ficar tudo bem»

Desde o início da pandemia que temos ouvido e lido, quase até à exaustão, que vai ficar tudo bem. Se poderá ser verdade em relação ao fim da pandemia, com o aparecimento de uma vacina ou de um qualquer tratamento mais eficaz, não me parece que seja possível isso acontecer em relação à economia e, especialmente, aos milhares de profissionais que viram ou vão ver os seus rendimentos reduzidos ou os seus postos de trabalho eliminados.

 

Por Nuno Troni, Director – Professionals, Outplacement, Human Consulting, R.P.O., da Randstad Portugal

 

É certo que não é uma novidade, já passámos por crises económicas e a mais recente está ainda bem presente na memória de todos. Existem, contudo, algumas diferenças essenciais, sendo a primeira na escala e dimensão e a segunda na transformação das empresas para employee centric organizations.

Nos anos que antecederam a pandemia, assistimos a um crescente número de empresas a discutir e implementar conceitos de employee centricity, desenvolvendo estratégias de employer branding para atrair e reter talento e assumindo o factor humano como um elemento central da sua estratégia. O colaborador estava no centro das preocupações da empresa, situação naturalmente encorajada por bons resultados por parte das empresas e por um crescimento económico positivo. Com a pandemia, a prioridade continuou a ser as pessoas, mas no sentido da segurança e do bem-estar dos colaboradores, com todos os esforços concentrados em implementar práticas de trabalho remoto e de comunicação, de forma a não deixar ninguém para trás.

Contudo, e findo o confinamento, deparamo- nos com o resultado deste lockdown: uma colossal diminuição do PIB (Produto Interno bruto), desemprego a crescer rapidamente e diminuição, em vários sectores de actividade, de facturação e perda de volume de negócio, em vários casos muito acima de 70%.

Em surveys que conduzimos recentemente, as perspectivas são tudo menos animadoras: mais de 60% das empresas assumem que a diminuição de volume de negócios se vai manter nos próximos tempos, 75% prevêem contratar menos do que planearam no início do ano, 65% afirmam que terão de vai reduzir a estrutura actual e uns impressionantes 85% vão cancelar ou reduzir drasticamente o budget para formação e desenvolvimento.

Um desafio para as empresas será a forma como vão gerir a óbvia e legítima necessidade de racionalizar a estrutura, em especial a diminuição de custos, que acarreterá despedimentos, congelamento de salários e de investimentos. Tudo o que for considerado não prioritário vai ser impactado, mas como é que estas decisões se vão compatibilizar com o posicionamento de employee centricity?

No fundo, as empresas colocaram os seus trabalhadores como o pilar da organização, preocuparam-se com a sua segurança, com a sua retenção e desenvolvimento, com a sua felicidade, e agora vêem-se a braços com a necessidade de eliminar vários postos de trabalho.

Os efeitos já são visíveis no mercado de trabalho. Os despedimentos em massa já estão aí e a pressão nos salários é evidente nos processos de recrutamento em curso. No lado dos candidatos, o índice de confiança também está em baixo (verificamos um número recorde de ofertas recusadas) e o número de ofertas de emprego no mercado é dos mais baixos do últimos (longos) anos.

E as más notícias não terminam por aqui. Em 2008, discutia-se a digitização, mas que ainda não era uma realidade. Nesta crise, o marketing digitial e e-commerce foram mais importantes do que nunca, sendo que o número de profissionais sem competências digitais é ainda muito elevado e, infelizmente, tenho muitas dúvidas de que os programas de reskilling e upskilling sejam suficientemente rápidos para a maioria destes profissionais.

Em resumo, empresas com perdas históricas, inúmeras incertezas no futuro, missmatch de competências e número recorde de más notícias. Como se diz num dos sectores mais afectados por esta crise, brace for impact.

 

Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 118) da Human Resources, nas bancas.

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