O papel da equidade, diversidade e inclusão no combate à escassez de talento

A escassez de talento é uma situação altamente apontada pelas empresas nos últimos meses – mas os dados do emprego podem conduzir a algumas interrogações. No último Boletim Estatístico do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, publicado em Setembro deste ano, constata-se que o número de pessoas desempregadas é de 324,5 milhares, sendo que a taxa do desemprego jovem se situa nos 17,2% e o desemprego de longa duração representa 42,0% do desemprego total (dados do 2º trimestre do ano). No mesmo trimestre, o INE reportou a existência de 57 375 empregos vagos.

Por Lígia Mendes, responsável de ED&I da Randstad

 

O problema é complexo e varia de acordo com regiões e sectores, mas parece que entre as razões apontadas para a escassez de talento, encontrar-se-á uma que estes números ajudam a ilustrar – empregadores e candidatos a ofertas de emprego não estão a falar a mesma linguagem.

A pandemia de Covid19 abalou as prioridades e as relações, no que ao emprego diz respeito. Várias são as alterações decorrentes de novos modelos de trabalho, mas também de uma população empregada ou candidata a emprego que começa a considerar o trabalho uma parte da sua vida e não o centro da mesma, colocando aspectos como os valores, o propósito ou as preocupações ambientais acima ou ao mesmo nível de aspectos historicamente considerados mais importantes como a segurança do posto de trabalho ou até a remuneração.

É neste contexto que a equidade, a diversidade e a inclusão aportam valor para as organizações. Mais do que um assunto de que importa falar, para não ficar de fora das tendências ou até porque algumas obrigações legais o impõem, compreender que é preciso fazer diferente se queremos, de facto, que as empresas continuem a evoluir e a prosperar, é crucial. Vejamos alguns exemplos:

Recrutamento e selecção

Apesar dos dados que nos indicam que temos talento disponível no mercado, mas que continuamos sem conseguir preencher as vagas em aberto, basta abrir um site de empregos para compilar rapidamente vários exemplos de requisitos que poderão não ser essenciais para o desempenho da função, tais como anos de experiência profissional em determinada área, escolaridade mínima ou obrigatoriedade de trabalhar a partir do escritório, apenas para citar alguns.

Em muitos casos, os requisitos não são tão explícitos, mas um olhar honesto para as equipas que estamos a construir talvez nos diga algo sobre preconceitos inconscientes, ou nem tanto, que integram os nossos processos de recrutamento. Estaremos de facto a atrair o melhor talento para ajudar a desenvolver as empresas de hoje e amanhã, ou apenas a repetir hábitos do passado que já não encontram resposta no mercado de talento actual?

Foco nas competências

Espera-se que 44% das competências principais dos trabalhadores alterem nos próximos cinco anos, diz-nos o Future of Jobs 2023 report do Fórum Económico Mundial, publicado em Abril deste ano. A velocidade da evolução tecnológica traz novos desafios às empresas, no que diz respeito à formação das suas pessoas, para que seja possível acompanhar as necessidades do mercado. No entanto, este e outros relatórios e estudos apontam, mais uma vez, para o papel que práticas de gestão de pessoas mais inclusivas desempenham. Colocar as competências no centro destas práticas pode significar manter a empresa viva e a acompanhar o dinamismo do mercado. E isto de duas formas – arriscando a procura de talento em fontes menos convencionais e oferecendo a formação necessária para o momento actual e futuro da empresa, e/ou procurando no talento interno da organização a motivação e o potencial para a aquisição de novas competências, independentemente de factores considerados críticos de sucesso no passado, como ter estudado em determinado estabelecimento de ensino ou ter percorrido determinado caminho de carreira.

A carreira

No que à carreira diz respeito, infelizmente, poderia abordar inúmeras realidades que jogam hoje contra o problema da escassez de talento. Desde as mulheres, que continuam a sofrer de uma diferença salarial de 13,3% em relação aos homens, à representatividade de outras culturas e etnias em cargos de liderança, apesar da sua cada vez maior representatividade na sociedade, ou ao idadismo, preconceito que dificulta, entre outros, o sucesso das pessoas mais velhas no contexto profissional.

Estas e outras realidades, vivendo as empresas o enorme desafio da escassez de talento, representam uma oportunidade para chamar novamente a equidade à conversa. Como podem as empresas repensar os seus processos de gestão de carreira, por forma a garantir que oferecem soluções diferentes para pessoas diferentes? Como podem as empresas treinar os seus líderes para tomarem consciência dos preconceitos impregnados nas tomadas de decisão? Como podem as empresas desenvolver mecanismos que apoiem os líderes nessas mesmas tomadas de decisão, para que sejam mais justas e focadas no progresso de todos?

 

A diversidade, a equidade e a inclusão são valores que vieram para ficar. Porque o mundo mudou e esta mudança trouxe desafios que requerem respostas novas, mas acima de tudo requerem a participação de todos na procura dessas respostas. Caso as empresas não se adaptem, correm o risco de encontrar respostas que não servem para todos – seja ao nível do produto, do serviço ou do local de trabalho que oferecem aos seus clientes e candidatos.

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